The Project Gutenberg eBook of Viamos e não veremos

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Title: Viamos e não veremos

Author: Anonymous

Release date: February 27, 2007 [eBook #20701]

Language: Portuguese

Original publication: Lisboa: Impressão Regia, 1820

Credits: Produced by Rita Farinha and the Online Distributed
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Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).)

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VIAMOS E NÃO VEREMOS.

ALEGORIA MORAL.

Acompanhada de outras diversas Maximas relativas á nossa Liberdade

CONSTITUCIONAL

LISBOA

NA IMPRESSÃO REGIA.

ANNO 1820.

Com Licença da Commissão da Censura.

Sacro Febo, não cesses
D'espalhar teus luzeiros;
As verdades mais sãs desdobra aos homens;
Quartel não dando á Escuridão, aos Erros,
A Humanidade misera liberta
  Do Jugo insoportavel
Da Ignorancia, fatal, que he mãi dos males
.

De Fr. X. Monteiro de Barros.

VIAMOS E NÃO VEREMOS.

ALEGORIA MORAL.

Dedicada ao Excellentissimo ***[1] hum dos Dignissimos Deputados da Junta Provisoria do Supremo Governo do Reino

* * * * *

Mil Benções caião do Ceo sobre huma sabia Constituição Nacional.

Do Observador Constitucional.

Viamos e não Veremos: (verbi gratia) Sugeitar-se hum benemerito Militar ao vergonhoso ludibrio de procurar hum Uzurario (de que abundava Portugal) para lhe rebater os Soldos, e depois de lhe pedir a 25 por cento, e concluir o negocio havendo differença em 600 réis, a favor do dito Militar, dizer o Uzurario, sem pejo nem consciencia: Os 600 réis não façamos caso d'elles; pois n'huma conta d'estas deve V.S. ceder-mos (afirmando logo que lhos não dava, porque aliás lhe não podia rebater os Soldos; pois tinha quem se sugeita-se a perder 30 em lugar de 25) para eu beber huma garrafa de vinho (de veneno a precizava elle) á sua saude!

Viamos e não Veremos: Que o benemerito guerreiro possa formar as justas queixas que tão justamente lhe attribuem e que tão injustamente se lhes causavão o Sabio Escriptor João Baptista de Castro—"Desde menino tive tal inclinação á Milicia, que sempre me agradou mais a lança de Achyles, que a Lira de París, mas a experiencia me tem mostrado, que mais vale saber manejar as Lyras que as Lanças. Já se accabárão aquelles tempos, em que hum Mithridates, e hum D. João II. de Portugal, tinhão Livros em que escrevião os nomes de seus Soldados para os honrar, e premiar; agora fica encoberto o merecimento, e sepultadas as acções na falta do premio. O titulo de heróe já não chega aos ouvidos do Soberano, se não coberto com a capa da nobreza. Tenho-me achado em muitas batalhas, e sempre sahi dellas feito mais espectaculo de compaixão, do que assumpto de ludibrio; e com tudo sirvo de exemplo aos desgraçados. Foi doutrina de hum Filosofo, que a alma se mistura com o sangue; se assim he, quantas vezes tenho eu derramado a alma pelo sangue das feridas por amor do meu Rei? Companheiros conheço eu, que nunca na campanha souberão outro quartel, que o da saude, nem mais ataque que o do somno; e hoje ostentão louros das batalhas no augmento dos postos; e quando eu não descançava de dia e de noite em continuas vigilias, como Jacob, achando-me em todas as occasiões na frente do meu Exercito, com tanto risco da minha vida, sendo muitas vezes o primeiro que arvorei a bandeira sobre a brexa das Praças; não sobi mais do que á de Soldado razo no predicamento da fortuna humilde; nem estas cãs merecêrão ser coroadas ao menos com a corôa da hera do Profeta Jonas, que se murchava de quando em quando.

Eu bem sei, que se puzer em concurso os meus merecimentos, ninguem poderá ajuntar melhores certidões; mas de que me serve alcançar hum pedaço de pão, depois que o não possa comer, soffrendo de mais a mais o insopportavel purgatorio de pretendente? Quando o despacho se comprava só com o serviço, era mais barato o despacho: agora sahe mais caro, porque se compra o despacho com o serviço, e com a pertenção; e assim vem a custar mais o pretender do que o servir."

Viamos e não Veremos: As tres faltas essenciaes (e que diz hum Politico que por modo nenhum se deve faltar aos Militares) isto he: A de Soldo diario, a de Remuneração extraordinaria, e a Liberdade depois de certo e limitado tempo de serviço.—O Exercito bem provido de mantimentos, tarde ou nunca he vencido—a paga certa alenta, porque pela boca se aquenta o forno, e não devemos crer que sejão os Soldados como os fornos d'Arruda, que só huma vez na semana se aquentão, e isto lhes basta para coserem pão de Domingo a Domingo! Tem-se isto por prodigio grande, e por maior se deve ter que aturem os Militares mezes e mezes sem receberem hum real de Soldo para se vestirem e manterem. A segunda os faz constantes, por que o dezejo de aspirar, e crescer he natural, e com a certeza de melhorar de posto, e alcançar bons despachos, fazem pelos merecer, e não temem arriscar as vidas, porque o estimulo da honra he o melhor alicate que ha para avançar ás grandes emprezas, e tambem o do interesse. A terceira os faz leaes, por que se se imaginão captivos, e que nunca poderão renunciar o trabalho da Milicia, vestem-se da condição de escravos, e he o mesmo do odio a seus senhores, e em lugar de se portarem como Guerreiros Esforçados, portão se como Forçados das Galés!! Hum Politico adiantou mais, e chegou a ponto de dizer, que pelo antigo costume, ou pratica observada na Milicia até ao presente, muito menos penozo era ser Forçado nas Galés! do que Soldado no Exercito; pois que o primeiro era preciso que o seu crime fosse muito grande para se prolongar o seu captiveiro por mais de dez annos, e o do segundo acabava com a existencia!

Viamos e não Veremos: Que hum benemerito Sargento que muitas vezes posto que não tenha grandes Estudos huma pratica consumada o tem posto capaz de responder por huma brigada quanto mais por huma companhia, ser perterido… Em suma considerado indigno de pôr huma banda á cinta!

Destes benemeritos Sargentos dignos não só de serem Officiaes, como acima dissemos, mas por huma consumada experiencia, honra, e pratica, capazes de responderem por huma Brigada, se encontrão em o Regimento de Artilharia N.^o I. e em outros muitos Regimentos.

Viamos e não Veremos: Capitães Móres com hum poder dispotico, e absoluto para cinco Recrutas que se lhes pedião, meterem em huma cadeia (que quasi sempre succedia proximo ao Natal em que os Lavradores matão os porcos!) cem e mais filhos de Lavradores, Viuvas, e Infelizes Mãis; e depois a troco de peitas soltarem noventa e cinco affim de remetterem as cinco pedidas! Outro sim meter na mesma conta (e na mesma cadeia) homens trabalhadores, que por serem d'outras terras longe de suas familias desprovidos de dinheiro; (pois que regularmente quando chegão ao Sabbado já tem comido parte do dinheiro que se ha de vencer na Semana seguinte) alli se conservavão trinta, quarenta, e mais dias, quasi morrendo de fome (o que chegaria a succeder senão fôra a caridade dos fieis) até que o indigno Capitão Mór complete a redução dos que prendeo, e dos que ha de mandar, e até das peitas que intentou receber!—Parece que pedia a justiça, e a boa razão, (se em taes sugeitos se encontrassem!) que logo que se prende (que nunca se devêra prender) hum homem para servir a Patria, fosse sustentado pelas Camaras das mesmas Villas, assim como o são os Soldados nos Calhaboiços.

Viamos, e não veremos, Chefes de Corpos (que em quasi todas as classes os havia até de Ladrões!) capazes de contratarem entre Quarteis Mestres, e Soldados abonados (de dinheiro seu!!—Não se procura aqui como ganho!) a venda da Fardetas quando ainda existentes na Fundição, e depois o mesmo Soldado em lugar de dadas que lhe erão em recompensa de seus serviços, ter de comprar as mesmas a 1200 réis, os quaes lhe erão descontados no diario pagamento, e quando succedia não poder continuar a servir (por se achar só capaz de acabar a sua existencia pedindo esmola!) se lhe punha na sua Baixa esta verba: Vai pago de Fardas, e Fardetas (pelo contrario as tinha comprado com o seu dinheiro!) até ao presente (segundo a Data da Baixa, &c.)

Viamos e não Veremos, horrorosos quadros, como aquelle que nos apresenta o Jornal—O Patriota—sobre o pessimo e detestavel systema de tratar, e escolher a Maruja em Portugal nos ultimos calamitosos tempos:—"O pessimo tratamento dos Marujos, he outra causa da decadencia da Armada. Hum Marujo vilmente amarrado com huma corda, ou com as mãos algemadas, era conduzido para huma Cadeia d'alli passava a huma revista, erão frivolos, erão sem razão quantos motivos apresentasse; da revista para hum Deposito, aonde ociosos se davão a toda a qualidade de vicios, e de destemperos; do Deposito para huma Embarcação, e na Embarcação pela Barra fóra… He chegado o momento do trabalho… Poucos são capazes de subir, poucos são capazes de trabalhar, porque a maior parte são homens que se alguma vez embarcárão foi do Caes das Columnas para o de Cassilhas, que julgo já lá existe; huns erão gallegos do barril, outros padeiros, estes Officiaes de Carpinteiro, e Pedreiro, e quasi todos peores do que eu, que Deos me livre de me achar em taes assados! Mas a Embarcação por milagre do Altissimo lá vai… sim lá vai a Embarcação exposta a perder-se, e tantas vidas… tantas vidas… faz-se a Viagem, voltão, e entrão no Porto, donde sahirão, que esperarão estes homens?… Que se lhes pague o seu trabalho, e tanto mais quanto forão obrigados a trabalhar; mas que succede? Demora-los a bordo immenso tempo, até que impacientados, nús, e miseraveis, e o que ainda he mais cruel, e duro, se tem mulheres, irmãos, ou pai, lembrarem-se de que estarão morrendo á fome, sem elles lhes poderem valler, tendo aliás com que, pois tem ganho com tanto perigo huma soldada tão diminuta,… e esta mesma se lhe nega… negava-se-lhe tudo… até a propria liberdade… Não tem outro recurso senão fugir… fugio! Perdeo de huma vez os direitos a tudo quanto sobre as aguas do mar debaixo de procellosos aguaceiros tinha adquirido… (quando não perdia a vida como succedeo a hum infeliz de outros muitos, mas menos do que elle, que hião fugindo ha coisa de dois annos pouco mais ou menos, de bordo do Brigue—Tejo—que mandando o Commandante hum Escaller sobre a Lanxa em que hião fugindo sobre a qual atirárão alguns tiros, do que resultou quando chegárão á outra banda, acharem e Lanxa encalhada, terem fugido os que ficárão vivos, e ficar hum infeliz morto!) Oh Santa Razão! Quanto estavas degradada entre os homens!… Mas graças mil, graças mil aos nossos Libertadores, ousamos assegurar, que será hum dos primeiros objectos digno da sua alta Consideração, da sua Justiça, Rectidão, e Amor da Patria!"

Viamos e não Veremos, Leis que possão ter só o titulo de Leis Lisbonenses! Qualquer individuo podia ter huma Loja de Livros na Cidade do Porto (Cidade Illustre por onde principiou a dissipação destas trevas) em Coimbra, Evora, Elvas, &c. ou em outra qualquer parte do Reino. Apenas em Lisboa huma injusta representação (pois que as justas não as deixavão chegar a seus ouvidos) feita a S. M. por hum ou mais Encadernadores, que nunca vivêrão de vender Livros encadernados, mas sim de encadernar, dois objectos tão differentes hum do outro, como he o de hum Ferreiro fazer pregos (seja-nos permitida esta expressão) e huma Loja de Ferragem vende-los; foi resolvida em Consulta no Rio de Janeiro, que só aos ditos Encadernadores fosse permittido vender Livros, do que resultou ao pobre e infeliz—Méchas—perfeito modello da actividade no seu genero, ser citado por elles Encadernadores, então Juizes do Officio, ou para se examinar, ou fechar a Loja, e desta forma vir a perder hum estabelecimento, d'onde tirava subsistencia para si, e sua desgraçada familia. Elle confessa, e até prova, que só huma ambição desmedida lhe poderia negar que elle não fosse activo para si, interessante para com seus Concidadãos, e de utilidade para os mesmos Encadernadores que tinhão cavado a sua ruina: Em fim continúa elle: Ser-me-ha preciso abandonar a minha Patria para me ir estabelecer a hum Reino Estrangeiro? (o que tería feito senão fosse dar a entender a seus Credores que tinha dinheiro mettido em si) quando em Portugal não precisa ser Encadernador, mas basta ser Estrangeiro (ou que seu pai o fosse) para ter Loja de Livros?… Ser-me-ha estranho, ou intoleravel o andar eu, de dia e de noite, offerecendo Livros pelas Lojas de Bebidas, e Bilhares do Caes do Sodré, ensinando por este modo aos meus Patricios, que eu não me despreso de que com a mesma mão com que escrevo para o Público (á falta de Escriptores) com essa mesma offereço os Livros, e que ao homem nada está mal senão o mal proceder?… Não dou eu que fazer aos mesmos Encadernadores? Não tenho eu feito trabalhar as Imprensas, e obrigado a comprar, Livros com a minha industria a homens que apenas em outro tempo talvez se lhes não achassem meia duzia de Livros em casa, hoje em dia tem enchido as Estantes dos que a mim me tem comprado? Desenganem-se que isto de Livros, ou Leitura he hum vicio (vicio assáz louvavel, e interessante!) e que quanto mais ha quem venda Livros, mais Livros se vendem! Ainda que assim não fosse, aonde ha damno de terceiro, não póde haver contemplação com certos individuos; pois que o bem geral deve prevalecer á utilidade de alguns. (Se he que não he huma utilidade mal entendida!) Finalmente huma grande, evidente, e decisiva prova sobre o serem prejudiciaes á industria popular as Corporações privilegiadas, ou Companhias exclusivas, se póde vêr em hum dos jornaes de París de 12 de Septembro do presente anno, e na Gazeta de Lisboa em 9 de Outubro do dito.—Hum sabio Ministro de Napoles, entre outras muitas importantes maximas, trata em hum Capitulo separado a seguinte: "Fica offendida a liberdade da industria (prossegue o Ministro) quando se estabelecem Corporações de Artes, e Officios; quando o Governo tem faculdade de fazer-se empresario; quando se fórmão Companhias exclusivas de Commercio; quando se exclue algum ramo de industria, ou he opprimido com impostos. Quanto á propriedade que se adquire com a industria, póde ser prejudicada directa ou inderectamente pelas Leis da confiscação; pela usurpação do poder administrativo nas cauzas civis; pelos emprestimos que tomasse o Governo sem huma utilidade evidente para o Estado; pelas pensões concedidas sobre a divida pública fóra dos casos prescriptos pelas Leis; por impostos mal estabelecidos, ou que excedem as necessidades públicas."

Viamos e não Veremos, que se concedão Privilegios até aos Cegos (que parece mesmo Privilegios de Cegos!) a hum ponto tal que os authorizasse para nas terças feiras fazerem aprehenção em quantos Livros achassem á venda, ou, fossem ou não de particulares, e que a menor pena imposta, era, o perdimento d'elles, e 5$. de condemnação!… Acabamos de saber em fim que elles se tem deixado (posto que a sua vontade fosse o contrario) de obstar aos rapazes que ao presente se occupão (e que até he huma providencia; pois que a maior parte d'elles se occupava em tirar lenços) em vender folhetos, e Versos analogos á Liberdade Constitucional.

Viamos e não Veremos, que a huma pobre e honrada mulher lhe fosse prohibido vender huma saia, ou huma camisa com o risco de a perder, e ir parar ao Limoeiro.

Viamos e não Veremos, huma infame Proclamação que dê o nome de—Rebeldes!!!—aos Heróes que no dia 24 de Agosto levantárão pela primeira vez a voz da Razão, e do Heroismo sobre a Liberdade Constitucional.

Viamos e não Veremos, hum infeliz criminoso estar prezo quatorze annos ao fim dos quaes propor-se em Relação, e dar-se-lhe a escolher se queria morrer, ou ser carrasco! Tão infeliz quanto generoso, e de alma grande foi hum criminoso, que respondeo: Quero morrer, porque posto que eu com constancia tenha supportado quatorze annos de prizão, não me acho com forças bastantes para ficar o restante da vida com a obrigação de ser algoz da Humanidade!

Em fim ViamosViamosViamos… e não Veremos… e não Veremos… e não Veremos… coisas que tanto nos fazião a vista turva, e que nos estavão quasi fazendo cahir em hum perfeito Cáhos de escuridade; porém agora pelo contrario VeremosVeremos… e Veremos… coizas que nos fação, e farão a vista clara qual Linces, nossos gosos felizes, e affortunados… Em conclusão:—Veremos, que assim como Portugal he nomeado, ou tido por—Paraiso na terra—nós o seremos por—Entes bemaventurados no Mundo.

Pensamentos, e Maximas proprias, e adequadas ás Idéas Intellectuaes, e Moraes do Homem.

Liberdade.

I. Diogenes, perguntado, que cousa havia melhor na vida, respondeo: A liberdade que perde o Avarento, em quanto se faz escravo de todos os vicios.

II. Empenhou-se Pericles a ter em sua companhia a Timon, e lhe fazia tão grande partido, que lhe prometteo com grandeza tudo quanto lhe fosse necessario para passar a vida humana alegremente: Respondeo-lhe elle, que não vendia a sua liberdade.

III. Nunca usamos melhor da nossa liberdade, do que quando a sacrificamos á direcção de pessoas, que hão de responder necessariamente da authoridade com que della usárão.

IV. Quem se lembrasse, que não foi dada a liberdade para della usar á descrição das paixões, mas só pelas regras do bom sentido, da razão, e das Leis, logo que se não sentisse com forças para a levar por estes caminhos, a não querer despenhar-se, estimaria topar a quem quizesse carregar-se do contrapezo de responder por si e pelos outros.

V. Persuadia huma Hippócrates, que se passas-se para Xerxes, dizendo-lhe que era bom Senhor. Respondeo elle: Nem ainda de bom senhor tenho eu necessidade.

VI. A liberdade politica, he a que tem cada individuo da sociedade, não para executar quanto lhe fizer emprehender huma fantezia selvatica; não foi para isto, que nas primeiras convenções se acordárão os homens entre si de hum deposito commum de suas forças relativas; mas he para gozarem toda a segurança de quanto lhes pertence, sem dever ser perturbado de outro seu igual, e similhante Feliz Estado, em que só se depende da Lei.

VII. A hum que invejava a fortuna de Aristoteles, por comer á meza com
Alexandre, disse Diogenes: Melhor he a minha, pois Diogenes janta quando
Diogenes quer; e Aristoteles quando quer Alexandre.

VIII. Non bene pro toto libertas venditur auro, disse Horacio. E o judicioso Falcão introduz a hum rato muito invejoso de ver a outro em huma ratoeira rodeado de muito comer, e campo mui espaçoso para passear. Assim he lhe respondeo elle, porque não me faltão iguarias, e este palacio tão formoso para me divertir; mas amigo tomara-me eu daqui cem legoas.

IX. Diogenes, perguntado, que cousa havia melhor na vida, respondeo, que a liberdade: libertas.

* * * * *

Se nós nos podêmos chamar felizes por observar-mos depois de hum Quadro tão espantoso de passados males, hum tão brilhante de bens presentes, e futuros bens; com melhor razão nos poderiamos chamar felicissimos se podessemos recuperar a perda deploravel do objecto que tratão os dois ultimos versos do maravilhoso Soneto de hum dos nossos sublimados Engenhos, que abaixo transcrevemos, que póde servir de quadro ás passadas, e presentes circunstancias em que se vio, e vê Portugal.

*SONETO.*

Com o tempo o prado secco reverdece,
  Com o tempo cahe a folha ao bosque umbroso,
  Com o tempo pára o rio caudaloso,
  Com o tempo o campo pobre se enriquece.

Com o tempo hum louro morre, outro florece,
  Com o tempo hum he sereno, outro invernoso,
  Com o tempo foge o mal duro e penoso,
  Com o tempo torna o bem já quando esquece.

Com o tempo faz mudança a sorte avara,
  Com o tempo se aniquilla hum grande Estado,
  Com o tempo torna a ser mais eminente.

Com o tempo tudo corre, tudo pára,
  Mas só aquelle tempo que he passado,
  Com o tempo se não faz tempo presente.

* * * * *

Ainda que huma sabia Constituição Nacional não abrangesse (como abrange) hum bem geral composto de diversos, e infinitos bens, bastava aquelle de constituir hum sabio, e digno Codigo, que dê a Deos o que he de Deos, a Cesar o que he de Cesar: Em suma:—Que já mais possão ter as Leis as interpetrações que lhes derão (posto que com ironia) Solon, Anacharsis, e o sabio P. M. Fr. José Suppico, como abaixo transcrevemos.

Solon, e Anacharsis, comparavão as Leis ás teas de aranha, porque assim como estas só prendem algum mosquito, ou bichinho semelhante, e os maiores as rompem, e zombão dellas, assim tambem as Leis só opprimem, e castigão os humildes, e pobres; e os grandes as despresão, e fazem tão pouco caso dellas, que nem ainda as tocão com o dedo!

O muito Reverendo P. M. Fr. José Suppico: Repara, ou pondera no empenho que Herodes mostrou em querer tirar a vida a Christo, e não o esperar no Templo, quando o levassem a apresentar a elle. Para que se cança Herodes em matar innocentes, em perseguir justos, em dobrar sentinellas, e em povoar estradas? Espere no Templo a Deos Menino. Mas oh que andou Herodes como Principe; e tinha ouvido dizer aos Magos, que Christo nascia Rei: E nesta supposição diz entre si: Não tenho que me cançar em procurallo no Templo; he Rei? he Grande? Pois não ha de ir ao Templo, porque se o ir ao Templo he observancia da Lei, estes não guardão as Leis, quebrão as Leis.

Torno a repetir segunda vez: Quando huma sabia Constituição não nos trouxesse outro bem, mas sómente aquelle de pôr o Ministro n'huma severa restrincção de dar a Deos o que he de Deos, e a Cesar o que he de Cesar, isto he: Virtude para o premio, Vicio para o castigo, serem em suma estes os dois pontos fixos das suas deliberações sem aquella distincção que todos nós sabemos, de que tanto se vangloriavão os Nobres (que deixão de o ser huma vez que pretendem torcer a Vara da Justiça) e se lastimavão os plebêos!

Não precisa ser grande Juris-Consulto para saber (quando se não queira fechar os ouvidos á vos da razão, ou do interesse!!) que o premio he dado—Á Virtude—e o castigo ao Crime—que o plebêo depois de praticar huma virtude, he nobre, e que o nobre depois de praticar huma vileza he plebêo. Esta verdade inegavel confessa mesmo o Rustico applaude, e elogia o Sabio, e o Poeta canta:

*SONETO.*

Pobre, ou rico, Vassallo, ou Soberano,
  Iguaes são todos, todos são parentes,
  Todos nascêrão ramos descendentes
  Do tronco antigo do primeiro humano.

Saiba quem de seus titulos ufano
  Toma por qualidade os accidentes,
  Que duas gerações ha só differentes,
  Virtude, e Vicio tudo mais he engano.

Por mais que affecte a vã Genealogia
  Introduzir nas vêas a nobreza,
  De melhor sangue que Adão teria,

Não fará desmentindo a natureza
  Que seja sem virtude a Fidalguia
  Mas que hum triste fantasma da Grandeza.

Rimas de J. X. de Mattos.

Tom. II. pag. 47.

Considerações sobre as Leis em geral, e em particular, de alguns célebres, Filosofos, Sabios, e Oradores.

I. Perguntando Plistonacto a Pausanias, a causa, porque entre os Espartanos estavão as Leis, ainda as mais antigas, tanto em seu vigor, respondeo: Porque entre os Lacedemonios as Leis sempre dominão, e nunca forão dominadas.

II. Demósthenes chamava ás Leis, alma da Republica, porque assim como o corpo sem alma logo acaba, assim a Republica faltando as Leis, logo se arruina.

III. Sem Leis, sumptuarias, que dem o tom aos differentes ramos, que podem despedir do throno geral do público interesse, de mui pouco virão a servir a bondade do Sol, a fertilidade do chão, a actividade da industria, e a inergia do homem.

IV. Para nos mostrar que não muitas mas sabias Leis, e á risca observadas são o que formão a felicidade Pública, dizia o sabio Arcesiláo, que assim como aonde ha mais abundancia de Medicos, ha mais enfermidades, assim aonde ha muitas Leis ha mais vicios!

V. As enfadonhas formalidades (que até ao presente se tem observado, porém graças á nossa Nova Constituição que as dissipará) de que se achão carregadas as Leis na prática do Foro de huma grande parte das Nações, que se dizem policiadas, póde ser, que fossem boas na sua instituição primitiva: pelo menos hoje parece que servem sómente de eternisar as materias dos litigios; de dar que fazer aos Advogados; de fazer viver os Officiaes do Expediente; de obrigar a desistir hum pobre; que não tem mais, que muita justiça; e de avizar a Eternidade a hum desvalido desesperado litigante. O grande P. Antonio Vieira, diz com bem graça em hum de seus Sermões, que se o Processo Criminal, que se fez a Jezu Christo em Jerusalem, fosse formalisado pela prática actual do Foro, ainda no seu tempo não estaria consumada a Redempção.

VI. Bias sentenciando á morte hum delinquente, lhe corrêrão as lagrimas; e perguntado porque chorava, se como Juiz podia livrar o Réo, respondeo: Porque não posso faltar ás Leis da Justiça, nem ás da natureza.

VII. A Augusto Cesar, dizia Ovidio: Se todas as vezes, Senhor, que os homens peccão, cahisse sobre o delinquente hum raio, em breve tempo se veria Jupiter sem armas. Mas não inferio bem, diz o Padre Vieira, antes se todas as vezes que os homens peccão, cahisse logo o raio sobre o delinquente, não se acabarião, mas sobejarião raios: porque tanto que o castigo andasse junto com o delicto, nenhum homem se havia de arrojar a delinquir.

VIII. A clareza, e a precizão, são dois attributos indispensaveis das boas Leis. Desde o primeiro até ao ultimo dos homens he conveniente, a meu vêr, que saibão todos, o que lhes he mandado prohibido, ou tolerado. Parece que deveria ser a primeira Cartilha do Mestre Ignacio, que se mandasse lêr aos rapazes na escolla; como acontece com a Biblia nas escolas em Inglaterra.

* * * * *

Este sentimento que nós chamamos Brio, quando elle tem por objecto o amor da nossa Patria, he a primeira das virtudes Sociaes. Todo o homem que possue, e cultiva este sentimento, será sempre o bem-feitor da sua especie, assim como tambem será hum modello de Heroismo para os homens que houverem nascido no mesmo terreno, e fallarem a mesma Linguagem:—Pois: Ainda que seja hum dever o amar a todos os homens, a preferencia que nós dermos aos nossos Compatriotas, ás producções da sua Industria, aos fructos; e Cultura de seu terreno, será á medida de graduarmos a nossa propria estimação; ¿Quem deu tanta superioridade á Nação Ingleza (façamos-lhe justiça neste particular), e tantos respeitos sobre os outros povos da Europa?… O seu Brio Nacional!—Portuguezes lembremo-nos do Brio Nacional dos Heróes que honrárão (e hão-de honrar) tanto a nossa Patria, que em todos os seculos forão, e serão, o espanto, e admiração do mundo ¿Qual seria a Nação, que se não sentira ufana por ter por Compatriota hum Albuquerque, que em immensa distancia da sua Patria, ameaçado de todo o poder de hum Rei Persiano sem quasi algum soccorro, respondeo aos Embaixadores deste ao pedirem-lhe Tributos?—Eis a moeda (apontando-lhes para hum monte de ballas e granadas, e pondo a mão no seu alfange) de Tributo com que costuma a pagar ElRei de Portugal!

He precizo que sejamos quem d'antes fomos.

Quando huma nação tem grandes virtudes Públicas, nunca lhe falta aquella elevação de caracter que a faz sobressahir entre as outras Nações contemporaneas. A criação que El-Rei D. João 1.^o soube dár a seus filhos, e á Côrte, produzio tamanhos effeitos sobre o caracter Nacional, que por quasi dois seculos Portugal conservou a preponderancia do valor, e da fortuna sobre o resto da Europa. Nestes famosos tempos, a Historia Militar dos Portuguezes mostra illustres documentos de quanto se conhecião, e se praticavão as virtudes heroicas que eternizárão o nome dos Gregos, e dos Romanos, e quanto o amor da familia era generosamente sacrificado ao Amor da Patria.—Entre outros grandes exemplos Portuguezes, bastará sómente citar o de Antonio Moniz Barreto, Governador da India.—Achava-se em estreito cerco a importante Fortaleza de Malaca.—o poder dos Achens, e dos Jáos era tão forte, que a prudencia mesma desconfiava do bom successo das nossas Armas. Entre grandes precisões do estado, o Illustre Barreto querendo apromptar acceleradamente os recursos que parecião impossiveis de se haverem diz aos moradores de Goa.—"Portuguezes trata-se de salvar a Patria tanto maior he o nosso perigo, tanto maiores sejão os nossos sacrificios.—Eu tenho hum filho menino, eu o offereço gostosamente á minha Patria.—São necessarios vinte mil padráos (quinze mil cruzados) para conservar Malaca; meu filho seja o penhor de que o emprestimo de que fazeis ao Estado (ainda com melhor razão do que se fizer ao corpo Politico de huma Nação se deve esperar outro tanto) vos será fielmente satisfeito."—Duarte Moniz, menino de sete para oito annos, ficou em penhor.—Malaca foi conservada, e o generoso Barreto, que se desempenhou promptamente para com a Cidade de Goa, deixou a todas as Nações hum eterno monumento do amor da Patria.

* * * * *

O Amor da Patria sempre se interessa mais pelas acções Illustres que nos precedem; porém a nossa curiosidade mais vivamente se inflama quando vemos que o sexo das graças e beleza tem servido de engrandecer a nossa Historia:—No tempo em que o nome Portuguez se fazia temido nas mais remotas partes do mundo em que as nossas Bandeiras tinhão o respeito das Nações da terra, em que a nossa Linguagem foi aprendida pelos mais antigos Povos da Asia para receberem o nosso Mando: As nossas Emprezas encontravão obstaculos, porém não os encontrava a nossa gloria, nem a nossa Fortuna:—A Praça de Diu foi hum theatro de ambas! Apezar de todos os perigos da guerra, sempre o nosso valor foi aquí brilhante coroado. Era o tempo do segundo cerco, para que tinhão concorrido além da grande fama e poder dos Turcos, todos os exforços d'ElRei de Cambaia; porém era tambem ao mesmo tempo (por fortuna nossa, e gloria sua!) o Governador da praça D. João de Mascaranhas. Todos os recursos parecião faltar-nos, excepto o brio e o amor da gloria!—As mulheres quizerão seguir o caminho da immortalidade que as circunstancias offerecião ao Nome Portuguez!!… Sem reparo nem ao estado, nem á idade, todas correm á defeza do commum interesse (geral da Nação) sem o menor indicio de interesse particular mais do que aquelle que resulta a todos os verdadeiros Cidadãos de verem exaltada a sua Patria.—Os trabalhos mais defficeis são gostosamente supportados entre Canticos Patrioticos!—A mãi tinha a vingar hum filho!—A esposa hum marido!—A amante hum namorado. N'hum dia de conflicto geral a companhia, ou a lembrança de tantos penhores queridos, e amados, servio sómente de estimular os exforços communs, e reciprocos:—Isabel Madeira que parecia destinguir-se nas proezas d'este dia tanto, ou mais, como já era destincta pelas virtudes conjugaes:—Hum tiro de Bombarda despedaça, a seu lado, o seu amante esposo, e a deixa na posse de quatro filhos.—As Matronas, e as donzellas que a rodeião levantão hum grito de dor; porém ella fica immovel e seus olhos enxutos!!! Estas unicas palavras respondem á consternação geral das mais, e patenteião a grandeza do seu coração:—"Ninguem haja de lastimar-me! Meu marido morreo pela Patria! Possão meus filhos merecerem esta ventura!" Assim se exprimia em outro tempo o Heroismo Femenil em Lacedemonia.

Observação—Alegoria—Critica—Moral.

Quando as discussões de hum Congresso são feitas por Cidadãos, Sabios, e Prudentes, então lhes podêmos chamar Discussões inspiradas por Deos de Moysés (Omnipotente Deos Creador do Universo), e bem podêmos estar certos que a parte restante dos Cidadãos, que não entrão em tal Congresso, será feliz igualmente, isto he: Serão conciderados igualmente, ou sejão grandes, ou pequenos (Fidalgos, ou Plebêos) pois que o direito das Gentes não conhece distincção mais do que a Virtude, ou o Crime: outro sim apenas destingue quando se trata de premiar os bons; e castigar os máos, que os homens todos são homens!

"Iguaes são todos todos são parentes,
Todos nascerão ramos descendentes
Do tronco antigo do primeiro humano."

Pelo contrario quando as Discussões são feitas por Ex-Cidadãos (homens sò na figura!) ignorantes, e orgulhosos, então lhe podêmos chamar Discussões inspiradas por Jove! Deos dos Poetas! (ou das quimeras que val o mesmo!) e poderêmos ficar certos que os homens neste caso não serão tratados conforme os seus merecimentos, mas sim conforme a sua orgolhosa Representação, e exclamarmos com La Fontaine.

Jove duas mezas poz para os dois lotes
  Da gente d'este mundo:
O Destro, o Esperto, o Forte estão sentados
Á primeira;—os pequenos
Comem os seus sobejos á segunda.

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Observações Criticas, e Alegoricas.

I. No conceito de todos os Escriptores de boa nota (e até na realidade existente) Portugal em longitude de terreno, e mesmo no circulo circumferencial não he hum dos maiores Reinos!.. Porém quer pela sua riqueza, posição geografica, brio de seus habitantes, em summa por ser cheio como hum ôvo (valho-me desta expressão por não ser eu o primeiro que della uso) foi sempre olhado por todas as Nações Europeas com admiração, ou emulação, conforme lhe quizerem chamar?… Não obstante tal he a alternativa dos tempos, que ou por huma innação, ou por huma politica (que impolitica lhe chamára eu!) mal considerada, este pequeno circulo cheio como hum ôvo, que assim se podia considerar até á época de 1807 que a ex-politica Franceza o galou, e outras circunstancias (pelas causas acima que dissemos) o regalárão, a não ser huma inesperada Providencia com a mira n'hum Heroismo Constitucional, estava o sobredito ôvo a ponto de se chocar de todo!..

II. Dizem os Politicos, (e eu o creio) que por todas as razões o homem deve aprender a Grammatica da sua propria lingua… Suppomos hum inteiro e severo Magistrado: Que bella cousa não he saber conjugar o Verbo—Eu perco (diz hum só que ás vezes he mui bem que perca por que se faz merecedor de perder; pois que tem perdido outros para elle ganhar!): Nós perdemos (ás vezes injustamente): E que a pluralidade do ultimo deve ser preferida á singularidade do primeiro!

III. Quando reina o Despotismo, e o Rigor, o Genio Grande no centro de hum Palacio, vive para si acanhado, aborrecido, e para os outros Entes morto!… Quando a doce liberdade o pequeno Genio dentro de huma choupana vive altivo, magestoso, e entre balbuciantes vozes de ignorancia!! lhe escapão alguns pensamentos interessantes, e desta sorte se torna mais util á Sociedade o Ignorante livre, do que o Sabio captivo.

IV. Quando o Governo he Monarquico, succede, regularmente, que estando hum homem no Throno, he governado o Reino por huma Mulher! e se está huma Mulher, por hum homem! E desta maneira vem a ser Governados os Póvos ora pelos caprichos de hum, ora de outro individuo!

V. Quando o Governo de hum Reino he representado por Cidadãos, todos os Cidadãos desfrutão das graças que lhes competem por seus merecimentos; e quando he representado por hum Governo monarquico apenas as desfructão os Criados Particulares do Paço, e aquelles que tem particularidades com elles!

* * * * *

Que aproveita ao que he depravado nos costumes proceder de Illustre
Geração?

Politica Predicavel, e Doutrina Moral do bom Governo do Mundo.

Pag. 486. §. II. N.^o 8.

* * * * *

Aos Heróes Portuenses, que no dia memoravel 24 de Agosto de 1820 erguêrão pela primeira vez a Voz da Razão, e do Heroismo a Liberdade Constitucional.

Vivei felizes Pios, Vencedores,
Em ouro escriptos sejão vossos nomes,
Em cedro, em diamantes, em todo o mundo.
………………………………….
………………………………….
Em vossos peitos sãos, limpos ouvidos
Caião meus versos, quaes me Febo inspira,
Eu desta gloria só fico contente,
Que a minha terra amei, e a minha gente.

Ferreira.

Menos deloroso he (aos olhos do bom Observador) vêr a virtude sem premio (pois já o leva no primeiro objecto) do que o vicio sem castigo:—O Immortal Vate o expressa.—

E pondo na cobiça freio duro,
E na ambição tambem que indignamente
Tomais mil vezes; e no torpe escuro
Vicio da tyrania infame, e urgente:
Porque essas honras vãs, e esse ouro puro,
Verdadeiro valor não dão á gente:
Melhor he merece-los sem os ter,
Que possui-los sem os merecer
.[2]

Camões.

* * * * *

A Nobreza só he verdadeira onde ha Virtude, sem a qual he vaidade:—Os
Viciosos não são verdadeiramente Nobres, e infamão a sua Nobreza.—

Rosto de formosura, e graça ornado,
Riqueza, geração, forças, e honra.
E todos os mais bens da vã fortuna,
Juntamente porás n'huma balança;
N'outra a Virtude subirá ás estrellas
A balança ligeira da fortuna:
Mas a grave e pezada da Virtude
Com o seu pezo aos abysmos decerá
.

Diogo de Teive.

* * * * *

     Não he o Soberano, mas sim as Leis as que devem Reinar sobre os
     Póvos.

Massillon.

* * * * *

Se o Costume he Lei, e o vicio he Engano, A estrada vos mostro do Desengano.

* * * * *

Eu a Virtude elevo, o Crime abato,
Exalto o Luzo, o Gollo vitupéro,
D'este as acções tyranicas relato;
Daquelle o Patriotismo, o peito féro:
Poeticas ficções não junto ao facto,
Natural singeleza seguir quero,
Rodeios não procuro á sã verdade
Assim fallar costuma á humanidade
.

O Porto Invadido, e Libertado.

Cant. 1.^o 1.^a Out.

D'hum Cáhos surjamos qual d'antes eramos!

(Do Observador Constitucional.)

Aquella antiga idade, que contemplo
Dos nossos afamados Portuguezes,
Das quaes erguidas vês hum e outro templo.
……………………………………
……………………………………
Tendo a mediocridade por riqueza,
Todo o sobejo fausto aborrecião;
Quão limpa, e formosa era a sua pobreza!

Ferreirra 2.^o Livro das Cartas:—Carta 3.^a

* * * * *

Quantos ha na nossa Aldea
Leões e Lobos fingidos,
Que hoverão de andar despidos,
Senão fôra a pelle alheia
.

Francisco Rodrigues Lobo.

*FIM*.

Vende-se por 120 rs. nas lojas de João, Henriques, ao fundo da Rua Augusta; de Antonio Manoel Polycarpo da Silva, de baixo da Arcada do Senado, e Carvalho, defronte da Rua de S. Francisco ao Chiado.

*Notas:*

[1] Posto que fosse nossa tenção publicarmos esta Alegoria com o Nome por extenso que acima occultamos deste sabio Varão, fomos instados pelo mesmo (a quem solicitamos o consentimento, e a quem a remettemos em manuscripto antes de a publicarmos para que não fizessemos menção do seu nome); pois que elle antes queria ser sepultado no esquecimento do que incensado com Elogios! Assim o deviamos nós esperar; pois que he do verdadeiro sabio eximir-se aos Elogios, e do Ignorante sollicitá-los!

[2] Os titulos.