BIBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES
Proprietário e fundador--Mello d'Azevedo
(VOLUME LIII)
CHRONICA DE EL-REI D. AFFONSO II
POR
RUY DE PINA
ESCRIPTORIO
147--Rua dos Retrozeiros--147
LISBOA
1906
CHRONICA
DO MUITO ALTO, E MUITO ESCLARECIDO PRINCIPE
D. AFFONSO II.
TERCEIRO REY DE PORTUGAL,
COMPOSTA
POR RUY DE PINA,
Fidalgo da Casa Real, e Chronista Môr do Reyno.
FIELMENTE COPIADA DE SEU ORIGINAL,
Que se conserva no Archivo Real da Torre do Tombo.
OFFERECIDA
Á MAGESTADE SEMPRE AUGUSTA DELREI
D. JOAÕ V.
NOSSO SENHOR
POR MIGUEL LOPES FERREYRA
LISBOA OCCIDENTAL.
Na Officina FERREYRIANA.
M.DCC.XXVII.
Com todas as licenças
necessarias.
SENHOR
Ponho na Real presença de V. Magestade a Chronica do Senhor
Rei D. Affonso II que ainda que breve no volume, é larga na
qualidade dos successos. Nella verá V. Magestade que os seus
gloriosos
Predeccessores não cessaram em tempo algum do augmento dos
seus Estados, e
da Religião Christã pois a este fim vestiam as
armas, e tomavam a
lança com perigo das suas Reaes vidas, como o experimentou
este mesmo principe, vendo-se quasi suffocado na campanha. Aceite V.
Magestade este tributo do meu obsequio, que prostrado a seus Reaes
pés lhe deseja todas
aquellas felicidades, que só podem vir da mão de
Deos que
guarde a Real Pessoa de V. Magestade por muitos annos, como seus
vassallos lhe dezejamos.
Miguel
Lopes Ferreira.
AO EXCELLENTISSIMO SENHOR
FERNÃO TELLES DA SILVA
Marquez de
Alegrete dos Concelhos de Estado, e Guerra del-Rei Nosso Senhor, Gentil
homem de
sua Camara, Védor de sua fazenda, seu Embaixador
extraordinario na
Corte de Vienna, ao Serenissimo Emperador José,
Condutor da Serenissima Rainha Nossa Senhora a estes Reinos, Academico,
e
Censor da Academia Real da Historia
Portuguesa,
&c.
Terceira vez busco a V. Excellencia como protector, e amparo commum dos
que servem a Patria. A benignidade natural de V. Excellencia tem a
culpa desta repetição. Offereço a V.
Excellencia esta Chronica del-Rei D. Affonso II chamado vulgarmente o
Gordo, para que V. Excellencia se digne de a
pôr na Real presença de Sua Magestade.
Espero que lembrado V. Excellencia de já me haver feito duas
vezes este mesmo
beneficio, mo queira continuar agora, porque é certo que
suprirá a grandeza da Pessoa de V. Excellencia o que eu
não mereço. A
Excellentissima Pessoa de V. Excellencia guarde Deos muitos annos.
Criado de V. Excellencia
Miguel Lopes Ferreira.
PROLOGO AO LEITOR
Não te admires vendo uma Chronica tão pequena de
um Rei tão grande. Em oito capitulos a deo por acabada o seu
Chronista, ou o reformador da sua Chronica antiga. Mas aqui
é que se ha de estimar o livro
pelo pezo, e não pelo volume. Verás nesta
Chronica o que podem
as paixões: verás o zelo da Religião
obrigando a um Principe a entrar na
campanha quando a sua demasiada corpulencia que lhe deo o nome
de
Gordo, justamente o desobrigava de tão violento
exercicio; mas o augmento da
Fé o fazia esquecer des impedimentos da natureza.
Verás como no seu
tempo vieram miraculosamente para a Cidade de Coimbra as Reliquias dos
cinco Religiosos de São Francisco, que pela Fé
deram o
sangue em Marrocos, e verás como o mesmo Rei pessoalmente os
foi receber.
Lê, e não te mostres ingrato ao meu cuidado que
não cessa de procurar modos de
satisfazer á tua curiosidade, como brevemente o
verás.
Vale.
LICENÇAS DO SANTO OFFICIO
Approvação do
Reverendissimo
Padre Mestre D. Antonio Caetano de Souza, Clerigo Regular da
Divina Providencia, Qualificador do Santo Officio, e Academico do
Numero
da Academia Real da Historia Portugueza
EMINENTISSIMO SENHOR
Esta Chronica del-Rei D. Affonso II que V. Eminencia me manda ver, que
anda em nome de Ruy de Pina Chronista mór em tempo de El Rei
D. Manoel, e agora manda imprimir Miguel Lopes Ferreira, depois de
passados dous seculos, não contem cousa alguma contra a
nossa Santa
Fé, ou bons costumes. Não só esta
Chronica, mas todas as que
temos antigas desde El-Rei D. Affonso I e o Conde D. Henrique seu pai,
até
El-Rei D. Duarte, conforme
[11]
a observação que tem
feito os Eruditos
da nossa Historia, todas foram escritas por Fernão Lopes
primeiro Chronista
mór do Reino, que depois milhorou em estillo o dito Ruy de
Pina, e publicou em seu nome, com que agora se imprimiram, com a
licença de V. Eminencia,
a que não tenho duvida se lhe conceda. Lisboa Occidental na
Caza de N. Senhora da Divina Providencia, 8 de Março de 1726.
D. Antonio Caetano de Souza C. R.
Approvação do
Reverendissimo
Padre Mestre Fr. Vicente das Chagas, Religioso da Provincia de
Santo Antonio dos Capuchos, Lente Jubilado na Sagrada Theologia,
e Qualificador do Santo Officio, &c.
EMINENTISSIMO SENHOR
Li por ordem de V. Eminencia esta Chronica del-Rei D. Affonso o II.
Della consta só a discordia, que houve entre o dito Rei, e
suas irmãs, mas ainda assim (depois de obrigado) estudou
como se havia de concordar, como concordou, com ellas, sinal de ser Rei
sabio, e virtuoso; Sabio como diz Santo Ambrosio: «Lib. 2. de
Abraham c. 6. ante
medium col. 1013. B. Sapienti pacis, & concórdiae
est studium,
imprudenti amica jurgia»; e virtuoso como dá a
entender S.
João Chrysostomo «Homil. 45. ante a medi[~u] col.
373, D. Ubi concordia, ibi bonorum confluxus, ibi pax, ibi charitas,
ibi spiritualis laetitia nullum bellum, nulla rixa, nus quam
inimicitior, & contentio». Esta concordia,
paz, caridade, alegria espiritual, &c vemos por experiencia
neste nosso Reino
agora de prezente, mas como não ha de ser assim, se temos
por Rei o
Invitissimo, e Augustissimo Monarcha o Senhor D. João
[12]
o V,
que Deos
guarde por muitos annos, de quem com muita propriedade se
póde dizer o que
lá disse Cicero (senão em tudo, em parte)
«Orat. 42. pro Rege
Dejotaro in princip. num. I. tom 2. Rex concors, pacificus, fortis,
justus, severus, gravis, magnanimus largus, beneficus, liberalis,
&c.»
Não tem a Chronica cousa contra a Fé, ou bons
costumes, e assim julgo que se
póde imprimir. Santo Antonio dos Capuchos, 21 de
Março de 1726.
Fr. Vicente das Chagas.
Vistas as informações, pode-se imprimir a
Chronica del-Rei D. Affonso II e depois de impressa tornará
para se conferir, e dar
licença que corra, sem a qual não
correrá. Lisboa Occidental, 22 de
Março de 1726.
Rocha, Fr. Lancastre. Teixeira.
Silva.
Cabedo.
DO ORDINARIO
Approvação do
Reverendissimo
Padre Mestre D. José Barbosa Clerigo Regular da Divima
Providencia,
Examinador das Tres Ordens Militares, Chronista da
Serenissima Caza de Bragança, e Academico do Numero da
Academia Real da
Historia Portugueza
ILLUSTRISSIMO E
REVERENDISSIMO SENHOR
Por mandado de V. Illustrissima vi a Chronica del-Rei D. Affonso II que
escreveo Ruy de Pina, e nella não achei por onde se
não lhe deva dar a licença para se imprimir. V.
Illustrissima
ordenará o que for servido. Nesta Caza de N. Senhora da
Divina Providencia, 18 de Agosto de 1726.
D. José Barbosa C. R.
Vista a informação pode-se imprimir a Chronica de
que se trata, e depois de impressa tornará para se conferir,
e dar
licença que corra sem a qual não
correrá. Lisboa Occidental, 27 de Setembro de
1726.
D. J. A. L.
DO PAÇO
Approvação do
Reverendo
Beneficiado Diogo Barbosa Machado Presbytero do Habito de S.
Pedro, e Academico do Numero da Academia Real da Historia
Portugueza
SENHOR
Obedecendo ao Real preceito de V. Magestade, li a Chronica do
Serenissimo Rei D. Affonso II do nome, e terceiro Rei de Portugal,
composta por Ruy de Pina Chronista mór deste Reino, e Guarda
mór da Torre do Tombo, um dos mais deligentes Escritores,
que venerou a sua idade. Nella, como em pequeno mappa recopilou este
Author parte das heroicas acções, que exercitou
aquelle Principe,
[15]
cujo coração foi sempre animado pelos espiritos
marciaes, que com a Coroa herdara de seus augustissimos Predecessores,
illustrando a sua Real purpura
não com o barbaro sangue Mauritano, derramado na famosa
conquista de Alcacere, como inferior á sua grandeza, mas com
aquelle que
sagradamente prodigos
verteram em obsequio da Religião sobre as aras do Martyrio
cinco heroicos Soldados nas adustas campanhas de Marrocos, que sendo
benevolamente hospedados em Coimbra, e Alemquer pela generosa piedade
da Rainha Dona Urraca, e da Ifanta Dona Sancha, uma Esposa, e outra
Irmã deste Monarcha, quizeram satisfazer aquella piedosa
hospitalidade com a posse das suas sagradas cinzas conduzidas ao Real
Convento de Santa Cruz de Coimbra pelo ferveroso zelo do Ifante D.
Pedro. Certamente agora recebe nova gloria, e maior esplendor o nome
não
só daquelle Principe, mas ainda do seu Chronista, pois se
faz publica, e patente aos olhos do mundo uma Historia, que ha mais de
dous Seculos estava occulta nos Archivos, e nas Bibliothecas, e ainda
que era conhecida por alguns eruditos, não tinha a fortuna
de lograr o beneficio da luz
publica eternizada nos caracteres da Impressão mais
perduraveis, que
aquelles, que a vaidade dos homens abrio nos marmores, e esculpio nos
bronzes. Desta tão grande, e tão heroica
felicidade o
unico, e Soberano Author é V. Magestade, pois com a
altissima providencia, com que criou a Academia da Historia Portugueza
intruduzio nova vida no corpo historico desta Monarchia, que jazia
sepultado nas injuriosas cinzas do esquecimento. Erigio um Capitolio
litterario para nelle se coroarem os
Varões benemeritos da immortalidade. Abrio uma douta
Officina para se lavrarem as Estatuas aos Heroes Portuguezes. Correo as
cortinas ao veneravel Santuario das antiguidades
[16]
Ecclisiasticas desta
Coroa. Descobrio os thesouros da erudição
Historica
atégora fechados á perspicacia de muitos
engenhos. Declarou formidavel guerra ao Imperio da ignorancia, e fez
communicavel a todo o genero de pessoas o comercio das Letras. Toda
esta gloria estava mysteriosamente reservada para o feliz reinado de V.
Magestade, pois não lhe bastando para complemento da sua
Real grandeza o suave dominio, que tem nos
corações de seus
vassallos, o quiz tambem dilatar aos entendimentos, como parte mais
nobre, e superior de todo o homem. Animados com os generosos alentos,
com que V. Magestade inspira, e protege as Sciencias, são
innumeraveis os Escritores, que
com judiciosa critica, e vastissima erudição tem
publicado os partos de seus fecundos engenhos, não sendo
inferior a estes a zeloza
diligencia com que Miguel Lopes Ferreira se empenhou em obsequio deste
Reino a mandar
imprimir as Chronicas dos Reaes Predecessores de V. Magestade das quaes
é esta a Terceira, sendo egualmente digno da
attenção de V. Magestade o seu zelo com que
pretende eternizar as glorias desta Monarchia, como benemerito da
licença este livro pelo nome de seu author. V.
Magestade ordenará o que for servido. Lisboa Occidental 20
de
Março de 1727.
Diogo Barbosa Machado.
Que se possa imprimir, vistas as licenças do Santo Officio,
e Ordinario, e depois de impressa torne á meza para se
conferir, e taxar,
e dar licença que corra, sem a qual não
correrá. Lisboa Occidental 5 de Junho de 1727.
Marques P. Pereira.
Galvão. Oliveira.
Teixeira Bonicho
[17]
Coronica do muito alto, e esclarecido Principe D.
Affonso II, terceiro
Rei de Portugal
CAPITULO I
Como o
Ifante Dom Affonso foi alevantado por Rei e como foi
cazado, e com quem, e que
filhos legitimos houve
El-Rei Dom Sancho de
louvada memoria deste nome o primeiro, e dos Reis de Portugal o
segundo, faleceo em Coimbra na era de N. Senhor de mil e
duzentos e doze; (1212) o Principe Dom Affonso como primogenito, e
herdeiro foi logo alevantado, e obedecido por Rei, em idade de vinte e
cinco annos, havendo já quatro annos que era cazado com a
Rainha Dona Orraca filha legitima del-Rei Dom Affonso deste nome e
noveno de Castella, e neste tempo sendo Ifante, depois que sua idade o
premitio, e em Reinando El-Rei Dom Sancho seu padre, foi com elle em
muitas cousas notaveis, e grandes feitos darmas, que naquelles tempos
concorreram, em que por
[18]
seu corpo, e braço assi o fez sempre
como bom, e
esforçado Cavalleiro, que bem pareceo ser filho, e neto do
pai de que descendia, e para claramente se ver que a Real Caza de
Portugal dantigamente foi liada, e conjunta em sangue com todas as
Cazas de todos os Reis, e Principes Christãos, é
de saber, que El-Rei Dom
Affonso noveno de Castella, sogro deste Rei Dom Affonso de Portugal foi
cazado com a Rainha Dona Lianor filha del-Rei Dom Anrique Dinglaterra,
e della houve dous filhos, e cinco filhas; todos legitimos, a saber,
dous filhos o Ifante Dom Fernando primeiro, e herdeiro, que em idade de
dezaseis annos sem ser cazado faleceo em vida de seu pai antes um pouco
da batalha das Naves de Tolosa, e o Ifante Dom Anrique, que apoz elle
depois de sua morte o soccedeo, e sem leixar herdeiro, que o soccedesse
faleceo mui moço, como atraz na Coronica del-Rei D. Sancho
é
declarado, e das cinco filhas que houve uma foi a Ifanta Dona
Constança primeira
Senhora do Moesteiro das Holgas de Burgos, que El-Rei seu padre
novamente fundou, onde ella falleceo sem cazar, e as outras quatro
filhas foram Rainhas, a saber, a Rainha Dona Branca, filha maior, que
cazou com El-Rei Luis de França, filho del-Rei Felippe, o
que disseram Augusto, e
houveram herdeiro de França El-Rei São Luis, e
outros
filhos, e a segunda Rainha, foi Dona Lianor, que foi cazada com El-Rei
Dom James, deste nome o primeiro Rei de Aragão, de que houve
filho o Ifante D.
Affonso, que faleceo moço, e não Reinou, e a
terceira filha
foi a Rainha Dona Biringela mulher del-Rei Dom Affonso de
Lião de que houve
filhos El-Rei Dom Fernando Rei de Castella, e de Lião, que
dizem o Santo,
e o que ganhou dos Mouros Cordova, e Sevilha, e muita parte Dandaluzia,
e o Ifante Dom Affonso de Molina, como na Coronica
[19]
del-Rei Dom Sancho
brevemente se disse, e na Coronica de Castella mais largamente se
contem.
E a quarta filha foi a Rainha Dona Orraca molher deste Rei Dom Affonso
de Portugal de que houveram dous filhos, e uma filha a saber, o Ifante
D. Sancho o que disseram o Capello, que a poz elle logo Reinou, e o
Ifante Dom Affonso que foi Conde de Bolonha em França, que
apoz Dom Sancho por não ter legitimo herdeiro tambem Reinou
em
Portugal, e o Ifante Dom Fernando, que se disse Ifante de Serpa, e
segundo se brevemente acha, este cazou em Castella com Sancha
Fernandes, filha de Dom Fernando, de que houve uma filha chamada Dona
Lianor, que foi
depois cazada com El-Rei de Dacia, e lá faleceo sem filhos,
e houve
mais o dito Rei Dom Affonso da Rainha Dona Orraca sua molher a Ifanta
Dona Lianor, que cazou com o filho herdeiro del-Rei de Dinamarca, que
depois da morte de seu padre herdou o Reino, mas quando, e como, e por
quem estes Ifantes Dom Fernando, e Dona Lianor cazaram, não
se acha
escrito, somente parece que segundo o pouco tempo que El-Rei Dom
Affonso seu padre viveo, que elles cazaram depois de sua morte, e por
aderencias das Cazas Reaes de França, e Dinglaterra, com que
por sangue
eram mui conjuntos.
E não dou muita fé, nem authoridade ao que destas
Rainhas Dona Orraca de Portugal, e Dona Branca de França
vulgarmente se diz, e
alguns escreveram, que os Embaixadores del-Rei de França, e
del-Rei
de Portugal, que juntamente vieram a Castella a requerer cazamentos
destas Rainhas filhas del-Rei Dom Affonso, que os de França
quizeram antes a Dona Branca, posto que era mais moça, e de
menos estima, e
leixaram a Portugal Dona Orraca por ser nome feo, para
França, por que
isto tem duas grandes
[20]
contradições, a primeira
que a
Rainha Dona Branca não era a mais moça, mas a
mais velha, e nas contendas, que depois
houve antre os Reis de França, e Castella, sobre
socessão de
Castella, que vinha de filhas, e não de filhos, se prova
isto muito craro, porque
El-Rei São Luis de França pertendia ter direito
em Castella, por ser
filho da Rainha Dona Branca, filha maior del-Rei Dom Affonso noveno, e
queria excludir a El-Rei D. Affonso deste nome o decimo de Castella,
filho del-Rei Dom Fernando, neto da Rainha Dona Biringela, por ser
filha menor del-Rei D. Affonso noveno, e se a Rainha Dona Orraca fora
filha maior, este direito pertencia a El-Rei Dom Sancho Capelo, e a
El-Rei D. Affonso Conde de Bolonha, Reis de Portugal, e filhos da dita
Rainha Dona Orraca, o que não foi, e a segunda
contradição
é que este nome Dona Orraca era nome a Rainhas mui
costumado, e de muita estima, e tal de que se muitas honraram, e
leixando outras muitas, estas que me aqui occorrem apontarei, a
mãi do Emperador Despanha D. Affonso deste nome
o outavo de Castella, e molher do Conde Dom Reymão de Tolosa
havia nome
Dona Orraca, que foi a Rainha Despanha, e a Rainha de Lião,
molher
del-Rei Dom Fernando, e filha del-Rei Dom Affonso Anriques, tambem
havia nome Dona Orraca, que foi Princeza mui singular, e a molher de
Dom
Reymão Conde de Barcelona, e Rei de Aragão, que
era da Caza, e Reino de
França, que no mesmo Reino havia nome Dona Prona, e mudou o
nome, escolhendo outro por milhor, se chamou Dona Orraca, e desta veo
D. Affonso deste nome o segundo Rei Daragão, e a Rainha Dona
Doce molher del-Rei D.
Sancho de Portugal, de que em sua Coronica se disse.
[21]
CAPITULO II
Das
desavenças que houve antre El-Rei D. Affonso, e as Ifantes
suas irmãs, e da
guerra que sobre esso se moveo
No primeiro anno do
Reinado deste Rei Dom Affonso de Portugal, era o
prazo da batalha das Naves de Toloza, que El-Rei Dom Affonso seu sogro
tinha posto com Mirabolim de Marrocos, filho de outro Mirabolim, que
fora vencedor na outra batalha Delharcos, para que o Papa concedeo
geral Cruzada, que o Ifante D. Fernando primogenito herdeiro do dito
Rei D. Affonso em pessoa foi pedir, e trouxe de Roma, e logo faleceo,
como
já disse, e por ganharem os perdões, e
remissões de
peccados grandes outros Senhores, e outras muitas e nobres gentes de
toda Christandade vieram a esta batalha em pessoas á qual
não se acha, que
fosse em pessoa este Rei Dom Affonso de Portugal, mas que enviou gentes
suas, e a cauza delle
não ir em pessoa, diz, que foi porque neste proprio anno
começou
de Reinar em Portugal, e assi por boliços, e desassocegos
que dantre
elle, e suas irmãs se moveram, como ao diante se
dirá. E este
Rei Dom Affonso de Castella ao tempo desta batalha era de cincoenta e
seis annos, e no anno seguinte tendo Cortes em Burgos, se diz que
mandou a ellas chamar a este Rei de Portugal seu genro, ás
quaes elle não quiz
ir, e elle anojado desso, determinou fazer-lhe guerra, e tomar-lhe os
Reinos se podesse, e que com este fundamento indo para
Prazença adoeceo no termo
de Revaldo em uma Aldea, que se diz Martim Manhos, e ahi faleceo, e foi
dahi levado, e sepultado no Moesteiro
[22]
das Holgas de Burgos, que elle
novamente fundou, e outros dizem que vinha para se ver no extremo de
Portugal com seu genro para o aconselhar em suas couzas, e debates em
que andava, com suas irmãs, e que todavia faleceo no dito
lugar, porque tambem este Rei Dom Affonso de Portugal logo como Reinou
não
lhe faleceram grandes necessidades, e afrontas de
excommunhões
do Papa, e de guerras, e desavenças que houve com suas
irmãs a
Rainha Dona Tareja, molher que fora del-Rei Dom Affonso de
Lião, e da Ifante
Dona Sancha, de que a cauza brevemente foi esta.
El-Rei Dom Sancho, como em sua Coronica disse, leixou em seu testamento
á Rainha Dona Tareja, sua filha, que fora cazada com o dito
Rei Dom Affonso de Lião, a Villa de Monte mór o
Velho, e
Esgueira, e mais dez mil maravedis douro, e certa prata, e que se ella
morresse, que houvesse estes Lugares a Ifante Dona Branca sua
irmã della, e leixou
á Ifante Dona Sancha a Villa Dalanquer, e dez mil maravedis
douro, e tambem prata, e que se ella falecesse, que houvesse a Villa a
Ifante Biringela sua irmã, das quaes Villas, e cousas ellas
houveram a posse,
e as tinham; mas El-Rei Dom Affonso seu irmão em caso que
fosse
contra seu juramento, e menagem, não quiz estar inteiramente
pelo
testamento del-Rei seu padre, antes como Reinou logo pedio as ditas
Villas, e Fortalezas a suas irmãs, dizendo: «Que
El Rei seu
padre lhas não podia dar, que era em mui grande
diminuição do Reino, e
que era sobresso concedido privilegio do Papa Alexandre Terceiro, por o
qual as cousas do Reino senão podiam dar a alguma pessoa nem
emlhear, e que
assás lhe leixara a ellas nos maravedis douro, e prata de
seu testamento com outras cousas, que tinham de suas fazendas.
E sobre este requerimento El-Rei, e a Rainha, e as
[23]
Ifantes suas
irmãs por lhe darem reposta, pediram dias de
liberação,
dentro dos quais ellas se recolheram logo com a Ifante Dona Branca sua
irmã ao
Castello de Monte mór, e o basteceram, e fortalezaram, e
deshi se
emviaram logo aggravar ao Papa Innocencio III que ficára por
executor do
testamento del-Rei seu pai, e por esso lhe leixou o dito Rei D. Sancho
seu pai cem marcos douro, e assi o fizeram ellas mais saber ao dito Rei
de
Lião com que a dita Rainha Dona Tareja fora cazada, e era
apartada delle pela Egreja, de que houveram logo ajuda, e soccorro, a
que por seu mandado veo logo o Ifante Dom Pedro seu irmão
dellas filho del-Rei
Dom Sancho o que depois passou a Marrocos, e trouxe aos ossos dos
Martyres, e assi veio ao dito soccorro, e ajuda o Ifante Dom Fernando
filho da dita Rainha Dona Tareja, e del-Rei Dom Affonso de
Lião, e assi
veo em sua companhia Dom Pedro Fernandes de Castro o
Castellão, aquelle
que em companhia dos Mouros foi prezo em Portugal, e logo solto, e
depois passou, e morreo em Marrocos, e com alle veo muita gente, que
foi nos estremos de Portugal, donde enviaram ás ditas
Villas, e
Fortalezas de Monte mór, e Alanquer aquella que comprio para
defenção dos Castellos, e para resistencia
del-Rei Dom Affonso de Portugal, o qual por sentir muito o insulto
tamanho dos estranhos, e tão grande
desobediencia dos seus naturaes, veo logo á dita Villa de
Monte
mór, e por algumas vezes requereo a suas irmãs, e
principalmente a Dona Tareja, cuja
era, que houvesse por bem de desistir de seu alevantamento, e quizesse
que o Castello se entregasse a algum homem de que ambos se confiassem
para o ter em boa guarda, e fieldade, e que de sua fazenda delle lhe
faria dar todas dispezas, e mantimentos para esso necessarios, e que
este arrecadasse inteiramente para ella todas as
[24]
rendas, e direitos da
Villa, mas que as menagens fossem feitas a elle, o que ella nunca quiz
fazer, antes se diz que consentio, que os de dentro em desprezo, e por
injuria del-Rei seu irmão calando o nome do Reino, e del-Rei
de
Portugal a que deveram acatar, e obededer, envocaram, e chamaram o nome
de
Lião, que repetiam muitas vezes, e que outro tanto mandou
fazer a Ifante Dona Sancha no Castello Dalanquer, e por tanto El-Rei
temendo perder os ditos Castellos os mandou cercar, e combater, e com a
gente do cerco, que sobreveo se seguiram nelles, e em seus termos pela
condição da guerra muitas mortes, e danos de uma
parte, e da outra, pelo qual os Ifantes, e Senhores, que com a gente do
Reino de Lião, que disse
entráram em Portugal tomáram Valença
do Minho, e
Melgaço, Algozo, e Freixo, e outros Lugares chãos
que roubaram, e queimaram, em que fizeram muto
mal.
CAPITULO III
Como foi
pelo Papa procedido contra El-Rei D. Affonso por causa da
contenda que havia com suas
irmãs, e como finalmente foram
concordados
E sobre esso para
mais tormento del-Rei Dom Affonso de Portugal vieram
de Roma por juizes Delegados do Papa a requerimento das Ifantes o
Arcebispo de Santiago, e o Bispo de Çamora, que por El-Rei
de Portugal
ir contra o testamento del-Rei seu padre, e por não desistir
do cerco, que tinha posto aos Castellos de Monte mór, e
Alanquer,
excommungou sua pessoa, e pozeram entredicto geral em todo o Reino,
exceituaram
sómente as ditas
[25]
Ifantes, e seus sequazes, e servidores,
sobre o qual El-Rei Dom Affonso com rezões, e cousas que
achou, e lhe aconselharam
de sua justiça se enviou destes procedimentos querelar, e
aggravar
ao Papa, e pedir emenda del-Rei de Lião, e dos que tinham as
Villas, e
Castellos de seus reinos forçados, e nelles feitos muitos
danos, alegando
sobre esso a pouca justiça que suas irmãs tinham
nas Villas,
e Castellos de seu Reino, com que se levantáram, e dando
outras
rezões, porque entendia ser relevado da culpa que lhe dava
dizendo por sua escuza, que o
não obrigava o juramento, e menagens, que fizera de comprir
o testamento del-Rei Dom Sancho seu padre, porque o fizera
forçado, e por
não ser deserdado do Reino, e mais que a esse tempo seu pai
não
estava em todo seu sizo, e entender verdadeiro, pois tanto contra
justiça
fizera tamanho enlheamento das cousas do Reino, que não
podia fazer.
E o Papa por seu respeito cometeu este negocio aos Abbades Despina, e
Vicarria, que fez Juizes Commissairos, os quais vieram a Coimbra onde
sobre segurança já praticada, e antre todos
concordada, foram tambem juntos El-Rei Dom Affonso, e suas
irmãs em pessoas a que os
Juizes deram solene juramento porque prometeram estarem todos
á
obediencia, e detreminação de todo o que elles em
nome do Papa
ácerca de seus negocios detreminassem, e mandassem, e por
este juramento, e promessa que se fez El-Rei, e os seus foram da
excommunhão ausolutos, e
alevantado o antredicto do Reino. Os Commissairos pozeram antre elles
treguas, e seguridade, que todos prometeram guardar, até o
Papa
finalmente detreminar suas contendas, e debates, e algumas
condições das tregoas principaes, eram que os de
uma parte, e da outra podessem livremente andar, e tratar por as terras
[26]
chans uns dos outros, mas que nas Villas, e Castellos cercados
não entrassem sem licença
dos Senhores dellas, e que tudo podessem, uns e outros comprar, e
vender salvo armas, e cavallos, e que ellas Ifantes em algum seu Lugar
de Portugal
não podessem mandar lavrar moeda douro, prata, nem dalgum
metal, que quatro Cavalleiros principais da parte del-Rei jurassem que
se El-Rei
não guardasse as tregoas que cada um delles com cinco
Cavalleiros mais servissem as Ifantes contra El-Rei e cada uma das
Ifantes
désse outros tantos por si, que com esta
condição servissem a
El-Rei contra ellas, e mais que El-Rei désse cem homens
cazados, e honrados de
Coimbra, e que todos lhe fizessem, e pagassem foro, e outros cento
semelhantes de Santarem, que jurassem todos fazer sempre comprir esta
tregoa, e que
não a comprindo El-Rei, que servissem ás Ifantes
contra El-Rei,
e que ellas por sua parte déssem outros taes, a saber: cento
Dalanquer,
e cento de Monte mór, para que se ellas não
comprissem a
tregoa, que servissem a El-Rei contra ellas, e que neste tempo uns, e
outros, não
cercassem Villas, nem Castellos, nem se fizesse algum mal, sopena de
excomunhão, e antredicto, em que elles, e todos los
ajudadores, e favorecedores ipso facto encorressem, e com mandado
estreito aos Prelados do Reino, que a cada um assi como lhes tocasse as
sentenças dos ditos
alegados fizessem inteiramente comprir, e executar até o
Papa finalmente as
aprovar, ou emendar como fosse justiça.
Esta tregoa, se fez em Coimbra na era de nosso Senhor de mil e duzentos
e quatorze annos, (1214) dous annos depois que El-Rei
começou a Reinar, e logo ahi se fulminou e principiou
processo em que a Rainha, e a Ifante cada uma per si segundo os danos
que del-Rei seu irmão
tinham recebidos, e pelas injurias, e males,
[27]
que no cerco padeceram,
pediam contra elle restituição, e assi
segurança perpetua
de suas Villas, e Castellos, e gram soma de maravedis, que naquelle
tempo era moeda douro assi geral, e praticada como neste agora
são na Europa os cruzados, e
ducados, porque sessenta delles faziam um marco douro, como
já em outras
partes tenho dito, e ás petições das
ditas
Senhoras, veo El-Rei por seu procurador com
exceições, e contrariedades, e
compensações sobre que de uma parte, e da outra
foi dito, e assás alegado, e sobre seus alegados
foi o feito concruzo, e os Juizes remeteram a
publicação da
final sentença para Melgaço, Castello de Portugal
no extremo de Galiza, a que
mandaram que El-Rei, e as Ifantes fossem por si, ou por seus
procuradores, onde no Maio seguinte a publicaram, e foi El-Rei
condenado por a dita
sentença em grande soma de dinheiro, e doutras emendas, e
depois que passou o termo para a paga, assinado, pozeram em El-Rei
sentença
Dexcommunhão, e assi antredito em todo o Reino, de que logo
apelou, e depois de muitos debates, e delongas, que em Roma, e Espanha
sobre este caso passaram, que não fazem a realidade da
Estoria, finalmente El-Rei, e
as irmãs se concordaram por maneira, que as Villas de Monte
mór, e
Alanquer ficaram com ellas segundo a disposição
do testamento
del-Rei Dom Sancho seu pai, e as Villas e Castellos, e terras de
Portugal, que El-Rei de
Lião tinha tomadas foram entregues, e restituidas a El-Rei
Dom Affonso. No qual meio tempo que durou esta divisão, e
discordia uns e os
outros fizeram grandes, e danosas entradas, e muitos roubos nos Reinos,
uns dos outros, em que houve pelejas particulares sem alguma
façanha de
notar, cuja longa, e expressa declaração
não ponho
ora; porque para a sustancia da Estoria não é
muito necessaria.
[28]
CAPITULO IV
Do
fundamento que houve para Alcacere do Sal, que era de Mouros,
ser cercado, e tomado dos
Christãos, e do Bispo de Lisboa
principalmente
Nos primeiros cinco
annos que El-Rei Dom Affonso Reinou não
se acha, que
socedessem outras cousas, salvo as desavenças, e desacordos
em que andou
com suas irmãs, e irmãos e assi a guerra com
El-Rei de Lião, e com suas
genetes como já disse, e passados os ditos cinco annos, e
andando a era
de nosso Senhor em mil e duzentos e dezasete annos os
Christãos, que estavam na conquista dultra már
por
defenção, e recobramento da Terra Santa, tinham
muitas necessidades de concorrer ás cruas
guerras, e cercos apertados, que dos Infieis padeciam, para o que os
Summos Pontifice convocavam, e requeriam todolos fieis
Christãos de
todalas nações, e vindo por mar a este soccorro
muitas
gentes Dalemães, e Framengos, e outras de contra o Norte
fizeram todos uma frota de cento e cincoenta naos de que eram
Capitães principaes Iliquino,
Conde Dolanda, e Georgeo, Conde de Frisa, com que iam outros Senhores,
e grandes homens, e sendo em mar, em través de Portugal para
demandarem o estreito de Cibraltar deu na frota tão grande,
e tão
contraria tromenta, que algumas naos dellas se perderam, e outras
correram ao Cabo de S. Vicente até a Villa de
Farão, a qual com toda a Comarca,
e Reino do Algarve ainda eram Mouros, e porque o vento contrairo, e
assi a terra de imigos, em que estavam, não lhes
traçavam bem para sua
segurança, elles para dos danos, e perdas recebidas se
poderem milhor repairar
[29]
fizeram volta, com fundamento de se virem ao
porto de Lisboa.
Sendo outra vez em mar, deu nelles outra tromenta mais aspera, e de
maior perigo que a primeira, em que já tambem perderam
algumas naos com toda a gente que nellas vinha, e a outra frota depois
que a tromenta cessou, e sobreveo bom vento de viagem, entrou toda via,
e veo surgir ante a Cidade de Lisboa, e os Capitães della
assás tristes, e anojados, pelas grandes perdas de gentes, e
doutras cousas, que no mar tinham perdidas, e sahindo logo
Capitães com pouca gente em terra,
o Bispo, que então era de Lisboa chamado Dom Matheus,
sabendo que eram
Christãos os recebeo, e tratou com muita honra, e bom
acolhimento, segundo a bondade de uns, e as necessidades dos outros
requeria, de que o Bispo logo soube o proposito com que vinham, que era
por soccorro, e ajuda da Caza Santa. E dahi a poucos dias este Bispo de
Lisboa porque era Prelado de mui bom espirito, e grande
coração, depois de ter juntos
com seus rogos, e boa humanidade os principaes destes Estrangeiros lhe
disse.
«Honrados, e devotos Senhores, Deos sabe que a mim peza muito
de todolos nojos infortunios, que passastes, e o remedio por agora
não
é outro
salvo paciencia do passado, e esforço, e bom
coração para o que mais vier, vós
vedes bem, quanto vos é contrairo o
tempo para seguirdes vossa proposta viagem, e desto por vossos Pilotos,
e mariantes podeis ser milhor certificados, póde ser, e eu
assi o creo, que Deos o
premite assi para alguma cousa de seu louvor, e serviço, e
tambem de
nossas honras, e proveito, e esto digo porque aqui junto ha um Castello
em poder de Mouros, que dizem Alcacere, de que esta terra toda que
é de
Christãos recebe muito dano; se vos prouver
[30]
pois este feito,
não
é estranho doutros, que emprendestes, e a que his ajudarnos
nelle, assi como vejo que podeis fazer, e com vossa gente, e ajuda de
Deos principalmente, o ganharemos dos infieis, e pois a obra, e o
serviço
é de Deos, elle por sua grandeza, e piedade vos
dará delle bom
galardão, e nestas cousas sómente que tocam a
vossa honra, e
salvação, aconselhai-vos com sizo, e com a
devoção, e não com a vontade
carnal, porque assás de vergonhosa cousa será
publicardes pelas bocas bom dezejo para o servir,
e as obras, que são tão possiveis serem disso
contrairas, e
pois o lugar, e tempo se offerecem agora tão despostos
rogo-vos que elles
não vos passem com ociosidade, ca bem creo, que bem sabeis
que ella é
fundamento de todolos peccados, e sepultura dos homens vivos, e
corrução de todolos costumes, e propositos
virtuosos, e pois em vossos sobre sinaes que trazeis mostraes serdes
devotos, e servidores da Cruz, assi tambem é
rezão que sejais imigos dos imigos della, e vossas
mãos fortes deem
agora verdadeiro testemunho da bondade, e fé de vossos
corações, e esta tomada de Alcacere, para que vos
convido, e requeiro, será com a
graça de Deos assás possivel, se vós
com vossas pessoas, e
frota quizerdes ajudar a nós, que com outra gente do Reino
vos seremos em todo fieis,
e bons companheiros.»
Estas palavras, e outras muitas a estas conformes disse o Bispo aos
Estrangeiros, alguns dos quais depois de haverem antre si seu acordo, e
conselho tiveram oppinião contraira, e se partiram, e
outros, que foram os mais consentiram na
proposição, e requerimento
do Bispo, e lhes aprouve ser na ida sobre Alcacere.
[31]
CAPITULO V
Como
Alcacere foi cercado, e com que numero de gente Portuguezes e
tambem
Estrangeiros
Aquelles Estrangeiros
que foram dacordo com os Portuguezes de irem
sobre Alcacere se recolheram logo ás suas naos, e sendo
aparelhados do que lhes compria no mez de Setembro, se foram, e
seguiram a barra de Setuvel, que neste tempo era Lugar pequeno, e
não era
cercado, em que pescadores sómente viviam, e da gente de
Portugal se acha
que foram estes Capitães principaes, a saber este Dom
Mateus, Bispo de
Lisboa, e Dom Pedro Mestre da Ordem da Cavallaria do Templo, e Dom
Mestre
Gonçalo, Prior do Esprital, e Martim Barregam, Commendador
de Palmella, e estes levaram comsigo da terra, Comarca de Lisboa, e de
Evora, e de seus termos vinte mil homens, de que os mais eram de
pé, e alguns
de Cavallo, e não se acha que El-Rei Dom Affonso, que
então
Reinava em Portugal, fosse neste exercito em pessoa no qual tempo
parece que elle deveria ser doente, ou empedido por alguma outra
urgente causa, porque
não pôde ser neste feito, e haveria por bem, e
mandaria que se fizesse prestes, como se fez, ca não
é de crer, tamanho feito sem seu
mandado, e authoridade se cometesse, e o que se neste caso achou,
é que os
Estrangeiros em navios, que poderam ir, foram de Setuvel pelo rio acima
até
junto Dalcacere, onde saindo alguns para tomar uvas, os Mouros, que da
sua ida eram já bem avizados, com armas lhe foram resistir,
em que
houve algum acometimento de peleja, de que um Mouro se diz que ficou
[32]
morto, e os outros se recolheram ao Castello, e os Estrangeiros
surgindo com seus navios mais ávante poseram defronte da
Villa suas pranchas,
e sem resistencia sairam em terra, e logo elles, e os Portuguezes que
já tambem eram chegados, juntos com devida deligencia e
resguardo cercaram o Castello de maneira que alguma pessoa
não podia sair, nem
entrar sem conhecido perigo; mas os Mouros posto que com tanta
estreiteza se vissem cercados não mostravam ter por esso
desmaio, nem temor,
vendo que o Castello em que estavam era de muros, Torres, barreiras, e
a cava mui forte, e bem provido, e acalcado de muitas gentes, e armas,
e mantimentos para grandes tempos, e por milhor seneficança
aos de fora de seu esforço, e confiança, poseram
muitas
bandeiras por cima do muro de que em sinal de desprezo diziam feas
palavras, e davam suas costumadas gritas.
E os Christãos leixaram boa guarda sobre sua frota, que com
gentes, e armas ficou no porto bem segura, e sobre esso uns, e outros
fizeram logo combater o Castello, e vendo que pela larga, e alta cava
com que o muro era em torno valado não poderam bem chegar
aos muros, e
cortaram tantas arvores de fruito, e juntaram tanto outro mato que
sendo igual a cava com a terra de fóra podessem mais sem
trabalho chegar aos
muros, mas os Mouros aconselhados das necessidades e perigos em que se
viam,
lançaram de cima tanto fogo, com tantas cousas temperado,
que a lenha da cava ardeo logo toda, por cujo impedimento leixaram logo
de combater, e apoz esto ordenaram os Christãos um engenho
para com pedras
destroirem o muro, mas sua fortaleza de dentro era tal, que dos seixos
de
fóra lhe dava muito pouco, pelo qual tornáram a
lançar
tanta lenha na cava, com que foi chea, e tal guarda se poz, que
não foi dos Mouros
[33]
queimada como elles logo tentaram, por cima da qual os
Christãos chegados
ao muro deram um combate a que os Mouros com seu grande
esforço, e
muitas armas resistiram de tal maneira, que afastaram os
Christãos dos
muros, em que de uma parte, e da outra houve assás mortos e
feridos.
CAPITULO VI
Dos Reis
Mouros que vieram por soccorro da Villa de Alcacere, e da
primeira batalha que deram, em
que foram victoriosos
Os
Christãos, que tinham cercado Alcacere, e os Mouros que
nelle eram cercados tinham antre si diversos pensamentos, ca uns
consultavam engenhos para brevemente tomar, e os outros artificios para
se delles pefender, e tambem não leixavam de buscar, e
consultar
conselhos, e remedios para com soccorro serem descercados, sobre que
tinham feitos seus avizos a quatro Reis Mouros, que eram na Espanha, a
saber El-Rei de Sevilha, El-Rei de Cordova, El-Rei de Jaem, e El-Rei de
Badalhouse, os quaes para este soccorro, e descerco foram pôr
seu arraial ao
lugar que chamam Sitymos, que é uma legoa Dalcacere, de cuja
vinda
sendo os Christãos logo sabedores foram postos em temeroso
pensamento. E não era sem causa, segundo verdadeira
certidão que houveram, ca
traziam comsigo por terra quinze mil de Cavallo, e oitenta mil de
pé, e pelo
mar dez
Galés bem remadas, e aparelhadas.
Mas aquelle alto Deos, que sobre todos tem o poder, não quiz
em tanto perigo e necessidade desemparar
[34]
os Christãos, que
por sua
fé emprenderam, sostinham esta demanda, porque por uma sua
permissão piadosa arribaram a este porto, tambem na paragem
de Setuvel trinta e seis naos de uma Cidade que dizem Trageito, com
gentes
Christãs, nobres, e de bom esforço, que iam
áquella Conquista
dultramar, que disse, os quaes em suas bandeiras traziam sinaes de S.
Martinho, porque a
jurdição daquella terra donde vinham era do Bispo
daquella Cidade; da frota era Capitão mór Dom
Anrique de Nehusa, o qual
leixando suas naos com aquella segurança e resguardo de
gente que compria, elle com a outra
em bateis, e navios piquenos se foi ao arraial de Alcacere, onde dos
Christãos foram com muita alegria de grandes louvores
recebidos, e todos logo acordaram de valar o arraial em torno com valos
altos e fortes para resistencia dos Reis Mouros, que vinham, e aqui se
diz, que alguns Estrangeiros da primeira frota aconselhavam e requeriam
aos outros da sua companhia, que se partissem em paz, e não
esperassem o
perigo da batalha, escuzando sua covardice torpe, com dizerem, que
quando de suas terras partiram, seu voto e proposito não foi
pelejar se
não com aquelles infieis que tinham tomada a terra de
Jerusalem, e o Santo Sepulchro, e que alguns Portuguezes, em que
não havia
verdadeira Fé, nem bondade de coração
concordavam com elles, dando
por voto covarde, que era bem de descercar o Lugar, e leixalo sem
contenda, e posto que destes houvesse alguns com suas
mostranças de tão
vituperada fraqueza, havia porém outros muitos cuja santa, e
virtuosa contraridade
esforçou, com que determinaram não descercar o
Castello, e confiando em
Deos esperar a ventura que lhes viesse, pelo qual fizeram logo seu
alardo, e de gente de pé bem armada, e bem disposta para
peléjar, se
diz que acharam comsigo muita, mas gente de
[35]
Cavallo se affirma que
escassamente refizeram trezentos.
E os Reis Mouros para comprimento do proposito com que vieram,
acordaram que com a maior força que nelles houvesse viessem
logo ferir
no arraial dos Christãos, e que tambem as suas
Galés, que
tinham já tomada uma nao de Portugal com duzentos homens e
jazia na entrada do porto de Setuvel, juntamente pozessem fogo
á frota dos Christãos,
que jazia sobre amarra, mas os Christãos receosos deste
dano, e avizados
já para esto, pozeram tal guarda e
defenção na frota, que os Mouros o
não cometeram, e foi sempre delles segura, e uma segunda
feira como foi manhã
sairam do arraial dos Mouros cinco de Cavallo corredores, e como
chegaram, e viram o assento do arraial dos Christãos logo
volveram ao seu, e
sobre esto abalou todo junto o seu Exercito em que havia tantas gentes,
que toda a terra cobriam, trazendo comsigo tão grande
estrondo de
alaridos, e gritas, e com tantos sons de trombetas, e outros
desvairados instrumentos, que a qualquer coração
por abastado
de esforço que fora não leixára de
tocar de grande medo, e muito
espanto, pelo qual os Christãos havendo-o assi por milhor,
sairam a elles de suas
estancias, postos em suas batalhas ordenadas, e com muita ardideza uns
aos outros logo se cometeram, e feriram, em que da uma parte, e da
outra houve cruel, e bem ferida peleja com mortes, e feridas de muitos,
e daquella vez se diz que os Mouros levaram a vantagem da batalha, com
a qual se recolheram em seu arraial.
[36]
CAPITULO VII
Da segunda
batalha que houve sobre Alcacere, e como os Reis Mouros
foram vencidos, e feito grande
estrago em suas gentes
Os
Christãos vendo para o fim que vieram um
começo tão contrairo, e que a força
Dalcacere se fazia cada vez mais forte, e a elles
tirava toda esperança de por força o cobrar,
não
leixávam de murmurar, e apontar que seria bom irem-se, e por
aquella vez leixar o cerco, e o Bispo de Lisboa, que na gente dos
Christãos era pessoa de
mór credito, e mais principal, sentindo na noite seguinte a
temerosa e fraca
murmuração, que em todo o seu arraial havia, elle
em prezença dos mais que
por então se poderam ajuntar lhes disse. «Honrados
Senhores e amigos, esta desaventura, e grande mal de que todos estaes
espantados,
não veo sobre vós das forças, nem das
armas dos nossos imigos,
mas cauzou se da grande presunção, e muita
confiança que de
vós mesmos e de vossas forças, e
multidão de gentes logo tomastes, esquecidos em todo, da
só, e principal ajuda de Nosso Senhor, e Salvador Jesu
Christo, que se nos agora aqui faleceo foi para o milhor conhecermos,
mas pois já aqui
viemos, e somos mui fortes para armas, e temos gentes, e estamos
bastecidos de mantimentos, não queiraes desconfiar, porque
esta aversidade
a potencia de Deos a permite para crara esperiencia de maior nossa
fé
e mais merecimento de nossas almas, mas brademos, e clamemos de
coração ao Senhor Deos, e com efficacia, e
devação, que
nossas necessidades requerem lhe pessamos que esta sua ira, se contra
nós, por
[37]
nossos peccados a tem, a queira converter em nossos imigos, e cada um
com os giolhos em terra diga por si como eu digo por mim: Senhor Deos
Padre das misericordias, e grande ajudador nas
tribulações
ex as muitas nações de tantos infieis vieram para
nos destroir, pois como duraremos ante a face delles se nos tu Deos
não ejudas, e pois assi é
Senhor agora não ponham ante ti a lembrança de
nossos malles e peccados, nem tomes
de nós aqui vingança por elles ante estes imigos
de tua Santa
Fé, tu por tua bondade, e potencia os dá nas
mãos, e poder de
teus servos, por tal, que os que em ti crem louvem mais o teu Santo
nome».
No cabo da qual Oração, que todos devotamente, e
com muitas lagrimas o seguiram, se diz que por
consolação dos
Christãos logo appareceo pubricamente no Ceo um maravilhoso
sinal por bemaventurado prognostico, a saber, um homem resplandecente,
como Sol, e alvo como uma neve, e no peito trazia o sinal da Cruz
vermelha mais luzente que as Estrellas, com que os
Christãos, que craramente o viram foram mui alegres e
esforçados, crendo que Deos era em sua ajuda, e com este
prazer e alegria, que geralmente todos conceberam, já com
seu temor dormiram
assocegados aquella noite, e ao outro dia como foi manhã o
Bispo, como
era homem em que havia prudencia, e bom esforço, para se
não
esfriar o alvoroço que sentio nos Christãos com a
longura dalgum tempo, falou logo
ás gentes do Exercito que o podiam ouvir dizendo:
«Senhores amigos bem
vistes todos o grande e maravilhoso sinal que para não
temermos, e sermos
esforçados Deos Nosso Senhor tão pubricamente nos
quiz mostrar, e por
esso já seria muita nossa fraqueza, e grande mingoa de nossa
Fé tardarmos
mais para a segunda batalha, mas com o esforço de Deos, que
temos
[38]
presente, e com ajuda, e preces dos Santos Martyres Proto, e Jacinto,
cujo dia hoje
é, vamos logo ferir nos imigos, ca pelo melhoramento da
vitoria, que contra nós houveram, agora os acharemos mais
repouzados, e menos
percebidos».
Pelo qual os Christãos postos em suas batalhas bem
concertadas, com grande ousadia, e sem sinal dalgum medo sairam, e
foram dar no arraial dos Mouros, e assi duramente os cometeram, e
tão cruamente
os feriram, e foram tão cortados, e trovados de medo, que
parecia
não terem armas para pelejar, nem forças para
resistir, e desacordados se diz,
que elles mesmos uns aos outros se feriam, e matavam, e se
espedaçavam
com os pès dos Cavallos, e que outros com medo da morte
duvidosa a tomavam certa no rio, que era junto em que se
lançavam, e afogavam, e
vendo-se os Reis Mouros, e suas gentes assi salteados, e vencidos
não tendo
já alguma esperança em sua resistencia, nem
peleja, procuraram buscar
sua salvação
na fogida, em cujo alcance os Christãos matando, e ferindo
seguiram, em que se affirma que dos quatro Reis que alli vieram, dous
delles sem se dizer quem eram, foram mortos, e com elles trinta mil
Mouros mais, e com esto recolhendo o muito, e mui rico despojo, que
acharam no arraial dos Mouros, os Christãos se
tornáram mui alegres a
seu cerco, que tinham posto sobre a Villa, dando todos muitas
graças e louvores ao
Padre nosso Senhor, que de sua mão deu esta vitoria, que foi
a onze dias
de Setembro do sobredito anno de mil duzentos e dezasete annos, (1217)
dia dos ditos Martyres Proto, e Jacinto, á
certidão da qual
vitoria, como foi dada aos infieis, que para este descerco eram em sua
frota postos no mar elles desacordados, e tristes se partiram, onde se
diz que se perderam alguma parte de seus navios, e de suas gentes
assás nelles.
[39]
CAPITULO VIII
Como os
Christãos combateram e tomaram o Castello
Dalcacere
Os
Christãos por esta vitoria ficaram alegres, e mui
esforçados, depois de consultarem sobre a milhor maneira que
teriam para tomar a Villa, fizeram duas escadas grandes, e com gente
darmas que comprio foram logo juntas ao muro para o entrarem, e
comessarem de combater o Castello; mas os Mouros com a necessidade que
tinham de salvar suas vidas,
dobráram suas forças, pelo qual assi com fogo,
com pedras, e traves,
e setas, que de cima do muro lançavam, afastaram os
Christãos
longe do muro, em que da uma parte, e da outra foram muitos mortos, e
feridos, e porque os Christãos viram que aquella qualidade
de combate por a
grande fortaleza, e desposição dos muros lhe
não socedia
como dezejavam, fizeram logo cavas, e minas por baixo da terra para as
poerem debaixo dos muros, e postos em contos os derribarem por fogo;
mas os Mouros que desto por avizos, ou por conjeituras foram bem
sabedores contraminaram as cavas dos Christãos, e uns, e
outros com peleja mui crua se
encontraram, em que houve muito sangue derramado, e com grandes fogos,
e cousas fumosas que os Mouros fizeram, lançaram os
Christãos fora
das cavas, e pozeram sobre si segura guarda, pelo qual vendo os
Christãos que
alguma cousa das cometidas de todo lhes não aproveitava,
elles, por
conselho, e ordenança do Capitão da frota, que
era homem
engenhoso, e de bom esforço, fizeram logo duas bastidas de
madeira muito fortes,
e tão altas que cada uma dellas sobejava por cima das mais
altas Torres
[40]do Castello, donde
os combates que nellas poseram iam
seguros, e não
temiam os danos dos Mouros, e com esto, e com outros engenhos que mais
ordenaram, e com muitos bésteiros, e frecheiros commetteram
o Castello
rijamente por muitos lanços do muro, por cima do qual os
Mouros com a
força das setas, e pedras que lhe lançavam,
não ouzavam parecer
nem resistir como dantes faziam, e vendo-se fracos de suas
forças, e desesperados
já em tudo, de todo o soccorro, e finalmente porque se
não podiam suster,
fizeram sinal que se queriam render, e sobre seguro, que lhes foi dado,
vieram
á pratica, e apontamento, em que pediram as vidas, e
fazendas, mas as vidas sómente lhe foram outorgadas com
segurança
das quaes elles abriram as portas do Castello, e assi seguros se
sahiram, e foram para onde quizeram, e o Alcaide do Castello, que antre
elles era a pessoa mais principal, não se quiz ir com os
outros, mas acha-se que da
tomada da Villa, a tres dias por sua vontade foi bautizado, e tornado
Christão, e os outros Mouros que os Christãos
acharam pelas Aldeas, e
Lugares de redor todos, se diz que sem resistencia morreram a ferro, e
os grandes despojos que da batalha passada se recolheram, e na Villa se
acharam foram logo igualmente repartidos sem aventagem dalgum, salvo
que ao Capitão de fóra, porque por seu conselho e
ordenança o cerco fora sempre regido lhe deram mais
déz por prezioneiros, que elle
tomára.
E porque ao Bispo de Lisboa não foi sobre elles dada alguma
avantagem, que bem merecia, o Capitão da frota a que tal
escasseza
não pareceo bem, por seu conforto lhe disse:
«Reverendo Bispo, posto que
vós aqui pelo bem recebeis mal, e pela bondade malicia
rogo-vos que a estes homens, que tão mal o conhecem, e fazem
sejais paciente, porque o
principal galardão
[41]que
por este trabalho mereceis Deos nosso
Senhor
que é bom, e justo, e porque bem o recebestes volo
dará bom no Ceo, e
será melhor que este de cousas da terra». E com
esto os Estrangeiros se
recolheram a suas frotas, e se partiram para onde quizeram, e o Bispo
com os senhores Portuguezes, que ao cerco vieram depois de leixarem a
Villa afortalezada, e bastecida, como viram que compria, tambem se
tornaram para suas terras, e cazas, e esta tomada de Alcacere em tempo
deste Rei Dom Affonso II foi em dia de S. Lucas, a dezoito do mez de
Outubro da era de nosso Senhor de mil duzentos e dezasete annos, (1217)
e dahi a um anno este Rei Dom Affonso com a Rainha Dona Orraca sua
molher lhe deo foral que agora tem, como por elle parece.
CAPITULO IX
Como cinco
frades Italianos da Ordem de S. Francisco foram a Marrocos a
prégar a
Fé de Christo, e primeiramente chegaram a Sevilha, que era
de Mouros
Desta tomada
Dalcacere até o falecimento Del-Rei Dom Affonso
se passáram seis annos, nos quaes se não acha
feito que elle fizesse,
nem se passasse cousa dina de memoria, salvo que depois em sua vida, e
da dita Rainha Dona Orraca sua molher, o Ifante Dom Pedro seu
Irmão
filho tambem legitimo del-Rei Dom Sancho trouxe a Coimbra os ossos dos
cinco Frades Menores, que em Marrocos morreram Martyres, cujo caso
segundo a Lenda Santa, que delles se lê, e segundo o que mais
delles
[42]
verdadeiramente se acha foi brevemente nesta maneira. Na Coronica
del-Rei Dom Sancho pai deste Rei, falando dos filhos que teve
sumariamente disse: que o Ifante Dom Pedro, seu filho, o qual bem
acompanhado de nobre gente Despanha passara em Africa, e estivera em
muita estima, e grande authoridade com Mirabolim de Marrocos,
até o tempo do Martyrio destes Santos
Frades, dos quaes se acha por a dita sua Lenda, e por
inquirição verdadeira, que o sobredito Dom
Matheus, Bispo de Lisboa, delles, e do seu Martyrio, e milagres tirou
por testemunhos de muitos, dinos de fé, que
com o dito Ifante andaram, e principalmente por um Cavaleiro de
Santarem que chamavam Estevão Pires, homem velho, e honrado,
e de louvada
vida, e costumes que ao dito Ifante sempre servio, que na era de nosso
Senhor de mil duzentos e dezanove, (1219) e aos treze annos da primeira
conversão de S. Francisco, elle por vontade de Deos,
escolheo em sua vida seis Frades de sua Ordem por natureza Italianos, e
de maravilhosa santidade, a saber: Frei Vital, e Berardo, Otone,
Acurcio, Pedro, e Adjuto, e por saberem bem a lingoa Arabiga os mandou
ao Rei, e Reino de Marrocos, que naquelle tempo sobre os Mouros
Dafrica, e Despanha tinha o
mór Principado, para lhe prégarem, e trabalharem
pelo converter
á Fé de Christo.
E destes seis Frades fez maioral, e Prelado a Frei Vital, o qual como
elle com os outros chegassem ao Reino Daragão adoeceo; e
porque vio que sua doença se prolongava por tal que seu mal
corporal, o
bem, e negocio espiritual, e de Deos não impedisse, mandou
que por
comprirem o mandado
de Deos, e de S. Francisco se fossem a Marrocos, os quaes por sua
obediencia o leixaram doente, e se partiram, e chegeram á
Cidade de Coimbra onde a esse tempo era
[43]a
Rainha Dona Orraca molher
deste Rei Dom Affonso, a qual os fez ir ante si, e como falasse com
elles em cousas de
Deos, e nelles visse tão grande desprezo do mundo, e tamanho
fervor de morrer por amor de Jesu Christo, e sem duvida os julgou, e
houve por mui verdadeiros, e prefeitos servos de Deos, e por esso com
grande instancia lhe rogou, que por suas rogações
pedissem a Deos
que revelasse a ella o derradeiro termo de sua vida, e posto que elles
com sua humildade confessassem não ser dinos entender nos
segredos de Deos:
porém vencidos das devotissimas preces da Rainha, ditas com
muitas lagrimas, prometeram-lhe que assi o pediriam, os quaes orando a
Deos com firme, e pura fé, não sómente
o que da vida da
Rainha, mas ainda o seu Martyrio, por revelação
de Deos lhe foi tambem senificado,
porque logo disseram que os derradeiros dias da vida da Rainha seriam
mui sedo quando seus corpos depois de seu Martyrio, fossem de Marrocos
ali trazidos, e della mesma Rainha, e de todo o povo com grandes honras
recebidos, e assi foi como se dirá.
Partidos os Frades de Coimbra para seguirem sua santa jornada, vieram
por aviamento da Rainha Dona Orraca á Villa Dalanquer, onde
estava a Ifante Dona Sancha, irmã del-Rei Dom Affonso, que
era
Senhora da dita Villa, a que tambem revellaram todo o seu proposito;
como ella foi Princeza mui santa, aprovando seu negocio ella sobre os
habitos da sua Religião que elles traziam lhes deu outras
vestiduras
seculares, taes, com que mais livres, e facilmente podessem passar a
terra de Mouros, e assi com seus habitos desimullados foram
á Cidade de
Sevilha, que então era de Mouros, onde na pouzada de um
Christão, leixados os
habitos leigos, por oito dias estiveram escondidos, e acertou-se que em
um dia fervendo seu espirito
[44]
para Martyrio, elles sem guia, nem
conselho doutros se foram á principal Mesquita dos Mouros, e
como em
ella quizessem entrar os infieis, que os viram, e conheceram, endinados
contra elles com empuxões, brados, e açoutes, que
lhe deram, e por instituto, e costume os não consentiram
entrar, e dahi
indo-se ás portas del Rei, e sendo ante as ditas portas dos
Paços foram
levados ante El Rei, e perguntados quem eram? Responderam: que vinham a
elle Rei por Embaixadores, e enviados do Rei dos Reis, e Senhor dos
Senhores, que era Jesu Christo, e como ante El-Rei muitas, e mui dinas
cousas da
Fé Catholica proposessem aconselhando-o para sua
conversão, e
para receber agoa do santo Bautismo, e com esso muitas couzas feas, e
torpes de Mafamede, e de sua seita descobrissem, El-Rei endinado de
grande ira contra elles lhes mandava cortar as cabeças, mas
amançado por palavras de um seu filho, que era prezente, os
mandou meter em uma Torre mui alta junto dos Paços, de cuja
altura aos que entravam, e sahiam
da caza del-Rei, elles não leixavam de prégar em
altas
vozes a Fé de Christo, e brasfemar, e mal dizer da Seita de
Mafamede, cujos seguidores, e
favorecidos diziam que no inferno seriam com tormentos para sempre
danados, e anojado El-Rei de suas palavras, e para lhe arredar o azo de
as não poderem dizer, os mandou meter no mais profundo da
Torre, donde por concelho dos seus vassallos os mandou tirar, e levar a
Marrocos em companhia de Dom Pedro Fernandes de Castro o
Castellão, de
que atraz disse, e ao diante direi, que por odios, e
perseguições dos Condes de Lara, não
se pode soster em Castella, e duas vezes se passou
aos Mouros, e desta derradeira para Mirabolim de Marrocos.
[45]
CAPITULO X
Como os
Frades chegaram a casa do Ifante Dom Pedro, e do que logo fizeram, e
como foram tornados
a Ceyta para virem a terra dos Christãos, e dahi
se volveram outra vez a Marrocos
Neste tempo estava em
Marrocos o Ifante Dom Pedro, filho del-Rei Dom
Sancho, e irmão deste Rei Dom Affonso, a cuja caza os ditos
Frades, e o dito Dom Pedro Fernandes logo chegaram, e o Ifante os
recebeo com humanidade, devação, e bom trato, e
os proveo de
todo o que haviam mister, porque era Principe em virtudes mui acabado,
e os Frades como dahi em diante viam quasquer Mouros logo com muito
fervor lhes
prégavam, especialmente um dia Frei Berardo, que delles era
o mais principal, e milhor sabia Arabia, sobindo em um carro, ou lugar
alto como pulpito, e prégando a Fé de Christo a
muitos Mouros que o
ouviam acertou-se que o Mirabolim ia visitar, como tinha de costume, a
sepultura dos Mouros Reis, que eram fóra da Cidade, e vendo
o Frade
prégar, e por elle ser prezente não querer
desistir da
prégação á sua seita
contraria, estimando o por homem sandeo, e por tirar escandalos mandou,
que elle com todos os Frades fossem logo lançados fora da
Cidade, e
sem tardança levados a terras dos Christãos, pelo
qual o Ifante Dom Pedro
havendo-o assi por bem lhes deu alguns seus servidores, que seguramente
os levassem, como levaram até a Cidade de Ceyta, para dahi
logo
passarem a terra dos fieis.
Mas os Santos Padres não contentes da viagem
leixáram as guias, que os levavam, e tornaram-se outra
[46]
vez a
Marrocos, e como chegasseem
á praça da Cidade logo aos muitos Mouros, que
nella acharam
começaram de prégar, louvando os merecimentos da
Fé de Christo, e brasfemando dos
vicios, e erros de Mafamede, e sua seita, da qual cousa como El-Rei
fosse certificado os mandou logo meter em um estreito carcere, onde sem
alguma ordenada provizão, nem mantimento dos homens, que
houvessem,
mas com a só refeiçao de Deos, que houveram.
Vinte dias
foram encarcerados asperamente, e neste tempo, porque em toda aquella
terra sobrevieram mui grandes, e desordenadas quenturas do Sol, e
grandes destemperamentos do Ar, alguns creram que estes males poderiam
vir pela injusta
prizão dos Frades, pelo qual por concelho de um Mouro
chamado Abotorim, que aos Christãos tinha amor, e queria
bem, El-Rei consentio que
fossem livres do carcere, e trazidos ante elle, mandou aos
Christãos que
logo sem mais detença os mandassem a sua terra.
E porém El-Rei com os outros Mouros não ficaram
sem grande espanto, quando viram os Frades tão
esforçados dos corpos,
e tão constantes das vontades, havendo vinte dias continos,
que sem algum mantimento ordenado jouveram no carcere, e perguntados
por El Rei: quem os mantivera tanto tempo? Lhe disse Frei Berardo, que
como El-Rei bem crece na
Fé de Jesu Christo logo saberia como elles sem beber, e sem
comer foram no carcere manteudos. E com tudo elles como se viram
soltos, logo sem algum medo outra vez quizeram tornar a pregar aos
Mouros, mas os outros
Christãos, que com elles estavam, receosos da ira del-Rei
que com mortes, e cruezas, se estenderia nas vidas de todos, como
mostrava, lho
não consentiram.
Então lhe ordenaram logo outros homens fieis que os
acompanhassem, e levassem outra vez a Ceyta, para
[47]
dahi passarem a terra
dos
Christãos, mas os ditos Frades sospirando por seu Martyrio,
despedindo-se daquelles que os levavam se tornaram outra vez a
Marrocos, onde o Ifante os mandou logo recolher, e encerrar em sua caza
com guardas, e defeza estreita, que os não leixassem sahir,
porque receava segundo El-Rei de
suas pregações se escandalizava, que
não
sómente mandaria matar os Frades, mas a elle, e a todos os
christãos que houvesse na Cidade.
CAPITULO XI
De um
milagre que se fez por causa de Frei Berardo, e como foram presos e
atormentados os
outros Frades
E acertou-se que o
Mirabolim a este tempo mandou o Ifante Dom Pedro com
outros muitos nobres homens de Christãos, e Mouros, que
delle tinham
soldo fazendo guerra, e sogigar a uns senhores Mouros seus vassallos,
que se lhes rebelaram, apoz os quaes Frei Berardo, e os outros Frades,
que tiveram maneira de se soltar, logo seguiram, e foram devolta onde
se diz, que disputando Frei Berardo com um Mouro ante elles o mais
letrado, e venceo, e confundio, e que este Mouro, com vergonha nunca
mais tornou a Marrocos, nem depois não pareceo, e tornando o
Ifante com
os outros Mouros da conquista, que lhes fora encomendada, vieram por
uma terra
tão seca que por tres dias para si, nem pera seus cavallos
não
poderam achar em nenhuma parte agoa para beber, e como a estreiteza da
sede desesperasse todos das vidas, Frei Berardo era na companhia, feita
[48]primeiro sua
dovota oração, tomou na
mão um piqueno pao com que cavou um pouco na terra mui seca
donde milagrosamente logo arrebentou, e sahio uma grande
fonte de agoa doce, e mui singular de que não
sómente os homens, e alimarias bebiam, e se abastaram, mas
ainda encheram muitos odres, que levaram para o caminho.
E como esta necessidade dagoa foi satisfeita, logo a fonte se sarrou, e
secou, e por tão grande, e tão manifesto milagre,
que de todos foi visto, e Deos por Frei Berardo fizera, todos os do
exercito dahi em diante o tiveram em grande
devação, e reverencia,
e muitos por Santo lhe beijaram os pés, e as vestiduras, e
como estes Santos Frades
tornassem a Marrocos, e em caza do Ifante fosse por elles posta grande
guarda, para não sahirem, e elles toda via sairam, e em uma
Sexta feira,
que o Mirabolim ia visitar os sepulchros dos Reis Mouros, os Frades sem
algum temor, e com grande ousadia se apresentaram ante elle, e sobindo
Frei Berardo em um tezo começou de lhe prégar mui
sem
receio, e como El-Rei os visse, cheo de ira contra elles, mandou a um
seu Capitão
Mouro que vira o milagre dagoa, que logo lhes cortasse as
cabeças,
pelo qual os Christãos, que eram prezentes, com temor de
suas proprias
mortes, logo fugiram dahi, e fechadas, e trancadas bem as portas de
suas pouzadas, nellas sem sair jaziam escondidos, mas o Principe Mouro
mandou aos homens da justiça que trouxessem os Frades ante
elle, e como
por duas vezes o não achassem os tornaram a levar a mais
aspero
carcere com golpes, e bofetadas com que os feriam, e com esso os ditos
Frades assi aos Christãos, que se lhe offereciam
não leixavam
de prégar a palavra de Deos.
E sendo outra vez trazidos ante o dito Principe, e
[49]com
tanta constancia
os visse prégar, e confessar a fé Catholica, e
reprovar, e reprehender com muita ouzadia as couzas de Mafamede, e sua
seita, acezo da ira contra elles os mandou logo atormentar com muitas,
e mui desvairadas maneiras de tromentos, e depois apartar uns dos
outros, e em desvairadas cazas onde cruamente os mandou
açoutar, e aquelles maos, e
crueis ministros atados os pés, e as mãos dos
Santos, e
com cordas asperas lançadas aos colos delles, e
arrastando-os de uma parte a
outra pela terra, assi continuadamente, e tão sem piedade os
açoutavam, que as tripas lhe apareciam, e sobre as chagas
recebidas por acrescentarem mais dor lhe lançavam vinagre, e
azeite fervendo, e assi foram
por toda a noite atormentados, e açoutados de trinta Mouros,
que nelles
se arrevezavam, na qual noite daquelles que os guardavam foi visto, que
um grande resplandor decendia dos Ceos, e com uma companha sem conto os
arrebatavam, e levantavam para cima, e maravilhados desso os Mouros, e
de todo espantados, chegando ao corcere acharam os Santos Frades
devotamente orando.
[50]
CAPITULO XII
Como El-Rei
de Marrocos fallou com estes Frades, e por os não poder
converter a sua seita
por si mesmo os matou, e como foram mortos tambem Pedro Fernandes,
e Martim Affonso Telo, sobrinho do Ifante
As quaes couzas
ouvindo El-Rei de Marrocos, acezo com maior sanha
contra elles, mandou que logo lhe fossem levados com as mãos
atadas, e descalços dos pés, e depois dos corpos
continuadamente açoutados, e espancados, os quaes como El
Rei na Fé de Christo os visse
tão firmes, mandou dentro meter comsigo certas molheres
fermozas, e
lançados todos fóra disse:
«Convertei-vos a nossa fé,
e dar-vos-hei estas por vossas molheres, e com ellas muito dinheiro, e
sereis em meu Reino muito honrados.» A que os Frades logo
responderam: «Tuas
molheres, e teu dinheiro não queremos; porque tudo esto
desprezamos por amor
de Christo». É então El-Rei arrebatado
de
maior ira, e sanha, apartados os Santos um do outro, por suas proprias
e mui cruas mãos a
cada um per si talhou as cabeças por meio das fontes, e
apertando na
mão tres cutellos, juntamente com uma crueza de besta
féra os degolou, os quaes
compriram este seu Martyrio a dezaseis dias de Janeiro do anno de
Christo de mil duzentos e vinte, (1220) em tempo do Papa Honorio III,
em o quarto anno de seu Pontificado, e quasi sete annos antes da morte
de S. Francisco.
E depois disto lançados fóra os corpos dos
Martyres por as molheres, que comsigo tinham: estes perros barbaros e
maos, atando cordas a seus
pés, e mãos,
[51]os
arrastaram para fóra
da Cidade, em
torno da qual com grandes brados, e pregões os trouxeram, e
espedaçados de
todos os membros, os leixaram no campo, pelo qual os
Christãos, que os assi viram, alevantadas as mãos
aos Ceos, louvando a Deos por seu
tão glorioso Martyrio, comessaram de apanhar, e recolher as
Riliquias dos ditos Santos escondidamente, a qual couza como os Mouros
vissem, todos como cães raivosos, tanta multidão
de pedras
lançaram nos Christãos, que parecia tempestade de
sua raiva, mas os Christãos defezos
já pelos merecimentos dos Santos, fugindo da ira dos Mouros
a suas cazas se recolheram, donde com temor da morte, que antre si
traziam, escondidos por tres dias não pareciam,
principalmente, porque neste
tempo o Ifante mandou a Dom Pedro Fernandes de Castro, o
Castellão, que
lá era lançado, e a Martim Affonso Tello, seu
sobrinho, nobres homens, que com outros muitos andavam em sua
companhia, que de noite secretamente fossem ver onde jaziam os corpos
dos Martyres para se recolherem, porque foram vistos, e achados dos
Mouros, logo os mataram.
CAPITULO XIII
Como os
corpos dos Martyres foram queimados, e despedaçados, e emfim
recolhidos por
devação, e industria do Ifante Dom
Pedro
Depois desto em um
grande fogo, que foi feito no campo, os corpos dos
Santos se lançaram por tal, que de todo fossem queimados,
mas o fogo por virtude Divina das santas Reliquias assim se apartava, e
apagava, como que a materia
[52]muito
lhe fosse contraira com junto, antes
a
cabeça de um dos Martyres lançada muitas vezes no
fogo, nem nos seus
cabelos não pareceo algum sinal de queimadura, a qual assi
com a pelle, e cabellos foi mostrada sem alguma
corrupção no Moesteiro de
Santa Cruz de Coimbra, mas dos Mouros alguns por amizade, e outros por
dinheiro, e proveito, e assi os Christãos, que na Cidade
eram cativos, apanhando as
Reliquias dos Santos as offereciam ao Ifante, que recebendo-as com
grande
devação as mandou secretamente cozer, e depois
que as carnes se gastaram, e os ossos ficaram limpos, os mandou secar,
e encomendou a guarda principal delles a João Roberto,
Conego de Santa Cruz, homem em
virtudes acabado, e a tres innocentes, moços honestos, seus
moços
da Camara, dos quaes um foi o Estevão Pires de que atraz
disse, que deu este
estromento, ca não era algum ouzado entrar onde as sagradas
Reliquias estavam em guarda, porque a só sua consciencia de
qualquer crime ocultamente
commetido logo o reprendia, e acuzava.
E neste tempo um Cavalleiro chamado Pedro da Roza, tendo uma manceba
por nome Maria da Roza, como sobisse a um sobrado onde as Reliquias se
guardavam logo elle sem se poder mover, e tolheito, bradou fortemente
dizendo: «Acorrei-me, acorrei-me, dai-me
confissão. A qual como o Conego lha deu, em que de todo
renunciou a manceba, logo foi livre dos membros, e pode decer, mas
não pode falar até que o mesmo
Conego por mandado do
Ifante lhe poz sobre o peito a cabeça de um Martyre, com que
de todo recobrou as forças, e fala, assi como dantes as
tinha, e
dahi em diante, assi o Ifante como todos os seus tiveram as Reliquias
em maior honra, e devação, das quaes mandou meter
as
cabeças em uma arca, e os ossos em outra, e as tinham em
grande veneração
[53]na
sua
Capela, e ás santas Almas dos Bemaventurados Martyres, cujas
Reliquias tinha continua, e devotamente pedia, que de Deos lhe
ganhassem graça para sem
perigo de sua pessoa, e dos seus, se poder vir para sua terra de
Christãos, porque já havia muitos dias que na dos
Mouros contra sua vontade se
detinha, e estava forçado.
CAPITULO XIV
Como o
Ifante D. Pedro foi tornado a Espanha, e trouxe consigo os ossos, e
Reliquias dos
Martyres, e as mandou a Santa Cruz de Coimbra, e dos milagres que
houve no caminho
Esta graça
pelas preces dos Martyres, foi da piedade de Deos
brevemente empetrada, porque estando o Ifante desta sua liberdade
assás desconfiado, o Mirabolim de sua propria vontade, e sem
requerimento dalguem o mandou chamar, e alegremente lhe deu
licença, que
para sua terra se viesse quando quizesse, descobrindo-lhe logo as
muitas vezes que para sua morte fora de seus principaes aconselhado, e
induzido; mas por seus merecimentos, e bons serviços, que
fielmente sempre
lhe fizera, merecia outro galardão. E com esta
licença lhe
deu mais suas cartas de passos, para elle, e os seus seguramente
poderem passar, com as quaes partiram de Marrocos, e depois de um dia,
e uma noite, vieram no caminho dormir a Azora, que era lugar despovoado
onde de ferozes brados dos muitos Liões, que ahi ha foram
postos em temor de que logo
foram livres, como ante si, e os Liões pozeram com
devação, e confiança
[54]
as santas
Reliquias, que por sua santidade fizeram tudo quieto, e ao outro dia
chegaram a um Lugar em que se apartavam muitos caminhos, e duvidosos de
qual era o melhor que tomariam, e o Ifante sospenço, e
confiado na santa guia das Reliquias que acompanhava mandou dar a
dianteira a uma Azemala que as levava, e houve por bem que aquelle
caminho que ella tomasse, todos por milhor o seguissem esperando que
elle seria o milhor, e mais seguro.
O que foi assi feito, e a Azemala se desviou de um caminho para que a
gente se mais inclinava, onde o Ifante soube depois em certo que Mouros
o esperavam para o matar, e roubar, e da hi em diante em dezertos e
montes porque passáram sempre déram a guia
ás santas Reliquias, que com a graça de Deos
levaram o Ifante, e os seus a salvamento
atè Ceita, onde embarcando logo em uma nao, que o Divino
favor lhe tinha prestes, e aparelhada para terra de
Christãos, partiram, e navegaram
logo com vento
prospero, que em poucas horas, com grande escuridão se mudou
o contrairo, e algumas outras naos que se acertaram em sua conserva,
por uma respiração divina faziam daquella do
Ifante
Capitaina, por quem se regiam, e com a grande
sarração que sobreveio
temendo de ir á Costa se encomendaram devotamente aos rogos,
e merecimentos dos Santos Martyres, cujas sagradas Reliquias levavam,
para que em salvamento os guiassem, e logo supitamente derramada a
escuridão, em que andavam, veo
a grande claridade, e bonança, com que bem viram, e
conheceram o
caminho de sua perdição, que levavam, e desviados
delle
aportaram na Aljazira, daquem Despanha, e dahi a Tarifa, e logo a
Sevilha, que era de Mouros, onde por os Christãos que ahi
eram, o Ifante foi avizado, que logo se
partisse, porque El-Rei de Sevilha o mandava prender.
[55]
Pelo qual logo ahi embarcaram, e vieram a Astorga, que é em
Galiza do Reino de Lião, onde então reinava
El-Rei Dom
Affonso, primo com irmão do
Ifante Dom Pedro, e como foram partidos chegaram a Sevilha mandados de
Mirabolim de Marrocos que logo lhe prendessem, e tornassem o Ifante, e
cortassem as cabeças a todos os seus, mas deste perigo, e
doutros muitos prouve a Deos que o Ifante, e os seus, pelos
merecimentos dos Santos Martyres, cujo devoto era, fossem como foram,
livres, e seguros, e como chegassem a Astorga um hospede onde foram
agazalhados havia trinta annos que assi era doente, e tolheito de
parlezia, que do officio da fala, e dos membros era de todo privado, e
ouvindo as grandes maravilhas dos Santos Martyres, que os
Christãos consigo traziam,
lançado em terra ante a Arca em que suas sagradas Reliquias
eram guardadas, pedindo-lhe com muitas lagrimas, e grande
devação remedio para
sua doença, logo ahi á vista de todos recebeo na
fala, e em todos os membros perfeita saude, e o Ifante Dom Pedro
não veio com as Reliquias dos Martyres a
Coimbra; mas de Astorga mandou com ellas Affonso Pires de Arganil, que
era Rico homem, e pessoa de grande credito, porque o Ifante Dom Pedro
não era bem avindo com El-Rei Dom Affonso de Portugal seu
irmão.
[56]
CAPITULO XV
Como as
Reliquias dos Martyres foram recebidas, e como foi a morte da Rainha
Dona Orraca, molher
del-Rei Dom Affonso, e das cousas que foram vistas
Como Affonso Pires
chegasse a Coimbra onde a fama dos Santos Martyres
já era, a sobredita Rainha Dona Orraca molher deste Rei Dom
Affonso de Portugal, que ahi estava com o povo junto, que com toda a
Cleresia, e mui devota, e solenne Procissão, saio a receber
as sagradas
Reliquias, e com muita devação, e grande
solennidade as
levaram ao Moesteiro de Santa Cruz, onde mui honradamente as leixaram,
e como a nova do glorioso Martyrio destes Santos Frades chegasse a S.
Francisco, alegrando-se em seu espirito, disse: «Agora
verdadeiramente posso dizer que
tenho cinco irmãos». E no mesmo anno em que estes
Martyres
foram mortos segundo testemunho das santas
Lições, que delles se
dizem, por sua vingança a ira, e
indinação de Deos, veio contra El-Rei de
Marrocos, e seu Reino, porque a propria mão direita, e
braço
çom que o dito Rei Mouro matou os Santos Frades, todos seus
membros daquella parte até o
destro pé, foram todos secos, e por
maldição da sua terra, nos
tres annos seguintes apoz este Martyrio, não choveo nella
couza alguma, de que se
seguio mais, que por cinco annos continos houve tanta fome, e
tão cruas
pestilencias nos homens, que a mór parte da gente por
tamanha mortindade foi
destruida por tal, que os annos da vingança fossem iguaes ao
numero
dos Santos Frades.
[57]
E porque a Profecia dos Santos Frades em todo se comprisse a sobredita
Rainha Dona Orraca passadas mui poucas horas, depois que ás
Santas Reliquias foi dada divina sepultura, ella Rainha chea de
virtudes acabou sua vida, e dahi foi levada a Alcobaça onde
jaz, e
á mesma hora que ella faleceo, sendo a noite profunda, Dom
Pedro Nunes Conego, e
Sacristão do Moesteiro de Santa Cruz, Varão por
Santidade mui
esclarecido, e Confessor da mesma Rainha, vio innumeraveis Frades
Menores entrar no Choro antre os quaes era um, que aos outros com
grande solennidade precedia, e apoz elle cinco antre todolos outros com
honra singular mais excellentes, e como no Choro com
procissão assi entraram
logo com doce melodia que se não póde dizer,
cantaram as
Matinas, e o dito Pedro Nunes Sacristão, sendo pelo que vio
todo atonito, perguntou a um
delles, a que vieram, e porque lugar tantos Frades em tal hora
entrassem, sendo serradas todalas portas do Moesteiro, o qual lhe
respondeu:
«Nós todos que aqui vez somos Frades Menores, e
agora reinamos com Christo, e aquelle que vez, que com tanta gloria
precede aos outros, é
S. Francisco que tanto dezejastes ver nesta vida, e aquelles cinco, que
antre os outros tem mais excellencia são os Frades, que em
Marrocos
por Christo receberam Martyrio, e neste Moesteiro são
sepultados, e sabe
que a Rainha Dona Orraca nesta ora passou desta vida, e porque ella de
todo coração amou nossa Ordem, Nosso Senhor Jesu
Christo nos enviou cá todos, porque por sua honra disessemos
aqui Matinas, e porque tu eras seu confessor, quiz Deos que tu visses
estas couzas, e da morte da Rainha não duvides; porque na
hora que daqui partirmos
ouvirás logo certa nova». E aquella
Procissão sendo todas as portas
do Moesteiro serradas logo sairam, e nesta hora aquelles que
[58]eram
da
familia da dita Rainha bateram ás portas, e denunciaram que
ella tinha
já paga sua necessaria divida á carne, e falecera.
CAPITULO XVI
Como Santo
Antonio por exemplo destes Martyres tomou o habito
S. Francisco, e do que
seguio
em Marrocos por milagre, e da morte
del-Rei Dom
Affonso
Despois que estes
Santos Martyres começaram de resplandecer
com mui claros milagres que muitos em sua mais profuza lenda se contem,
e por exemplo delles o Bemaventurado Antonio que a este tempo era
Conego no Moesteiro de Santa Cruz mesmo, e se chamava Fernando Martins,
ardendo com dezejo de semelhante Martyrio, entrou na mesma Ordem dos
Menores, em idade de vinte e cinco annos, e nella acabou dez annos,
exclarecido em Santidade, e com milagres. E por esta ida destes Frades,
o mesmo S. Francisco, porque seu exemplo ardia em gram fervor, e dezejo
de Martyrio, passou com sete Frades a terra de Suria, e foi ao Gram
Soldam, e como quer que com grande constancia, e mui sem medo lhe
prégasse a Fé de Christo, o Gram Soldam o tornou
a enviar
livremente, e
são a sua propria terra.
E acha-se por lembranças antigas, que por este Martyrio
destes Santos Frades ser tão cruamente feita em Marrocos, e
com
tanto
desprezo de Deos, e de sua palavra, houve em todo aquelle Reino tantas
esterilidades, e securas, e por tantos annos, que esteve para de todo
se despovoar, e porque geralmente antre
[59]
elles, e pelo povo se dizia que
tamanha maldição não viera
á terra salvo pela inocente morte dos Religiosos, El-Rei a
cujas
orelhas este rumor, e clamor chegara, tendo sobre esso concelho com os
Mouros, e tambem com os
Christãos, que estavam ahi, acordaram que onde padeceram,
que
ali com grande arrependimento, e gemidos, e muitas lagrimas viessem,
como vieram pedir a Deos que havendo por esso com elles piedade, se diz
que logo choveo, e veio á terra acostumada
avondança em
todalas
cousas, por cujo beneficio se affirma que El-Rei de Marrocos com todo
seu povo prometeram, e ordenaram que da mesma Ordem dos Frades Menores
fosse dado Sacerdote, ou Bispo a todolos Christãos, que em
Marrocos, e em sua terra
vivessem, e que os Frades fizessem ahi Moesteiro da Ordem de S.
Francisco, em que livremente sempre estivessem, e dessem os Sacramentos
aos
Christãos sem algum receio, o que por muitos annos assi
comprio.
E deste anno de Christo de mil e duzentos e vinte, em que esto sucedeo,
até o anno de mil duzentos e vinte e quatro em que este Rei
Dom Affonso faleceo, não achei que elle fizesse, nem em seu
Reino
sucedesse outras cousas notaveis, pelo qual tendo elle trinta e sete
annos de sua idade, e havendo doze annos que Reinava, faleceo na era de
nosso Senhor de mil e duzentos e vinte e quatro, (1224) e jaz em
Alcobaça, com a
Rainha Dona Orraca sua molher, na Capella grande, que elle em sua vida
mandou fazer diante a porta do Moesteiro, e neste anno se diz que foi
mudado o Convento de Santa Maria, a antiga á nova Egreja, e
Moesteiro
de Alcobaça, que El-Rei D. Affonso Anriques, seu
avô
de fundamento mandou fazer.
DEO GRATIAS
INDEX DAS COUSAS NOTAVEIS
A
Affonso II (D.) de Portugal, que idade tinha, e em que anno foi
levantado Rei,
pag. 17. Foi
cazado com Dona Orraca filha del-Rei D.
Affonso IX de Castella. ibi. Não quer conceder á
Rainha Dona Tareja, e á Infanta Dona Sancha suas
irmãs as
terras que lhes deixara
seu pai D. Sancho I,
pag. 22.
É excommungado pelo Papa
Innocencio III
para que largue os Castellos de Monte Mór, e Alanquer a suas
irmãs,
pag. 24.
É absolvido da
Excommunhão, e com
que circumstancias se
ajustou a tregoa entre estes Principes,
pag.
25 e
26. Contende
judicialmente sobre a mesma materia com suas irmãs, e
é
condemnado a
pagar-lhe uma grande somma de dinheiro,
pag.
27. Em que anno, e idade
morreo,
pag. 30. Onde
está sepultado,
ibi.
Affonso IX (D.) de Castella sogro del-Rei D. Affonso II de Portugal com
quem foi cazado, e que filhos teve,
pag.
18. Manda chamar a seu genro
D.
[61]Affonso II de
Portugal ás Cortes que fez em Burgos, e
não vai,
pag. 21,
onde morreo, e está sepultado,
ibi.
Affonso Pires de Arganil, entrega por ordem do Infante D. Pedro as
Reliquias dos Martyres de Marrocos no Convento de Santa Cruz de
Coimbra,
pag. 55.
Alcacere é cercado pelos Portuguezes e Estrangeiros, e das
pessoas principaes Portuguezas que assistiram neste cerco,
pag. 31. No
seu campo são mortos pelos Portuguezes trinta mil Mouros, e
em
que dia
e anno se conseguio esta vitoria,
pag.
38. O seu Castello depois de uma
larga resistencia é conquistado,
pag.
40. Em que dia e anno
foi
tomado,
pag. 41.
Algozo e Freixo são tomados pelos Ifantes D. Pedro e D.
Fernando em odio de seu irmão D. Affonso II de Portugal,
pag
24.
Antonio (Santo) passa da Religião dos Conegos de Santo
Agostinho para a de S. Francisco,
pag.
58.
Armada de Alemães, e Framengos, que se compunha de cento e
cincoenta naos depois de padecer varias derrotas aportou a Lisboa,
pag.
29.
B
Berardo (Fr.) um dos cinco Martyres de Marrocos, abre milagrosamente na
terra seca uma fonte de que todos beberam, e se admiraram,
pag. 48.
[62]
Beringela (Infante Dona) filha del-Rei de Castella Affonso IX cazou com
D. Affonso Rei de Lião, e que filhos teve,
pag. 18.
Branca (Infante D.) filha de Affonso IX, Rei de Castella, cazou com
El-Rei de França, e foi mãi de S. Luis,
pag. 18.
Era mais velha, que sua irmã Dona Orraca,
pag. 20.
C
Constança (Infante Dona), primeira Senhora do Moesteiro das
Holgas de Burgos, foi filha del-Rei D. Affonso de Castella,
pag. 18.
F
Fernando (Infante D.) chamado de Serpa foi filho de Affonso II de
Portugal, e da Rainha Dona Orraca,
pag.
19. Com quem cazou, e que
filhos teve,
ibi.
Fernando (Infante D.) filho de Affonso IX de Castella morreo de idade
de dezaseis annos, pag. 8. Foi a Roma buscar a Cruzada que o Papa
concedeo a seu pai para a batalha das Navas de Tolosa,
pag. 21.
Foral. Em que anno foi dado por El-Rei D. Affonso II á Villa
de Alcacere,
pag. 41.
Francisco (S.) O que disse quando teve noticia do Martyrio dos
seus cinco Religiosos em Marrocos,
pag.
56. Passa com sete
Frades
á Suria a prégar a Fé seguindo o
exemplo daquelles
cinco
Martyres,
pag. 58.
[63]
G
Gonçalo (D.) Mestre, e Prior do Esprital se achou no cerco
de Alcacere,
pag. 31.
H
Henrique de Neusa (D.) Capitão de uma Armada Estrangeira,
que constava de trinta e seis naos, arribáram ao porto de
Setuval, e
junto com os Portuguezes batalham com os Mouros que estavam senhores de
Alcacere, e
sahem vitoriosos,
pag. 34.
I
Innocencio III manda excommungar pelo Arcebispo de Santiago, e o Bispo
de Çamora a Affonso II por negar os Castellos de Monte
mór e Alanquer a
suas irmãs que seu pai D. Sancho I lhe deixara,
pag. 24.
L
Lianor (Dona) filha del-Rei D. Henrique de Inglaterra, cazou com
Affonso IX de Castella, pag. 2. Que filhos teve daquelle Principe,
pag.
18.
Lianor (Infante Dona) filha del-Rei D. Affonso IX de Castella cazou com
D. James I Rei de Aragão,
pag.
18.
Lianor (Infante Dona) Neta de Affonso II de Portugal cazou com El-Rei
de Dacia,
pag. 19.
Lianor (Infante Dona) filha de Affonso II de Portugal cazou com o filho
herdeiro del-Rei de Dinamarca,
pag. 19.
M
Martim Affonso Tello sobrinho do Infante D. Pedro é morto em
Marrocos,
pag. 51.
[64]Martim Barregam
Commendador de Palmella se achou no cerco de Alcacere,
pag. 31.
Martyres que padeceram em Marrocos como se chamavam,
pag. 42.
São recebidos em Coimbra pela Rainha Dona Orraca,
pag. 43.
Foram
tratados com grande benevolencia em Alanquer pela Infante Dona Sancha
irmã de Affonso II de Portugal,
ibi.
Pregam animosamente em
Sevilha contra a ceita de Mafamede,
pag.
44. Crueis Martyrios que
padeceram,
pag. 49.
São degolados por El-Rei de Marrocos,
pag.
50. Anno, e dia
do
seu Martyrio, ibi. São queimados os seus corpos, e
maravilhas
que
então sucederam,
pag. 51.
Como foram trazidos os seus corpos
a
Coimbra,
pag. 54 e
55.
Matheus (D.) Bispo de Lisboa recebe aos Estrangeiros que vinham em uma
Armada que aportou áquella Cidade, e os exhorta á
conquista de Alcacere,
pag. 29.
Achou-se no cerco de Alcacere,
pag. 51.
Faz uma pratica aos soldados Portuguezes e Estrangeiros que estavam no
campo de Alcacere para que não levantem o sitio, mas que
tomem a
Praça.
pag. 36.
Melgaço é tomado pelos Infantes D. Pedro e D.
Fernando com alguma gente de Lião em odio de seu
irmão D. Affonso II de
Portugal,
pag. 24.
Mouros. Como se houveram esforçadamente no sitio de
Alcacere,
pag. 33.
Governados pelos Reis de Sevilha, Cordova, Jaen, e
Badalhouse vem soccorrer Alcacere,
ibi.
São derrotados, e
mortos
trinta mil
no campo de Alcacere,
pag. 38.
O
Orraca. Princezas varias que tiveram este nome,
pag.
20.
Orraca (Dona) filha del-Rei D. Affonso IX de Castella
[65]foi
cazada com D.
Affonso II de Portugal,
pag. 17.
Era mais moça que Dona
Branca,
pag. 20. Recebe em
Coimbra aos Martyres de Marrocos, que lhe
pronosticaram a sua morte,
pag. 40.
Quando morreo,
pag. 56. Onde
está sepultada,
pag. 59.
P
Pedro (Infante D.) filho de Sancho I de Portugal, veio socorrer a sua
irmã Dona Tareja, que estava recolhida no Castello de Monte
mór, contra seu irmão D. Affonso II,
pag. 23.
Estando em
Marrocos recebe
em sua caza aos Santos cinco Religiosos que alli padeceram martyrio,
pag. 45.
É livre de gravissimos perigos por intercessão
dos mesmos
Santos Martyres,
pag. 53.
Alcança licença del-Rei
de
Marrocos para
trazer as Reliquias dos mesmos Marryres para Portugal,
ibi.
Pedro (D.) Mestre da Ordem da Cavallaria do Templo se achou no cerco de
Alcacere,
pag. 31.
Pedro Fernandes de Castro chamado o Castellão é
morto em Marrocos,
pag. 51.
Pedro Nunes (D.) Conego e Sacristão do Moesteiro de Santa
Cruz de Coimbra, Confessor da Rainha Dona Orraca teve uma admiravel
visão dos Santos Martyres de Marrocos,
pag.
56.
R
Rei de Marrocos pela sua propria mão degolou os cinco
Martyres da Ordem de S. Francisco,
pag.
50. Castigo que experimentou
por esta impia crueldade,
pag. 56.
Movido das grandes calamidades que
padecia
[66] o seu Reino
concede liccença que os Frades Menores
levantem
Convento em Marrocos,
pag. 59.
Reliquias Dos Santos Martyres de Marrocos como foram trasidas, e dos
milagres que obraram pela jornada,
pag.
53. Do modo como foram
recebidas em Santa Cruz de Coimbra,
pag.
55.
S
Sancha (Infante Dona), irmã del-Rei de Portugal D. Affonso
II recebe com grande benevolencia em Alanquer aos Santos Martyres de
Marrocos,
pag. 43.
Sancho I (D.) de Portugal, onde, e quando morreo,
pag.
17.
Sytimos. Lugar distante uma legoa de Alcacere foi a parte onde se
alojaram os Reis Mouros que vinham soccorrer o seu Castello,
pag. 33.
T
Tareja (Rainha Dona) com sua irmã Dona Sancha se recolhem ao
Castello de Monte mór, e se queixam ao Papa Innocencio III
da tyrania
com que seu irmão D. Affonso II lhe negava as terras que
lhes deixara
seu pai D. Sancho I,
pag. 23.
É soccorrida por seus dous
irmãos D. Pedro e D. Fernando em Monte mór contra
D. Affonso II,
pag. 23. Do
modo
com que se concertou com seu irmão,
pag.
27.
Tregoa. Em que anno foi celebrada entre D. Affonso II, e suas
irmãs Dona Tareja e Dona Sancha,
pag.
26.
[67]
V
Valença do Minho é tomada pelos Infantes D. Pedro
e D. Fernando em odio de seu irmão D. Affonso II negar as
terras a suas
irmãs que lhe deixára seu pai D. Sancho I,
pag.
24.
Vitoria do Campo de Alcacere em que dia, e anno se alcançou,
pag. 38.
FINIS LAUS DEO
INDICE DOS CAPITULOS
I--Como o Ifante Dom Affonso foi
alevantado por Rei, e como foi cazado, e com quem, e que filhos
legitimos houve
II--Das desavenças que
houve antre El Rei D. Affonso, e as
Ifantes suas irmãs, e da guerra que sobre esso se moveo
III--Como foi pelo Papa procedido
contra El-Rei D. Affonso por causa da
contenda que havia com suas irmãs, e como finalmente foram
concordados
IV--Do fundamento que houve para
Alcacere do Sal, que era de Mouros,
ser cercado, e tomado dos Christãos, e do Bispo de Lisboa
principalmente
V--Como Alcacere foi cercado, e com
que numero de gente Portuguezes e
tambem Estrangeiros
[70]
VI--Dos Reis Mouros que vieram por soccorro da Villa de Alcacere, e da
primeira batalha que deram, em que foram vitoriosos
VII---Da segunda batalha que houve
sobre Alcacere, e como os Reis
Mourosforam vencidos, e feito grande estrago em suas gentes
VIII--Como os
Christãos combateram e tomaram o Castello
Dalcacere
IX--Como cinco Frades Italianos da
Ordem de S. Francisco foram a
Marrocos a prégar a Fé de Christo, e
primeiramente chegaram a Sevilha, que era de Mouros
X--Como os Frades chegaram a caza do
Ifante Dom Pedro, e do que logo
fizeram, e como foram tornados a Ceyta para virem a terra dos
Christãos, e dahi se volveram outra vez a Marrocos
XI--De um milagre que se fez por
causa de Frei Berardo, e como foram
prezos e atormentados os outros Frades
XII--Como El-Rei de Marrocos
fallou com estes Frades, e por os
não poder converter a sua seita por si mesmo os matou, e
como foram mortos tambem Pedro Fernandes, e Martim Affonso Telo,
sobrinho do Ifante
XIII--Como os corpos dos Martyres
foram queimados, e
despedaçados, e emfim recolhidos por
devação, e industria do
Ifante Dom Pedro
XIV--Como o Ifante D. Pedro foi tornado a Espanha, e trouxe consigo os
ossos, e Reliquias dos Martyres, e as mandou a Santa Cruz de Coimbra, e
dos milagres que houve no caminho
[71]
XV--Como as Reliquias dos Martyres
foram recebidas, e como foi a morte
da Rainha Dona
Orraca,
molher del-Rei D. Affonso, e das cousas que
foram vistas
XVI--Como Santo Antonio
por
exemplo destes Martyres tomou o habito
de S. Francisco, e do que seguio em Marrocos por milagre, e da
morte del-Rei Dom Affonso