Nota de editor:
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quantidade de erros tipográficos existentes neste texto,
foram tomadas várias decisões quanto à
versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi
mantida de acordo com o original. No final deste livro
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Rita
Farinha (Setembro 2010)
ENSINO INTUITIVO
LIVRO DESTINADO ÁS MÃES
E
PAES DE FAMILIA
E ÁS
PROFESSORAS E PROFESSORES DE INSTRUCÇÃO PRIMARIA
POR
JOÃO JOSÉ DE SOUSA TELLES
Socio honorario
da Sociedade das Sciencias Medicas de Lisboa, Socio honorario da
Sociedade Pharmaceutica Lusitana
PROFESSOR DE PORTUGUEZ E
INTRODUCÇÃO Á
HISTORIA
NATURAL
LISBOA
FERREIRA, LISBOA & C.a
132—Rua Aurea—134
1873
ENSINO INTUITIVO
ENSINO INTUITIVO
LIVRO DESTINADO ÁS MÃES
E
PAES DE FAMILIA
E ÁS
PROFESSORAS E PROFESSORES DE INSTRUCÇÃO PRIMARIA
POR
JOÃO JOSÉ DE SOUSA TELLES
Socio honorario
da Sociedade das Sciencias Medicas de Lisboa, Socio honorario da
Sociedade Pharmaceutica Lusitana
PROFESSOR DE PORTUGUEZ E
INTRODUCÇÃO Á
HISTORIA
NATURAL
LISBOA
FERREIRA, LISBOA & C.a
132—Rua Aurea—134
1873
LISBOA
TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE THOMAZ QUINTINO ANTUNES
IMPRESSOR DA CASA REAL
110—Rua dos Calafates
Ill.
mo
e Ex.
mo Sr.
Conselheiro José Silvestre Ribeiro
Ha annos, ouvindo os louvores, que á intelligencia e
probidade
de V. Ex.
a tecia um dos mais peregrinos talentos
de Portugal, o grande poeta, hoje Visconde de Castilho,
senti irresistivel desejo de ler os escriptos de V. Ex.
a
e de o
conhecer em pessoa. Dessedentei-me agradavelmente e com
muito proveito, nas numerosas paginas, que da penna de
V. Ex.
a haviam saido, umas reunidas em volumes,
outras
espalhadas pelos periodicos, todas porém rescendendo
suave e, digamos assim, castissimo perfume de natural bondade
e heroicas virtudes, qualidades que para mim valem
muito mais que toda a erudição, e que
realçam sobremodo
a que v. ex.
a possue vastissima,
colhida no incessante
estudo de quantos engenhos famosos tem opulentado as
sciencias, as artes e a litteratura.
Já eu, havia muito, conversava com V. Ex.
a
em espirito
e me reputava seu discipulo amicissimo, quando tive a boa
fortuna de fallar a V. Ex.
a e de ser por V. Ex.
a
acolhido
com a benevolencia, que lhe conquista a sympathia de
quantos o tratam.
Data d'esse dia a nossa amizade, confiado na qual ouso
offerecer a V. Ex.
a este livro modestissimo, que
se alguma
cousa vale é pela boa fé com que foi escripto.
É sympathico o assumpto; creio que é mais um
brado
pedindo a tão necessaria reforma do ensino infantil e
primario
na casa paterna e na escola, que tão pouco tem
ainda de paternal. Será perdido, como os que o viajante
extraviado soltaria no deserto, implorando o favor dos homens?
Talvez.
Incessantemente ha clamado o nosso probo amigo o Sr.
Visconde de Castilho, e nem aquella potentissima intelligencia,
nem aquella phrase, que nos faz acreditar a fabula de
Orphêo, nem a auctoridade d'aquella quasi
intuição do bom
e do bello ha conseguido, que amanheça para as criancinhas
o dia da sua regeneração intellectual.
Não serei eu mais feliz; mas dar-me-hei por bem pago
do trabalho, que puz em escrever estas paginas, se uma
só mãe, que seja, ou um só mestre,
aproveitar os conselhos,
que lhes dou, e se, quando mais não obtenha, uma
criancinha me dever algumas lagrimas de menos e algum
bom ensinamento a mais.
Associando o nome illustre e venerando de V. Ex.
a
a esta
obrinha, imito o bom do Aimé Martin e posso dizer a V.
a
Ex.
a
o que elle disse ao mavioso Lamartine.
En vous offrant ce livre, je n'ai qu'un but, c'est de rattacher
mes paroles aux vôtres, c'est d'étayer leur
faiblesse
de votre force, ma raison de votre raison. Je veux qu'on
dise un jour: Ceux-ci ont connu les veritables biens, ils se
rencontrèrent dans la même foi, ils
s'aimèrent devant le
même Dieu.
De V. Ex.a
Admirador muito amigo
João José de
Sousa
Telles.
Lisboa 7 de julho de 1873.
ENSINO
INTUITIVO
O livro, que hoje publicâmos, é uma tentativa
modesta de acclimação de uma idéa
excellente, que
lá por fóra tem produzido optimos resultados.
Applaudem-na unanimes os mais insignes pedagogistas
inglezes, allemães, americanos, francezes,
e belgas; e ainda que tantos homens competentissimos
em assumptos de ensino e educação nol-a
não apregoassem famosa, bastaria a simples
enunciação
d'ella, para que enthusiasticamente a adoptassemos.
Antes, porém, de expôrmos minudenciosamente
a idéa nova, e nova lhe chamâmos attendendo ao
pouco que se tem vulgarisado em Portugal, de razão
nos parece conversarmos amigavelmente com
o leitor ácerca de alguns pontos da
educação e
instrucção elementar.
É a educação da puericia e da
juventude a mais
gloriosa e ao mesmo tempo a mais difficil
obrigação,
que Deus impoz ao homem e á mulher.
Á luz da philosophia e da moral, a paternidade
[10]
e a maternidade consistem menos em gerar o infante,
do que em desenvolver-lhe e aperfeiçoar-lhe
incessantemente as faculdades da alma e do corpo,
até que possa cumprir os seus deveres e arrostar
as contrariedades da vida na curta, mas trabalhosa
peregrinação, que principia no berço e
acaba no
tumulo.
Incumbe, pois, aos paes empregar todos os meios
ao seu alcance, para que os filhos, creaturinhas imbelles,
que a Providencia confiou a seus cuidados,
cheguem no mais curto espaço de tempo, e pelo
emprego de processos razoaveis, amenos, e repassados
de amor e ternura ao estado de perfeição
physica, intellectual e moral, que constitue o homem,
tal qual deve ser, tal qual Deus quer que
elle seja, tal qual a sociedade bem organisada o
requer, para obreiro prestadio da civilisação.
Infelizmente, nem todos os paes conhecem os
seus deveres; e dos que os conhecem, muitissimos
ha, que os não cumprem, ou por modo mui imperfeito
se desempenham d'elles.
D'esta ignorancia e negligencia funestissimas provem
os maiores males, que affligem a humanidade,
males para os quaes a maior parte das vezes não
ha remedio.
Tratando de assumpto differente, disse um douto,
que muitas descobertas se poderiam fazer, se
opportunamente perguntassemos:
Por
que? Appliquemos
o engenhoso e facil processo de Arago ao
exame das causas determinantes de alguns vicios
[11]
sociaes, e convencer-nos-hemos de quão exacta é a
nossa asserção.
Estamos na via publica. De toda a parte se nos
apresentam creanças esfarrapadas, semi-nuas, esqualidas,
famintas, petulantes; revolvem-se umas
na lama e no pó; dormem outras, tiritando, á
chuva e ao vento; estas divagam estendendo a mão
asquerosa e pedindo uma esmola aos que passam;
aquellas soltam dos labios rosados palavras, que
fazem enrubecer os que as ouvem.
Chamae-as, e perguntae-lhes quem alli as deixou,
flôres no esterquilinio, passarinhos implumes entre
abutres esfaimados, anjos manchando as azas
na sujidade das calçadas.
Responder-vos-hão: Nossas mães e nossos paes.
Ides vosso caminho, alegre, tranquillo, olhando
em redor, vendo prepassar trens sumptuosos, soberbos
cavallos, mulheres elegantes, homens felizes
e descuidósos. Chega-vos aos ouvidos um echo,
um gemido, um choro infantil; olhaes...
Que vêdes?
Na soleira de um portal, vestida em uns andrajos,
quasi morta de fome e de frio uma criancinha,
cujas faces, em vez de serem orvalhadas pelas lagrimas
da materna alegria, e aquecidas pelos beijos
fervidos da que lhe deu a existencia, se humedecem
com as lagrimas da amargura infantil.
Levantae o pobresinho, apertae-o contra o peito,
osculae aquella carinha de jasmim e rosas, e perguntae-lhe:
[12]
Anjo meu, que barbaros te deixaram aqui abandonado?
E a innocencia vos responderá, não com palavras,
que as não sabe ainda articular, mas com ternissimos
soluços:
Abandonou-me meu pae e minha mãe.
Além vae caminho do cemiterio, a tumba, que
andou de porta em porta recolhendo os miseros,
cujas familias não poderam coalhar o bastante para
o modesto funeral dos seus parentes.
Fazei-a parar; mandae que a abram; olhae para
dentro.
Horror! exclamareis vós ao ver por entre os
adultos exanimes, em sacrilego desarranjo, um
bando de creanças quasi esqueletos, rachiticas, chagadas,
meio apodrecidas, com signaes evidentes
de terem vindo ao mundo com o estigma da morte
profundamente gravado nas frontes innocentes.
Martyres obscuros, podereis vós dizer-lhes, para
quem o mundo não teve nem uma corôa, nem uma
palma; estrellas cadentes, que brilhastes um momento
e desapparecestes n'um eterno occaso; quem
assim vos macerou os corpinhos, e vos deu a beber
o fel da morte ao alvorecer da vida?
E a mudez sombria d'aquellas florinhas envenenadas
na hastea, e emurchecidas antes de desabrocharem,
responderá:
Nossos paes e nossas mães.
Vêdes aquelle peralvilho, aquelle afeminado, todo
pomadas, todo essencias, gesto insolente, olhar altivo
[13]
e desdenhoso, que vae rindo e galhofando com
outros da sua ralé.
Parou, fazem-lhe roda, applaudem-n'o outros
taes. Que bocadinhos de oiro estará elle a dizer?
Escutae-o.
Mófa da religião, que desconhece; insulta os
sacerdotes,
que acertam de passar junto d'elle; escandalisa
as donzellas; zomba dos anciãos; aos
pobres, em vez de os esmolar, despede-os insolente.
Indagae como tão cedo se depravou aquelle moço,
que deveria estar ainda sentado no banco da escola.
Dir-vos-hão que á incuria paterna deve elle toda
a sua ruina.
Entrae no templo a presencear as augustas ceremonias,
que rememoram a angustiosa paixão e
morte do grande amigo da humanidade.
Que observaes?
A turba irreverente, descomposta, sacrilega,
rindo, conversando, ostentando galas, trocando
gracejos, costas para os altares, olhares distrahidos,
attitudes grosseiras e vilans.
Quantas preces saem d'aquelles labios? Que pensamentos
povoam aquellas mentes? Que piedosos
affectos existem em tantos corações?
Escandalisa-vos
o desacato? Quereis saber porque na egreja
estão, como não poderiam estar na casa da opera?
Chamae de banda um dos levianos e perguntae-lhe
o que lhe hão dito seus paes da grandiosa tragedia
do Calvario; do incruento sacrificio, que a
[14]
representa, da respeitabilidade do altar, do valor
das preces humildes e sinceras?
Responder-vos-ha, sorrindo:
Não vos comprehendo; meus paes nunca me fallaram
d'essas coisas.
Que vozearia é aquella? Porque tantos gritos, tamanho
borborinho?
Ergue-se um homem mal trajado, e arenga á
turba.
Poucas palavras tem dito, e já uns o applaudem
phreneticos, já outros o vituperam enfurecidos.
É o povo soberano, que usa e abusa de seus direitos.
A onda encapellada das ruins paixões sobe,
sobe, invade a improvisada tribuna e derruba o
Demosthenes improvisado.
Todos fallam, todos proclamam a idéa nova.
Ouçamol-os.
Abaixo os padres, não precisâmos d'elles; abaixo
a religião, que para nada presta; acabemos com a
propriedade, os ricos só querem beber-nos o sangue;
viva o communismo, grita um; viva o socialismo,
que é melhor, responde outro; nada, nada
d'isso, venha a republica.
Acabemos com os tributos e seremos felizes; e
o exercito para que serve? Elimine-se o exercito.
Pedi instrucção, pedi ensino facil, bom,
universal,
escolas primarias a cada canto, bibliothecas populares,
livros optimos ao alcance de todos no preço
e no estylo; pedi moralidade, diz com voz firme e
[15]
sonora um operario, fronte ampla, respeitaveis
cans, rosto sereno, mão calejada pelo trabalho.
Fóra com o visionario brada a turba.
Que quer dizer instrucção? Para que servem os
livros? Para que prestam as escolas? regouga
um miseravel, em cujo rosto se retrata a ignorancia
e occiosidade; e bradando á turba, após si a leva
cançada, mas não saciada de disparatar.
Dirigi-vos ao operario honesto e prudente e informae-vos
de quem sejam aquelles doidos.
Uns infelizes, dirá elle, bons
corações, más cabeças.
Pobresinhos todos; porém mais pobres de
instrucção
que de dinheiro, porque todos tem aptidão
para o trabalho, mas a todos faltou a educação.
Não
tiveram paes, como eu felizmente tive, que os mandassem
ensinar. A mór parte nem ler sabem, nem
fazer o seu nome. Se lhes fordes perguntar o que
seja republica, socialismo, communismo, salario,
religião, exercito, á boa fé vos
affirmo que não
poderão responder coisa que geito tenha.
Mas deixemos estes homens, nem todos maus;
muitos bonissimos, desvairados pela febre ardente
de antigos e profundos padecimentos, que buscam
a verdade e o bem, como os alchimistas da idade
media, por meios absurdos e inconvenientes, mas
que tem a coragem de affrontar os perigos, de sacrificar
a propria vida, e de soffrer com a resignação
dos martyres dos primeiros seculos do christianismo
esses hediondos supplicios, a que ainda
[16]
hoje o mundo civilisado assiste com profunda magoa
e indignação.
Volvamos os olhos para aquell'outros.
D'onde vem?
Das enxovias.
Para onde vão?
Para o degredo.
Homens, mulheres, crianças! Deixam a patria, os
amigos, as familias, os formosos campos, onde nasceram,
este céo tão puro, este sol tão
esplendido,
este clima tão amoravel, este abençoado e
feracissimo
torrão, para irem em paizes inhospitos luctar
com a morte opprobriosa, ralados de saudades, roidos
de remorsos, despreziveis aos olhos de todos, e
condemnados pela voz implacavel da propria consciencia.
Vãm alli assassinos, sacrilegos, perjuros, fratercidas,
patrecidas, ladrões, incendiarios; todos os
crimes, todas as torpezas, todas as infamias, o lodo
asqueroso de todas as humanas miserias, as trevas
da ignorancia preversa, a lepra do grande corpo
social.
Ponde os olhos n'aquelle quadro, mães e paes.
Não interrogueis os que o crime despenhou; não
insulteis a desgraça; não amargureis mais
aquelles
corações devastados e corroidos pelo crime, onde
poderá haver ainda alguma fibra incorrupta e sensivel;
mas perguntae a vós mesmos que
educação
receberam aquelles miseros de seus progenitores?
que sorrisos e carinhos lhes cercaram os berços?
[17]
que palavras ouviram aquelles entes ao entrar na
vida? que exemplos tiveram para seguir? quaes as
escolas, a que os mandaram? que affectos semeiaram
n'aquelles corações? quantas vezes lhes apontaram
para o céo e lhes fallaram de Deus? que
noções
lhes deram da verdade, da justiça, da honra,
do dever? que meios empregaram para lapidarem
aquelles diamantes? que processo adoptaram para
desinvolver-lhes a intelligencia?
E se não acertardes com as respostas a estas e
a muitas outras perguntas, que o caso suscita,
ide-vos por essas cidades, e villas, e aldeias, e
povoados e indagae a historia de cada um d'aquelles
infelizes. Raro achareis que se prevertesse
o que dos paes houvesse recebido desvelada
educação.
Mas o que é educação desvelada?
Eis o ponto importantissimo, para o qual chamâmos
a attenção de todos. Não o
desenvolveremos
aqui. Assumpto é para um livro, e já larga e
proficientemente
tratado por grandes mestres da sciencia
de educar.
Diremos apenas, que muitos paes e mestres ha,
por desgraça nossa e d'elles, que não
comprehendem
nem a extensão, nem a intensidade da palavra
educar.
Para uns educar é crear, é nutrir o animal,
é
desenvolver-lhe o physico; e nem sempre conforme
os dictames da medicina e da hygiene.
Para outros educar é iniciar a criança nas Para
outros educar é iniciar a criança nas regras
[18]
mais elementares da leitura, da escripta, da contabilidade
e de uma arte ou officio.
Não falta quem se vanglorie de ter educado bem,
excellentemente, seus filhos, por que lhes deu mestres
de linguas antigas e modernas, de geographia,
de historia, de philosophia e de muitas outras cousas
mais.
Tal se orgulha de ver o herdeiro de seu nome
sair laureado de uma escola ou academia e entrar
na sociedade precedido da fama de optimo estudante.
Tal outro se julga em paz com a sua consciencia
e se tem por excellente educador, porque
o mancebo, cujos primeiros estudos dirigiu, das columnas
de um jornal assombra o mundo com seus
artigos, ou deleita as turbas com versos, que reputa
mais correctos e melodiosos que os de Camões,
Garrett ou Castilho.
E consistirá em tão pouco a sciencia difficilima
de educar?
Não, mil vezes não.
Que vale ao homem, a quem Deus concedeu uma
certa porção de intelligencia, susceptivel de
indefinido
desenvolvimento, crescer e medrar no physico,
permanecendo-lhe embryonaria a melhor das
faculdades? Que vale ao homem, que poderia elevar-se
pelo estudo, pela leitura, pela applicação das
potencias da alma e vir a ser um poderoso auxiliar
do progresso da humanidade, qualquer que
fosse a sua posição social, saber apenas os
primeiros
rudimentos das artes de aprender, e tanto pela
[19]
superficie, que nem d'elles se possa servir, a não
ser nos mais simples usos da vida?
Quantos e quantos dos que cursaram as escolas
e as academias, e n'ellas se distinguiram, tiveram
mais trabalho em debellar os erros da educação
elementar do que em arcar com as difficuldades,
e segredos das sciencias superiores?
E quantos não vem dos institutos scientificos
imperfeitamente instruidos, não por culpa dos mestres,
nem d'elles mesmos, mas pela incuria e
ignorancia dos paes e dos primeiros educadores?
Todos os homens intelligentes, que tem consagrado
a vida ao magisterio superior, reconhecem e
confessariam, se quizessem, que a falta de cultivo
intellectual nas edades tenras difficulta extremamente
aos estudantes a comprehensão das sciencias,
e os inhabilita para tirarem dos cursos mais
bem delineados as vantagens, que d'elles poderiam
obter.
D'ahi a meia sciencia, as ideas falsas, a confusão
dos principios, a impossibilidade das grandes
concepções, a timidez na
applicação pratica, o desamor
do estudo, que fecunda o que nas aulas se
ouviu, e a propensão para a preguiça, que se
contenta
com o pouco cabedal adquirido e não busca
grangear mais.
Se das escolas superiores passarmos ás secundarias,
encontraremos as mesmas causas produzindo
os mesmos effeitos; e dir-nos-hão os professores
intelligentes e zelosos, que das mãos dos paes
[20]
e dos primarios educadores, receberam a mór parte
dos alumnos com os olhos do espirito tão cerrados
ainda, que de todo desconheciam as verdades
mais elementares e intuitivas, os phenomenos mais
simples e intelligiveis, as relações mais claras.
Na escola primaria, o professor instruido, que
comprehenda quanto tem de nobre e grandioso o
seu ministerio, em apparencia tão humilde, na
realidade tão augusto; que considere na criança o
homem e no homem o futuro todo inteiro da humanidade;
que abranja com a vista o largo horisonte
das criaturinhas, que o rodeiam, e que deseje
dissipar as trevas d'aquelles entendimentos
com luz tenue e suave, como convem a edades infantis,
tem ainda a luctar com os defeitos da educação
domestica, que devendo ser a primeira, a
mais engenhosa, a mais insistente, e mais efficaz,
é muitas vezes nulla, muitas quasi nulla e quasi
sempre deficiente.
E se o que vamos dizendo se applica em cheio
á educação das faculdades
intellectuaes da puericia,
que são ainda assim, as que os paes de ordinario
mais appetecem ver desenvolvidas nos filhos,
outro tanto se póde asseverar da
educação physica
e moral.
Conhecida a doença, urge accudir-lhe com o remedio.
Já o bom do
Genuense,
mestre de nossos paes,
mestre de muitos de nós outros, que hoje ensinamos
e que suppômos ter alguma valia, e tão
injustamente
esquecido e mettido para o canto,
relembrava
a regra de Ovidio:
[21]
Principiis obsta, sero medecina paratur, cum
mala per longas invaluére moras.
«Acode ao doente apenas a molestia dê o primeiro
rebate; que de nada lhe prestará o remedio,
tardio.»
E haverá remedios, que prestem para os males
de que enferma a educação elementar?
Ha, e muitos; o caso está em applicar-lh'os a
tempo e judiciosamente.
Não todos apontaremos aqui, porque não
é este
livrinho um tratado de pedagogia, mas tão sómente
um, que valerá por muitos.
É remedio barato, condicção esta que
não é para
desprezar; de facil manipulação; composto de
simples,
que por toda a parte e a toda a hora se acham;
e por cima de tudo isto, tão agradavel, que em vez
de lhe fazerem caretas, os que o devem tomar, o
appetecem e pedem sequiosos e nunca fartos de
saboreal-o.
É este remedio o
Ensino
intuitivo.
Para applical-o, diga-se já e bem alta e claramente,
nem todos servem. Em mãos de ignorantes
converte-se em veneno, e em vez de beneficios,
só produz males.
É indispensavel, pois, que paes e mestres, que
hajam de o empregar, possuam profundo e variado
cabedal de conhecimentos.
Antes, porém, de entrarmos a dizer o que este
ensino seja, convem que nos lembremos das
condicções
organicas, physiologicas e intellectuaes das
crianças.
[22]
É o infante um organismo em via de
formação,
incompleto, fransino, em que a vida animal consiste
quasi exclusivamente no movimento tumultuoso,
na expansão incessante, na assimilação
continua.
Abriu os olhos ha pouco, e ainda não teve tempo
de ver bem o grandioso espectaculo da natureza,
cujos protentos o deslumbram; descerraram-se-lhe
hontem os ouvidos, e por isso lhe echoam lá dentro,
ainda confusas, as harmonias, os ruidos, as palavras,
que mal percebe; aspira sofrego os aromas,
que rescendem as flores, mas não os distingue;
saborêa o nectar, mas quererá tambem provar o
fél e degustar o absintho; apalpa enlevado a pelle
assetinada e suavissima das faces maternas, mas
queimar-se-ha incauto na chama da véla, que admira,
sem a comprehender.
No intimo, na cabeça, cujos óssos ainda se
não
consolidaram completamente, no coração, que
palpita
violento, jorrando sangue para todo o corpo,
começam de germinar as idéas e os affectos, cuja
elaboração de hora para hora, de dia para dia, de
mez para mez se complica, e transmitte com incrivel
velocidade.
São dois mundos luctando atravez do fragil envolucro,
que chamâmos corpo; o mundo externo,
cujos variadissimos factos contempla attonito sem
suspeitar que os determinam infinitas leis, que os
encadeam reciprocamente innumeras relações, e
que sobre elle actuam incessantemente: o mundo
interior, o mundo dos sentimentos, das ideas, dos
[23]
affectos, cuja admiravel genese começa, e que ha
de irromper atravez dos sentidos, e reagir violento
sobre os modificadores de fóra.
A creança porque é um ente material, que tende
a completar-se, carece de muita alimentação, de
muito sol, de muito e bom ar, de muito movimento,
de liberdade, e de sensações variadas, mas
suaves, que a deleitem, e que attraiam a sua
attenção.
Se todas ou algumas d'estas condicções lhe
faltarem
vel-a-heis extinguir-se subito, como a luz
de uma véla á mingua de oxigenio; ou estiolar-se
e pender para o tumulo, onde não tardará a
sumir-se,
como a planta, que germinou em solo arido
e assombrado.
Como creatura intelligente e moral, necessita que
lhe dirijam e robusteçam as faculdades, á
proporção
que se forem desenvolvendo, ministrando-lhes
objectos apropriados ás forças das mesmas
faculdades,
e em quantidade tal, que nem as cancem,
nem as desgostem.
No desprezo d'estes principios está, a nosso ver,
o primeiro e mais funesto erro do actual systema
da educação infantil.
Na maxima parte das escolas da puericia entram
quotidianamente as criancinhas faltas do indispensavel
alimento, e alli se conservam largas horas em
casas estreitas sombrias e mal ventiladas, respirando
ar infecto, inhibidas de fazer os movimentos,
que a sua edade imperiosamente reclama, sem
[24]
horisontes extensos e ridentes, que as alegrem,
sem nada que as encante e lhes deleite os sentidos.
O mestre, senão carrancudo e severo, é quasi
sempre sufficientemente serio e concentrado, para
não lhes incutir a confiança e amôr,
que são os
mais suaves e ao mesmo tempo os mais fortes
laços, que prendem o discipulo ao perceptor.
Começa a lição. Não ha
canticos, nem musicas,
nem exercicios gymnasticos, nem historiasinhas,
que alegrem aquelles corações e instruam aquellas
mentes nas coisas, que com maior facilidade
poderiam comprehender.
Para os mais pequeninos, para aquelles que mais
se lembram ainda dos beijos maternaes e das doçuras
da casa paterna, o triste e monotono a, b, c,
as aridas columnas do syllabario, e a empyrica taboada.
Para os mais crescidinhos, a grammatica,
a historia patria, a chorographia, a doutrina christã.
Que percebem os pobres infantes de tudo aquillo,
que involuntariamente decoram, e machinalmente
repetem?
Nada, ou quasi nada.
Tomae d'entre os alumnos de uma escola o mais
adiantado, o mais estudioso, o que mais talento
revele, e interrogae-o. Ouvil-o-heis repetir o compendio,
máo ou bom, com certa facilidade e elegancia;
mas se lhe perguntardes o sentido de uma
palavra, a razão de um facto, vel-o-heis córar e
emudecer, porque a elle, o estudante eximio, deixaram
[25]
sempre em pousío as mais nobres faculdades
da alma, excitando-lhe apenas, e ainda assim
por um processo defeituoso, a faculdade auxiliar,
a memoria.
Olhar com seriedade para a educação e
instrucção
da infancia, e reformal-a completamente, adequando-a
ás edades dos estudantinhos, e tornando-lh'a
facilima, deleitavel, e todo o ponto util, é
não só necessidade urgente, senão
dever impreterivel.
O primeiro passo para esta grande reformação,
que o bom senso, a sciencia, a caridade, e o interesse
de todos nós estão ha muito a pedir a
grandes brados, dar-se-ha quando os governos,
os municipios, as associações e os particulares
se
resolverem a edificar casas para escolas infantís,
e primarias, espaçosas, alegres, agasalhadas, com
o seu jardim, meio descoberto, meio assombrado
com arvoredo, tendo no centro um pequeno lago
ou tanque e aos lados alguns apparelhos e jogos
gymnasticos; quando a frequencia da escola infantil,
preparo para a primaria, fôr obrigatoria; quando
o ensino da infancia fôr esclusivamente confiado a
mulheres intelligentes, instruidas, honestas e amoraveis,
que do coração se consagrem ao ministerio
sacratissimo de educadoras, e que a todos os discipulos,
amem e acarinhem, como se fossem todos
elles seus filhos queridos; e quando finalmente o
Ensino intuitivo se tornar
obrigatorio e exclusivo
nas escolas infantís; e obrigatorio, como auxiliar
[26]
de qualquer outro, nas escolas primarias e secundarias.
Muitos annos hão de decorrer, infelizmente, primeiro
que se realizem estes nossos alvitres. Levantar-se-hão
contra elles os ramerraneiros, os
enthusiastas do passado, os indifferentes, os que
não crêem no aperfeiçoamento humano
começado
a operar na escola infantil, os que só vêem a
prosperidade
publica, no exercito, nas estradas, nos
caminhos de ferro, nos telegraphos electricos, nas
escolas superiores, nas academias, e nos museos,
como se tudo isto não estivesse a pedir, para ser
verdadeiramente util, muita e sólida
instrucção no
povo, muita moralidade, e muito amor ao trabalho,
e como se estas indispensaveis qualidades as podesse
ter uma nação, onde não ha escolas
infantís,
onde as escolas primarias são pouquissimas e defeituosas,
onde os methodos de ensino são ruins,
e onde os professores, muitos d'elles dignissimos
e habeis, são tão vergonhosamente retribuidos,
que
para pobrissimamente viverem, têm de se occupar
em misteres totalmente alheios do ensino e
educação.
Muitos annos, repetimos, hão de decorrer primeiro
que os exemplos da America, generosissima
com a instrucção primaria, sejam imitados na
extrema
Europa.
Não o quer o
deficit,
exclamarão os financeiros,
e applaudil-os-hão todos os que mais ou menos
manuseam o orçamento do estado.
[27]
Se a indole d'este escripto o permittisse, facil
nos seria impugnar esta nefasta e incessante
invocação
da pobreza publica, e mostrar que em Portugal
o que falta, e muito, é verdadeiro patriotismo,
é sincera vontade de progredir, é a iniciativa
individual nos arrojados commettimentos, caracteristicos
dos povos, que comprehendem os seus deveres
de membros da grande familia social e que
os não pospõe aos seus interesses particulares.
Colhâmos, porém, as vélas ás
considerações, que
todos estes assumptos nos suggeriram, e entremos
já a dizer o que seja o
Ensino
intuitivo, e as vantagens
que d'elle resultam.
Todos os que lidam com crianças terão percebido
que nas primeiras idades é o homem dominado
incessante e invencivelmente pela curiosidade,
ou desejo de saber; que para saciar esta
inclinação
empregam os infantes não só os olhos, mas os
outros sentidos; que ao verem um objecto, mórmente
se lhes agrada, ficam diante d'elle como que
absortos, com os olhos mui abertos, ás vezes quasi
sem pestanejar; que se lh'o consentem, tomam nas
mãosinhas o que primeiro estiveram vendo, e o
apalpam, a principio com timidez, depois com afoiteza;
que o levam ao nariz, e á bocca, e que por
fim começam de separar as partes de que se
compõe,
se não é inteiriço.
Apoz tal exame, e ás vezes simultaneamente,
chovem as perguntas:
O que é isto?
[28]
Quem fez?
De que é?
Para que serve?
Quem trouxe?
Terão tambem observado os educadores, que n'estes
exercicios instinctivos, as criancinhas, em geral,
não comparam, nem por consequencia raciocinam.
Fazem como as abelhas, que andam de planta em
planta, de flôr em flôr, colligindo os materiaes
com
que mais tarde hão de fabricar o seu mel. Com a
differença
que as abelhas nasceram aptas para aquella
industria e nunca em vez de mel nos dão outro produto;
e as criancinhas, artistas novéis, mas livres
e dotadas de intelligencia perfectivel, podem pela
maneira imperfeita porque as suas faculdades intellectuaes
e moraes se começarem a desenvolver,
e continuarem a exercer-se, viciar de tal arte o espirito,
que de futuro ou nada possam conhecer
bem, ou só com extrema difficuldade e grande dispendio
de tempo.
Em aproveitar as naturaes tendencias da infancia
e juventude, em amenisar-lhe o começo da extensa
e espinhosa senda, que tem de percorrer na
vida, em desenvolver-lhes e aperfeiçoar-lhes gradual
e insensivelmente as faculdades; em enriquecer-lhes
de copiosos e variadissimos conhecimentos o espirito;
em formar-lhes o coração, desenvolvendo n'elle
astuciosamente o gosto do bom, do bello e do verdadeiro;
em habilital-as o mais cedo possivel, sem
a minima violencia, para a vida pratica, deixando
[29]
para tempo opportuno theorias e systemas, para
comprehender os quaes é mister intelligencia robusta,
é em que consiste o
Ensino
intuitivo.
É este ensino primeiro que tudo dos sentidos
externos, os quaes á maneira que se vão exercendo
sobre os objectos, para lançarem no espirito os germes
de quantas sciencias e artes ha, se aperfeiçoam
insensivelmente, adquirindo cada dia mais
vigor e aptidão.
É pois indispensavel que os educadores procurem
especialmente que as criancinhas empreguem
os sentidos, ora simultanea, ora successivamente,
nas cousas que tenham de estudar, que as vejam
de perto, que as tomem nas mãos, que as cheirem,
que as provem, quando não houver inconveniente,
que as dividam e recomponham, sem que
se lembrem de que estão a estudar.
Tudo servirá para estes exercicios intuitivos, se
o educador tiver instrucção variada e profunda.
Tudo servirá, por que, como disse Jacotot:
Tudo
está em tudo.
Um grão de areia, um alfinete, uma agulha,
um botão, um palito, uma moeda de prata ou
cobre, a folha de uma arvore, um bago de uva,
serão compendios tão importantes como um cavallo,
uma ave, um peixe, um relogio, uma caixa
de musica, ou uma machina de cozer.
Milhares de cousas baratissimas se poderão apresentar
aos estudantinhos para larguissimamente os
instruir; muitissimas haverá em todas as casas,
[30]
taes como cadeiras, mezas, pennas, papeis de differentes
qualidades, flôres, fructos, relogios, thesouras,
campainhas, etc. De um sem numero de
objectos se poderão obter modelos em ponto pequeno
ou de madeira ou de papelão, ou de qualquer
outra substancia apropriada. Na falta absoluta
de exemplares naturaes, que são os melhores,
ou de copias em vulto, que servem perfeitamente,
sendo bem feitas, empregar-se-hão com
muita vantagem estampas coloridas ou em negro.
O que deve ser banido das escolas infantís é o
syllabario, a taboada, o cathecismo, a grammatica,
o compendio de chorographia e o de civilidade.
Da exposição, exame e
comparação das coisas ou
das estampas, segundo o processo que já vamos
indicar, é que as crianças hão de ir
colhendo as
idéas exactas e claras, que depois saberão
associar
ás mil maravilhas, formando espontaneamente optimos
juizos e raciocinios.
Tratando das viagens de Homero e do estudo
pratico das pessoas e cousas, que habilitou o immortal
filho de Climene a compôr os protentos litterarios
denominados
Iliada e
Odysséa, diz
Bitaubé
o seguinte, que é a expressão da verdade:
«Os livros
são uteis, mas favorecem certa indolencia, que
obsta a que o leitor observe por si mesmo; lendo,
vemos a maior parte das cousas pelos olhos dos outros,
e representâmos ao nosso espirito imagens de
outras imagens; se observassemos directamente os
objectos graval-os-hiamos mais profunda e claramente
[31]
no espirito. Qual é o resultado da falta de
observação directa? É perdermos a
perspicacia e
sagacidade indispensaveis para observar com
perfeição
á força de não as exercitarmos e de
não contemplarmos
a natureza, excellente mestra, que jámais
se deve despresar. Adquirem-se é verdade,
mais idéas, mas imperfeitas e superficiaes, de que
resultam quadros frios e incompletos.»
Todos os pedagogistas, que se teem occupado
d'este systema de ensino, encarecem o proveito
que se tira da substituição dos livros de texto,
que
os meninos decoram sem os entender, pelas estampas,
que muito os deleitam e que examinam attentos,
colhendo das palavras do educador, a proposito
de cada uma, infinitos conhecimentos, que
jámais esquecerão.
É mister, porém, que as estampas sejam mui
perfeitas, para que não viciem nas crianças o
gosto
do bello e da verdade, e que sejam graduaes, como
tudo deve ser na educação. A regra fundamental
do ensino intuitivo, a qual nunca deve esquecer é:
Caminhar do conhecido para o desconhecido, do
facil para o difficil, do commum e trivial para o
menos commum ou mais raro.
Para realisar este preceito maximo, cujo despreso
annularia o systema, convirá que os educadores
não entretenham seus discipulos com objectos
tomados ao acaso, mas que sigam um processo
gradual, lento e invariavel, nunca lhes chamando
a attenção para cousas,
cujos
componentes
[32]
elles ainda não conheçam, nem lhes fazendo
perguntas
para responder ás quaes não estejam habilitados.
Dêmos alguns exemplos. Se praticarmos
com mocinhos a respeito de uma caixa de
pinho, que estejam vendo, poderemos convenientemente
perguntar-lhes o feitio que tem, as partes
de que se compõe, para que serve a tampa,
para que estão ali as argolas e a fechadura; poderemos
interrogal-os ácerca dos usos da caixa, fallar-lhes
do perigo de entalar os dedos quando a
fecharmos, ou de nos ferimos se a tampa cair sobre
as nossas mãos ou cabeça; poderemos ainda indagar
se sabem o nome que se dá aos artistas, que
trabalham em madeira; mas não lhe fallaremos do
pinho, sem que elles tenham visto um pinheiro natural
ou pintado, e a respeito d'esta arvore tenham
adquirido os convenientes conhecimentos.
Se conversarmos ácerca de uma moeda de prata,
bom será perguntar-lhes como se chama aquelle
dinheiro, de que é feito, que feitio tem, por que
não é quadrado, nem triangular (aqui
fará o professor
com o giz no quadro preto a figura do triangulo
e do quadrado), o que tem n'uma e outra
face, que representa a effigie e as armas, para que
serve o dinheiro, etc., etc.; mas abster-nos-hemos
de lhes dizer que a prata da moeda é uma liga de
prata e cobre, se por acaso ainda não souberem o
que é uma liga metallica, nem conhecerem o cobre.
Convém estar prevenido para um caso, que muitas
vezes se deve realisar na pratica d'este ensino.
[33]
A natural prespicacia de alguns meninos e os conhecimentos
adquiridos na convivencia de seus
paes e amigos ou na leitura, se forem já ledores,
habilital-os-hão a fazerem perguntas, a que o educador
não poderá ou não saberá
responder. Quando
isto aconteça, nem se enfade ou envergonhe o educador,
nem illuda a curiosidade infantil, que de
tanto serve n'este systema. Se a pergunta versar
sobre assumpto, que o mestre ignore completamente
ou conheça pouco, isso mesmo declare ao estudante
com toda a franqueza; se fôr attinente a cousas, para
conhecer as quaes o mocinho não esteja preparado,
ou que toquem em pontos, que a decencia não
permitta explanar, diga-lhe sem desabrimento, que
não é tempo ainda de saber o que pergunta.
E para que nem o credito scientifico do educador
soffra detrimento, nem os meninos se desgostem
e abstenham de perguntar, bom será que o
educador a miudo lhes mostre em phrase accommodada
ás suas intelligencias, e por meio de exemplos,
quão numerosos são os conhecimentos humanos,
que é impossivel que todos saibam tudo,
e que, para adquirir sciencia de bons quilates, é
indispensavel ir a pouco e pouco, e não investigar
certas cousas, antes de ter adquirido noções
exactas
de outras.
Para que o ensino intuitivo produsa todos os
bons resultados que d'elle se podem esperar, não
basta progredir do conhecido para o desconhecido,
do simples para o composto; é indispensavel que
[34]
os alumnos não conheçam o plano adoptado pelo
professor, e que não percebam que o que elle lhes
vae ensinando tende a um determinado fim e se
ajusta para os iniciar nas sciencias, cujas leis e
applicações
mais importantes só mais tarde terão de
estudar. Para a realisação d'este importante
segredo
do ensino intuitivo, iremos nós offerecendo aos educadores
em publicações successivas, se esta nossa
tentativa merecer o favor publico, as lições
graduaes,
que deverão constituir um curso completo.
Recommendam os mestres d'esta especialidade,
no intuito de não enfadar os estudantes e de os conservar
attentos, que cada lição não exceda
quinze
ou vinte minutos. Diremos, porém, que a pratica
nos tem mostrado poder ás vezes a
lição prolongar-se
até duas horas e mais, sem que os estudantes
se enfastiem nem deixem de attender ao
que se lhes mostra e explica. Consegue-se este resultado
amenisando a pratica com historietas, de
que os meninos muito gostam, com exemplos, que
elles bem comprehendam, com a citação de
proverbios,
anexins, e anecdotas consoantes ao assumpto
de que se trata, e mais que tudo com
o dialogo mui cortado entre elles e o professor.
Haja sempre n'estas lições a maxima variedade
apparente, tanto no objecto do estudo como na
fórma, no dizer, nas conclusões e até
na collocação
dos objectos e dos estudantes. A monotonia, a ordem,
além de certos limites, entristece a escola e
cança os escolares. A par do ensino das cousas
andará
[35]
sempre o ensino da moral, da hygiene, da
economia domestica, da religião, da
organisação
social, da historia, da geographia, das bellas artes,
de tudo; com preferencia do mais util; mas
sem estudos de cór, sem declamações,
nem theorias
transcendentes, nem listas de nomes de pessoas,
nem datas escusadas; tudo ao de leve, saboroso,
convidativo, e nem assim em grandes dozes,
nem todos os dias.
Permitta-se-nos que ponhamos aqui dois exemplos
de como se deverá proceder n'estes pontos,
e não os tenham na conta de ridiculos, que nada
é ridiculo, quando se trata de espedregar a estrada,
que ha de precorrer a puericia.
Estamos na escola, estudando um objecto qualquer.
Ouve-se ganir um cão na rua. Logo o professor
interrompe o estudo, e pergunta a um dos
escolares, se algum vir distraido, a esse se dirigirá:
P.—Que é aquillo, alli, na rua?
E.—É um cão a ganir,
responderá o
estudante;
e o dialogo proseguirá, pouco mais ou menos, do
seguinte modo:
P.—O cão está ganindo ou ladrando?
E.—Está a ganir.
P.—Quantas qualidades de sons ou vozes produzem
os cães com a bocca?
E.—Não percebo a pergunta.
P.—Eu me explico. Os cães não
estão
sempre
calados...
[36]
E.—Já percebo o que o senhor professor pergunta.
Os cães
ladram.
P.—E quando estão tristes, ou quando ouvem
certos sons, que lhes não agradam, ladram?
E.—Não, senhor,
uivam.
P.—E quando estão a roer um ôsso, e
outro
cão ou qualquer pessoa lh'o quer tirar, o que fazem?
E.—
Rosnam.
P.—E se lhes batem, ou os apedrejam?
E.—Põem-se a
ganir.
P.—Mui bem; os cães, pois, podem
ladrar, ou
latir,
rosnar,
uivar, e
ganir.
Aqui, se os meninos tiverem já conhecimentos
de grammatica, dirá o professor como de si para
comsigo, mas em voz alta: aqui temos cinco verbos,
e repetirá, contando pelos dedos ou batendo
com o lapis na mesa: o verbo
ladrar,
o verbo
latir,
o verbo
rosnar, o verbo
uivar e o verbo
ganir.
E continuará, como quem se está recordando do
que aprendeu: palavras que representam acções
praticadas ou feitas pelo cão.
E logo, como quem se desviou do caminho direito
e a elle volve, dirá ao alumno:
P.—Tenho ouvido dizer a algumas pessoas, que
o
uivo dos cães
é de mau agouro, isto é, que um
cão a uivar annuncia desgraça. Será
verdade?
E.—A minha avó diz que sim, que é
signal de
estar alguem para morrer.
P.—Essa resposta esperava eu.
[37]
Pois fiquem os meninos sabendo, que não ha
agouros, e que
uivar um
cão, ou
cantar um
canario,
ou
relinchar um cavallo, ou
piar um mocho,
ou
cacarejar uma gallinha, ou
miar um gato não
tem influencia nenhuma nos acontecimentos humanos.
E.—Á minha casa vae uma velhinha, que, em
ouvindo uivar um cão, descalça o sapato e
põe-n'o
com a sola para cima, até o animal se calar.
P.—Se os cães uivarem muito em roda d'ella
no inverno, andará sempre com os pés frios.
E.—Então a minha avó mente?
P.—Mente, sem querer. Metteram-lhe uma peta
na cabeça, e ella acredita uma cousa, que não
é verdadeira.
E.—Ora diga-me, senhor professor, se uma pessoa
estiver para morrer e um cão se puzer a
uivar
na rua ou na escada?
P.—O doente morrerá, se Deus quizer que
morra; e viverá, se fôr da vontade divina, que
continue a viver.
E.—Mas como se explica o que aconteceu o
anno passado a um visinho de meu papá?
P.—Conte-me lá essa historia tentim por tentim.
E.—Adoeceu um homem, que morava no primeiro
andar do predio, em que eu habito; veiu o
medico, esteve a examinal-o, receitou, disse que a
doença não era de perigo, e saïu.
Minutos depois
metteu-se na escada um cão e principiou a uivar.
[38]
A mulher do doente foi-se a elle, bateu-lhe com
o cabo da vassoura e pol-o na rua. Quando entrou
em casa, estava o marido morto em cima da cama.
P.—Sabe o menino o que isso foi?
E.—Eu não senhor.
P.—Pois tem pouco que saber. Foi o que se
chama
uma coincidencia. Se
á saïda do medico, entrasse
pela casa dentro um passarinho, dir-se-ia,
que a avesinha viera annunciar aquella desgraça;
se eu por acaso batesse á porta do doente n'aquelle
instante, era eu o agoureiro.
E.—Mas o medico tinha dito, que a doença
não
era de perigo.
P.—E a morte repentina pressente-se horas, ou
minutos antes? E não podem os proprios medicos
morrer de repente, sem que suspeitassem o que
lhes ia acontecer?
E.—Mas o cão uivou!
P.—Diga-me ca o menino uma cousa. Em casa
d'esse homem, que falleceu, não tem estado mais
ninguem doente?
E.—Estiveram doentes dois filhos.
P.—E a mãe mandou chamar medico para os
tratar?
E.—Mandou, sim, senhor.
P.—E não mandou chamar um cão?
E.—Ora essa! Os cães não sabem curar
doenças.
P.—Mas o cão, que uivou, quando o homem
morreu, era mais entendido que o medico, porque
[39]
annunciou a morte, até sem vêr o doente.
E.—O senhor professor está brincando! Os
cães
são brutos, não sabem d'aquellas cousas.
P.—Então como é isso? Não
sabem
d'aquellas
cousas, são brutos, e prophetisam?
E.—Tem razão, senhor professor. Agora vejo
que a minha avósinha anda enganada.
P.—E muito, e faz mal em dizer taes patranhas.
O uivo dos cães é desagradavel aos ouvidos,
aborrecivel por isso, mas não tem a minima
significação.
Aqui poderá o educador dar fim ao incidente,
ou continuar o dialogo, fallando do mau costume
de molestar os animaes, das qualidades do cão,
da raiva e dos meios de a prevenir e curar, etc,
etc.
Ao terminar a lição poderá o educador
convidar
ou os meninos a imitarem o relincho do cavallo, o
carejo das gallinhas, o miar dos gatos, o latido dos
cães, etc.
Este exercicio que a algum fatuo parecerá ridiculo,
ou desnecessario, ou ambas as cousas, tem
as seguintes vantagens: alegra e distrae as creanças,
que jámais fugirão do estudo, quando elle
fôr
recreativo, desenvolve-lhes, e aperfeiçôa-lhes a
natural
tendencia para imitarem, exercita-lhes e robustece-lhes
os orgãos vocaes, e por cima de tudo
não faz mal nem á alma nem ao corpo.
Quem reparar bem no dialogo que deixâmos architectado,
descobrirá quanto ensinamento ha n'elle,
[40]
e perceberá que se pretendeu principalmente combater
uma crença erronea, mas vulgarissima.
Dêmos o segundo exemplo.
Está sobre a mesa ou em cima de outro movel
um ramalhete de flores, que alli se puzéra mui
calculadamente.
Chegada a occasião opportuna, o professor interrompe
a lição e diz:
Meus meninos, descancemos um pouco. Aqui se
faz uma pausa, e todos os rapazinhos exultam e
saltam dos seus logares.
P.—Já viram bem aquelle ramalhete?
E.—Ainda não, senhor.
P.—Pois vão buscal-o, para o examinarmos por
miúdo.
E.—Eil-o aqui.
P.—De que flores se compõe?
E.—De rosas, cravos, camelias, junquilhos, violetas
e cedro.
Se os meninos errarem o nome das flores, ou
os não souberem, irá o professor emendando e
dizendo
lhes como se chamam.
P.—Menino F... (ao que mais atrazado estiver
em contar) conte pelos dedos quantas qualidades
de flôres ha n'este ramalhete.
E.—Rosas,
uma; cravos,
duas; camelias,
tres;
junquilhos,
quatro; violetas,
cinco; cedro,
seis...
Ha seis qualidades de flôres.
P.—Parece-me que se enganou. Veja bem.
E.—São seis, não me enganei.
[41]
P.—E se eu lhe disser que se enganou? E enganou-se,
porque não attendeu bem. Diga-me, o
cedro é flôr?
E.—Tem razão; são cinco. O cedro
não
é flôr.
P.—Está-me parecendo, que nenhum dos meninos
me sabe dizer para que serve este cedro á
roda das flôres.
E.—Eu não sei; eu tambem não;
é, é....
P.—Eu lhes digo para que elle aqui está.
É
para realçar a belleza das flôres, para fazer um
contraste agradavel á vista. Se duvidam desatem
o junco, tirem o cedro, e verão que o ramalhete
perde muito da sua formosura. (Acto continuo, o
educador faz o que aconselhou e mostra o ramo
desguarnecido de verdura).
P.—É ou não é verdade, o que
lhes
affirmei?
E.—É verdade.
P.—Ha entre estas flôres, umas que cheiram, e
outras que não cheiram.
E.—As rosas, cheiram; os junquilhos, cheiram;
as violetas, tambem; as camelias é que não tem
cheiro.
P.—Não me lembro se já lhes disse como
se
denominam as substancias, que tem cheiro?
E.—Denominam-se
odoriferas.
P.—E as que não teem cheiro?
E.—
Inodoras.
P.—E todas as substancias, que tem cheiro,
cheiram bem?
E.—Não, senhor.
[42]
P.—E todas as flôres cheirosas, possuem cheiro
agradavel?
E.—Nem todas.
P.—Digam-me agora outra cousa. O cheiro das
flôres é bom ou mau, para a saude?
E.—Não sabemos.
P.—Pois vão saber uma verdade, que
jámais
devem esquecer. Attendam. Ha pessoas a quem o
arôma das flôres incommoda e faz adoecer;
causa-lhes
dôres de cabeça, enjôos de estomago,
tonturas,
e outros padecimentos. Muitas flôres, e ás vezes
poucas, mas de cheiro forte, n'uma casa mal
ventilada, podem envenenar quem alli estiver. Dormir
com flôres na alcôva é muito perigoso, e
sabe
Deus quantas molestias este mau costume terá
originado. Por agora basta que saibam isto, para
se acautelarem; em outra occasião lhes explicarei
como é que as plantas e flôres alteram a pureza
do ar e o tornam doentio.
É por este theor que nos animos infantis se podem
inocular conhecimentos praticos de quantas
sciencias ha, de modo que as crianças, ao sairem
das escolas, levem copia immensa de noções
utilissimas
para todas as circumstancias da vida.
De grande proveito nos parece que os meninos
mais desembaraçados na escripta tenham um caderno
onde todos os dias vão escrevendo mui laconicamente
o assumpto da lição, e o que da mesma
lhes pareça mais digno de se conservar na memoria.
[43]
Evite-se, porém, que n'estes summarios, ou indices
menemonicos, se empreguem palavras escusadas
e se commettam erros de grammatica.
De principio convirá que o educador, ao findar
a lição, ensine aos meninos como o registro deve
ser feito; depois ordenar-lhes-ha que o redijam em
suas casas, e que lh'o apresentem no dia seguinte,
para ser emendado.
E como a extrema concisão seja a melhor qualidade
de taes escriptos, aqui pômos um paradigma,
para governo de educadores e educandos.
Referimo-nos ao primeiro dialogo, que atraz fica
exarado.
Registro
Assumpto.—Um cão a
ganir.
Sons, que os cães produzem com a
bocca: Latido,
uivo, rosnadura, ganido. São substantivos. Ladrar,
ou latir, uivar, rosnar, ganir.—São verbos.
Agouros.—Não os ha.
Vozes de differentes
animaes.—Cão,
ladra; canario,
canta; cavallo,
relincha; mocho,
pia; gallinha,
cacareja; gato,
mia.
O
uivo dos cães
não indica, nem póde indicar
a morte de ninguem, nem desgraça nenhuma. Se
um cão uiva, pouco antes de morrer alguem, este
facto é apenas uma coíncidencia, um accaso.
O professor exigirá que os meninos, nas respostas
[44]
que lhe derem, empreguem sempre phrases
completas, conformes ás leis grammaticaes,
simples e curtas quanto fôr possivel.
Reputa-se de grande utilidade n'este ensino a
repetição individual e simultanea.
É um processo excellente, para conseguir que
mais fundas se gravem certas especies no espirito
dos alumnos, e para corrigir defeitos de expressão
e pronuncia. No repetir em côro se deleitam as
crianças muito, mormente se o tom das vozes não
é tristonho, mas alegre, musical, variadissimo.
Ao minimo erro de regencia, de concordancia,
ou de pronuncia, acudirá logo o professor com a
indispensavel advertencia, e tanto mais clara e fervorosa,
quanto mais grave fôr o erro. Suppunhâmos
que um menino diga
somentes em vez
de somente,
faz-le por faz-lhe,
traz por traze,
Madanela
por Magdalena, ou qualquer outra das infinitas
corruptelas, que deslustram a nossa lingua, e que
a cada momento se nos deparam até na
conversação
e escriptos dos doutos, e em documentos officiaes.
Acto continuo advertil-o-ha o professor de que
tal palavra não foi bem pronunciada, e o
convidará
a que a repita correctamente. Se o estudante não
atinar a emendal-a, repita-lh'a o professor cuidadosamente
partida em syllabas, acompanhando
cada uma d'estas com uma pancada sobre a mesa
[45]
com o ponteiro ou com a mão. Ouvida que seja a
palavra assim pronunciada, repetil-a-ha o estudante
tantas vezes, quantas seja necessario, para
que a não altere, e após este exercicio dil-a-ha
tão
rapidamente como é de uso dizer-se. Se ao professor
parecer conveniente, ordenará que outros
estudantes façam o mesmo exercicio individualmente,
e por fim mandará que a palavra ou phrase
seja cantada pela classe inteira, attendendo muito
a que o erro, que se pretendeu emendar, se não
repita. O que fica dito ácêrca das palavras em
especial
applica-se em cheio ás phrases compostas
de muitas palavras.
A falta de ordem e clareza no dizer é defeito
grave, mas communissimo, que tem raizes na escola
primaria, e que por isso mesmo ou nunca se
perde ou só com muito trabalho se consegue extirpar.
A fim de prevenil-o e de combatel-o comece
o educador dando exemplo de imperturbavel ordem
na exposição, de esmerada escolha dos termos, de
grande sobriedade nos incidentes, e de irreprehensivel
rigor nas conclusões; tudo isto sem apparato,
nem maneiras artificiosas, que revelem os intentos;
e esmere-se em inspirar aos que o ouvirem o
gosto de bem fallar, cortando todas as
imperfeições
mal apontem nos
labios
infantís. Cabe n'este
logar uma recommendação, nunca assás
repetida.
Nas ruas, nas aulas, nos theatros, nas
conversações
familiares, e, quando Deus é servido, até no
[46]
parlamento, e na imprensa proferem-se a miudo
palavras e phrases, que, com quanto não sejam
deshonestas, são tão grosseiras e plebeas, que
nenhuma
pessoa delicada as deveria empregar. Quasi
sempre se ignora a origem d'aquelles termos,
muitos d'elles, diga-se a verdade, sobremodo expressivos
e por vezes engraçados, mas que nem
por isso deixam de ser baixos e vis. Em evital-os
seja fervorosissimo todo o educador, sem comtudo
levar o zelo até ao ponto de banir da
conversação
escolar as locuções pittorescas e
folgazãs, que alegram
a linguagem, sem mareal-a.
Assim como as leituras e recitações soturnas,
pesadas, substanciosas, e extensas, aborrecem ás
crianças e não lhes prendem a
attenção, assim a
poesia ligeira, as historias singelas, as fabulas e
apologos, as anecdotas e proloquios lhes aprazem
sobremodo e de tal arte se lhes apegam á memoria,
que não mais as esquecem.
Verdade é que Voltaire arguïu os fabulistas de
quererem ensinar as verdades moraes por um processo
essencialmente mentiroso, pondo a fallar animaes
e plantas; e condemnou a leitura e recitação
de taes composições nas primeiras edades. Tem
porem mostrado a experiencia que Esopo, Phedro,
La Fontaine e Lessing, com os seus artificios poeticos
moralisam mais, e muito mais que a
Introducção
á vida devota, que o
Flos
Sanctorum, e
que o
Thesouro de meninos, e quantos
outros escriptos,
[47]
ainda que sejam verdadeiros na essencia e
correctos na fórma, se hão publicado para
edificação
das almas, mormente em quanto n'estas se não ha
robustecido a faculdade de raciocinar. Aproveitem-se
pois d'este meio os educadores, lendo de vez em
quando á escola uma fabula, que tenha
relação com
os objectos, que se estudam, e fazendo-a decorar;
contando a proposito uma anecdota, ou repetindo
algum dos muitos e verdadeirissimos rifões, de que
tão rica é a lingua portugueza. Dos bons poetas
nacionaes, tanto modernos como antigos, poderá o
educador escolher infinita copia de versos em todos
os generos, com os quaes irá perfumando as
lições e desenvolvendo na puericia o gosto da
poesia,
que alarga a imaginação, modifica e reprime
as ruins paixões, consola o espirito, e o dulcifica
e embalsama. Fuja, porem, como de peste, de versos
máos ou mediocres, não esquecendo jamais que
a poesia é, no dizer de
um dos mais elegantes e
profundos escriptores de Portugal, o sr. Latino
Coelho,
a grandeza e o nada; o mundo e o atomo;
a gloria e a humiliação; o triumpho e o martyrio;
o genio e a loucura.
No ensino intuitivo, a faculdade que mais cuidadosamente
se deve dirigir, desenvolver, e approximar
da perfeição é a faculdade de
comparar, cujos
defeitos inutilisam os esforços das faculdades,
que a antecedem, e obstam a que as superiores se
exerçam como é mister. São
innumeraveis e quasi
sempre facillimos os processos de comparação de
[48]
que o educador poderá fazer uso, desde a
confrontação
de dois feijões, ou de dois alfinetes, etc., até
ao
estudo comparativo de duas poesias, de duas obras
de arte, do caracter de dois homens notaveis, de
duas epocas historicas. Não ha palavras para encarecer
os resultados, que os estudos d'esta ordem
produzem e a influencia que exercem no desenvolvimento
intellectual e moral das crianças.
A par com o estudo das cousas, podem e devem
marchar os exercicios attinentes ao aperfeiçoamento
dos sentidos externos, e os preceitos consoantes á
sua hygiene. Todos terão observado que o exercicio
de certos orgãos concorre por muito para que
os mesmos se apurem e tornem cada vez mais delicados.
Os homens do mar, acostumados a olhar
muito ao longe, e a buscarem a grandes distancias
um objecto perceptivel, excedem sempre em perspicacia
os que teem vivido encerrados em horisontes
menos extensos.
Um musico, habituado a reger orchestras, percebe,
ainda mesmo nos cheios, se qualquer dos
executantes deu uma nota errada, ou commetteo
outro erro. Cegos tem havido, que pelo apalpar distinguem
nos corpos qualidades, que pertencem ao
dominio da visão, e executam trabalhos manuaes
difficeis e delicados, como aquelle cego de nascença,
de que falla o sr. dr. Centazzi na sua
Medicina
e
Hygiene Popular, que existia na
cidade
[49]
de Faro, no Algarve, e que fazia peões, cubos, e
outras obras tão perfeitas, como as dos mais habeis
mestres. Dos provadores de vinho se sabe
quão facilmente reconhecem pelo paladar o merito,
idade, pureza, e proveniencia do precioso liquor.
Não se deve esperar que a gymnastica dos sentidos,
por mais bem dirigida que seja na casa paterna
e nas escolas infantís e primarias, venha a
produzir tão miraculosos resultados; mas é
indubitavel,
que lhes corrigirá muitos defeitos, e que
de dia para dia os hade ir tornando mais apropriados
aos importantissimos fins, para que a natureza
os destinou.
Os paes em suas casas, e os professores nas escolas
poderão começar a gymnastica dos sentidos
pelo exame e comparação das côres.
Mostrarão
primeiro aos educandos o vermelho, amarello,
verde, azul, preto, branco; depois differentes
gradações
de cada uma d'estas côres; em seguida as
côres de transição; apoz estas, todas
as mais, que
fôr possivel apresentar-lhes. A pouco e pouco
lh'as
irão nomeando, e fazendo notar tudo quanto convier
que elles saibam a tal respeito. Ao conhecimento
das côres poder-se-hão seguir
exercicios tendentes
a apurar a vista, taes como a inspecção de
objectos collocados a distancia cada vez maior; a
leitura ao longe, e a pesquiza de algumas estrellas,
planetas e constellações, cuja
posição no espaço
previamente se lhes tenha mostrado no mappa.
Por meio de processos analogos se podem educar
[50]
os outros sentidos, ensinando-se ao mesmo
tempo milhares de cousas.
Tambem os mestres do ensino intuitivo, recommendam,
que se acostumem os meninos a lerem
e a exporem elegante, exacta, e correctamente. Em
algumas escolas temos notado quão pouco os professores
attendem a esta parte do ensino, consentindo
que os estudantes exponham as lições e respondam
ás perguntas, que se lhes fazem, com
extrema negligencia; negligencia na pronunciação
das palavras, cujos sons elementares falseam; negligencia
na declamação, que por muito precipitada,
ou por extremamente preguiçosa, se torna monotona
e insuportavel; negligencia na coordenação
das idéas componentes dos raciocinios, e negligencia
na disposição d'estes.
Acudir com remedio a tantos defeitos é empreza
ardua e enfadonha, mas de que não ha de levantar
mão o bom educador, sendo o seu primeiro e persistente
cuidado desarreigar os vicios da pronunciação,
que principalmente na côrte, trazem adulteradissimo
o mais elegante e donairoso de quantos
idiomas se fallam no mundo, se exceptuarmos o italiano,
ao qual, não obstante a sua nativa belleza e
abundancia, não é somenos.
Daria um livro a só enumeração das
transgressões
das regras orthoepicas, que a cada momento
se ouvem até em boccas de ouro; tão irresistivel
é
a força dos maus exemplos! De entre as mais vulgares
[51]
citaremos, para amostra, o accrescentamento,
ou paragoge de um
e mudo ao infinito
dos verbos,
dizendo-se:
amare,
fazere,
comere,
partire,
pore,
etc., em vez de amar, fazer, comer, partir, pôr. O
mesmo accrescentamento ao final das palavras,
que terminam em consoante, proferindo-se:
sole,
flore,
mulhere,
metale, em logar de sol, flor,
mulher,
metal; o emprego do
a grave, onde
deveria
soar
e fechado, pronunciando-se
espâlho,
panha,
tanha,
etc., por espelho, penha, tenha. A substituição
grosseirissima de
le a lhe, dizendo
se
dei-le,
mostrei-le,
quizera-le, em vez de dei-lhe,
mostrei-lhe,
quizera-lhe; bem como o emprego de
lhe,
quando este pronome se refere a mais de uma pessoa
ou cousa, e de
lhes, quando a
referencia é a
uma só cousa ou pessoa. O emprego de
i em logar
de
e em muitas palavras taes como
dedal, dedeira,
deante, empenho, emprestar, que a mór
parte da gente pronuncia:
didal,
dideira,
diante,
ou
diente,
impenho, ou
impanho,
imprestar.
De tanto e tão damninho joio irá o educador
arrancando
diariamente muitas mãos cheias, desafogando
a linguagem de todos quantos senões n'ella
fôr descobrindo, afim de que mais tarde, quando
os meninos entrarem a estudar os segredos da
elocução,
nem elles, nem os professores tenham de
perder muito tempo e muita paciencia em os debellar.
E não sómente aos erros da
pronunciação
se ha de ir applicando prompto e efficaz remedio,
mas tambem aos gallicismos e plebeismos de que
[52]
está inçada a nossa lingua, mórmente
aos que respeitarem
á composição das phrases, havendo o
maximo
cuidado em não atordoar as cabeças dos
estudantinhos
com preceitos de grammatica e considerações
philologicas.
Se um menino disser: Vi hoje na
montra de um
livreiro uma linda estampa; accudirá logo o educador:
Não se diz
montra; diz-se
mostrador; e
fará que o mocinho repita a phrase, substituindo o
termo peregrino e escusado pela palavra portugueza.
Diz outro:
Houveram hontem muitas
festas
de egreja; emendará sem demora o educador:
Houve hontem muitas festas de egreja; e convidal-o-ha
a que emende o erro. Se algum
menino
lhe perguntar a razão por que tal palavra ou phrase
se não deve dizer, a resposta será regulada pela
idade, intelligencia e adiantamento do interrogante,
de modo que, se elle fôr pequenino e muito noviço
em materias grammaticaes, só lhe dirá: Essa
palavra não se deve empregar porque é estranha
á nossa lingua e desnecessaria; essa phrase não
é
admissivel, porque não é conforme ás
leis da grammatica,
que é a sciencia de bem fallar. E ahi fica o
educando insensivelmente sabedor de que a phrase,
que empregou, não é boa; de qual ou quaes a devem
substituir; de que o discurso está subjeito a
leis; e de que a sciencia de fallar correctamente se
chama grammatica.
Quanto mais não valerá a advertencia
despretenciosa,
que valeria um discurso mui chorudo de
[53]
citações e palavras latinas e gregas! Se o
pequenito,
que os ha amigos de discutir e aferrados á
propria opinião, não largar voluntario a palavra,
que ouvira ou lêra, bom será convencel-o,
não
com argumentos scientificos, salvo se a sua intelligencia
os poder comprehender sem custo, mas
por meio de um simile. Poder-se-lhe-ha ponderar
que assim como ninguem rasoavelmente vae pedir
emprestadas aos visinhos cousas de que tenha abundancia
de portas a dentro, nem vae ao mercado
comprar fructa ruim, tendo-a famosa no quintal, a
bater-lhe nas vidraças, assim os portuguezes de
bom juizo e sufficiente instrucção,
não devem andar
tomando palavras e maneiras de dizer a estranhos,
quando até para repartir com elles lhes
sobram muitas.
Para conseguir que as crianças leiam e fallem
com elegancia, e n'isto vae o segredo da perfeitissima
declamação, a primeira cousa, que o educador
tem a fazer, é acostumal-as ao rhythmo, tão bem
aproveitado pelo sr. Visconde de Castilho no seu
Methodo de leitura repentina.
Por pouco que se pense na organisação de todo
o apparelho vocal (pulmões, larynge, bocca e narinas)
nas relações d'aquelles orgãos e no
mechanismo
da voz, facilmente se perceberá, que a palavra,
no que tem de physico, é verdadeira musica,
com seus sons naturaes e accidentaes, com sua
oitava, com escalas ora mais, ora menos extensas,
com os seus tempos, já breves, já longos, e
até
[54]
com a expressão e timbre variadissimo, que ás
vibrações
sonoras e musicaes, imprimem os instrumentos.
Ora, como não ha musica, que tal se possa chamar,
sem rhythmo e expressão, claro está que a
voz humana, para satisfazer ás
condições da arte,
e bem servir a intelligencia, de que é a melhor reveladora,
e até parte integrante, no dizer de Condillac,
deve ser rhytmica e expressiva.
Para que estas duas essenciaes qualidades lhe
não faltem é indispensavel em primeiro logar, que
o educador habitue os meninos a obdecerem escrupulosamente
ao compasso, na pronunciação dos
sons elementares (vozes e consonancias) na dos
compostos (diphthongos e syllabas) e na recitação
das palavras, que só poderá ser perfeita, quando
tiverem sido previamente divididas em tantos tempos,
quantos forem seus elementos syllabicos. Depois
de bem amestrados por meio d'estes exercicios
na leitura auricular das palavras, que o educador
para tal fim lhes ditará em voz bem intelligivel,
palmeando as primeiro mui
vagarosamente,
depois um poucochinho mais depressa e por ultimo
com o natural andamento, passarão os meninos a
ler por cima, como é uso
dizer-se nas escolas.
Chegado a este ponto terá o educador de desvelar-se
muito em supprir a extrema penuria da
orthographia, não tanto no tocante á
representação
dos sons constituitivos das palavras, no que
muito falta, como no que se refere á divisão
logica
[55]
das orações, ás variadissimas
pausas, que ha
de fazer o bom ledor e recitador perfeito; ás infinitas
intonações de que carecem as palavras, as
proposições, os periodos e até um
mesmo vocabulo
conforme a idéa que revela
[1].
Ler ou fallar sem intonações, sem pausas, sem
as devidas quantidades, sem dar ao que se lê ou
falla o natural colorido, e o relevo indispensavel,
vale tanto como querer executar em um piano miseravelmente
desafinado os primores de Rossini,
Donizetti, Bellini, Meyerbeer ou Marcos Portugal.
E não obstante serem intuitivas todas estas verdades,
muitissimas pessoas ha, que as desconhecem,
e muitas que, não as desconhecendo, como
que se aprazem de ler e fallar por modo tal, que
provocam tedio e somno.
Daria optimo resultado, como tivemos opportunidade
de mostrar praticamente a um educador,
sempre avido de se aperfeiçoar, e em extremo benevolente
para comnosco, a introducção nas escolas
infantís e primarias, para o ensino e
aperfeiçoamento
[56]
da leitura e recitação de um
processo
analogo ao adoptado pelos regentes de orchestras
e bandas marciaes no estudo das peças concertantes.
Consiste elle em se collocarem os meninos em
pé ou assentados, mas conservando direitos os troncos
e naturalmente levantadas as cabeças
[2] em
frente de estantes ou mesas, onde estejam abertos
os livros. Em logar elevado, de modo que todos
os escolares o vejam, está o educador em pé,
batuta
na mão, olhos no livro e olhos na turba. Primeiro
lê elle pausadamente em voz alta, com todo
o esmero, um periodo, marcando o compasso com
a batuta, repetindo duas ou mais vezes as palavras,
que lhe parecerem mais difficeis de pronunciar,
e corrigindo sem o minimo acanhamento os
proprios descuidos. Feito este ensaio, manda ler o
mesmo trecho ao estudante mais adiantado, depois
a outro e outro, reservando para o fim os menos
habeis, para que tenham tido tempo de se amestrar.
Findo que seja este segundo exercicio, e tomado
algum descanço, dará o signal de
attenção e mandará
ler em côro, indicando sempre com a batuta,
[57]
como se estivesse regendo uma orchestra, todas as
modificações da voz, que a leitura exigir.
A estes estudos, que bem se podem chamar de
leitura coral, podem-se accrescentar outros, excellentes
para exercitar os meninos na declamação, e
mui bem acceitos do bando infantil, que consistem
primeiramente na leitura, e depois na recitação
de
cór, de pequenos dialogos, fabulas, e entremezes,
em que haja um côro e dois, tres, ou mais interlocutores.
Composições d'este genero facilmente se
obtem, e quando se não achem, sem muito custo
as póde architectar o professor.
A par dos exercicios de leitura e recitação se
póde ir cultivando a intelligencia dos meninos, e
acostumando-os a pensarem e a exprimirem-se com
certo rigor logico. Nada ha mais facil.
Umas vezes elles mesmos subministrarão ao
educador assumpto de molde para os seus conselhos
e advertencias, outras vezes far-lhes-ha e educador
uma pergunta ou lhes proporá um problema,
e nas respostas irá notando as transgressões das
leis da logica, que porventura commetterem, nunca
saindo do campo da pratica para o das theorias,
nem usando da terminologia scientifica, que nas
idades tenras assusta, desgosta e não instrue.
Cerraremos estas considerações lembrando aos
educadores a vantagem de excitar nos estudantes
o amor do estudo pelo emprego de premios e
distincções.
[58]
Se no dizer de Christo «Todo o que trabalha é
digno de recompensa»
Dignus est enim
operarius
mercede sua, qual será a razão
por que se não
hade galardoar o bom
comportamento,
a assiduidade
no estudo, o aceio, e o progresso dos meninos?
Se nas escolas superiores ha premios annuaes
para os alumnos distinctos, se as academias os offerecem
aos sabios, que cabalmente satisfazem aos
seus programmas; se aos que triumpham nos certames
das artes e da industria se concede a menção
honrosa, o
accessit, a medalha de
prata ou a
de ouro; se ha palmas e corôas, e ramalhetes, e
brindes para o actor eximio, e até para o que na
praça lucta com o touro embravecido, de melhormente
se devem premiar as criancinhas, para as
quaes o estudo, por mais que lh'o procuremos amenisar,
hade ser sempre tarefa improba e tediosa.
Hade porém haver na concessão das
distincções
e premios escolares a maxima parcimonia e inteira
justiça, para que nem a prodigalidade lhes diminua
o valor, nem a parcialidade os torne, em vez de
incentivo do bem, facho de discordias, e origem de
malquerenças.
E assim como a advertencia e a reprehensão se
não devem fazer esperar, commettida a falta, assim
tambem se não deve demorar, nem regatear o
galardão
aos que o merecerem.
Finda a semana, a cada um se dará com certa
solemnidade ou o diploma, ou a medalha, ou a
estampa, ou o livro, ou o brinquedo, mas nunca
[59]
gulodices ou cousas, que os possam prejudicar.
Além d'estes estimulos, bom será que annualmente
haja, como em muitos collegios se usa, uma
sessão publica consagrada á
glorificação dos que
mais se houverem distinguido.
Ponhamos aqui ponto, não porque hajamos dito
quanto se poderia recommendar aos educadores
relativamente á difficilima empresa de iniciar as
criancinhas nas sciencias e na virtude, mas porque
exposto fica o que mais lhes convem saber para o
bom emprego do ensino intuitivo, que nos proposemos
vulgarisar, convencidos da sua muita utilidade.
Os exemplos que seguem, não entram no
plano de ensino intuitivo
gradual,
que, se Deus fôr
servido, daremos á estampa; são tão
sómente uma
amostra, pela qual se possa fazer idéa do systema.
Preferimos para estes exemplos os assumptos e
objectos, que nas suas primeiras lições trataram
Braun e Mayo, insignes pedagogistas, que em materia
de educação tem prestado relevantes
serviços
á humanidade, adquirindo incontestavel direito a
esta humilde, porém sincera homenagem
[3].
[60]
E já que fallámos de pedagogistas de tamanha
nomeada, honremos aqui tambem outro escriptor
e pedagogo notavel, o sr. J. Rambosson, cuja ultima
obra, publicada em fins do anno de 1872: «
A
educação maternal conforme as leis da
natureza,»
não inferior á tão justamente
applaudida: «
Educação
das mães de familia,» de
Aimé Martin, hade
forçosamente contribuir muito para a reforma do
actual viciosissimo systema de educar a infancia,
do qual o sr. Rambosson diz estas tão tristes,
quão verdadeiras palavras:
Il n'existe rien
sous ce
rapport, ni chez nous ni ailleurs; on ne peut appeler
éducation ce que se pratique pour cet
âge.
PRIMEIRA
LIÇÃO
Ao entrarem a primeira vez na escola a maior
parte dos meninos receiam; muítos d'elles temem.
Que receiam e que temem?
Receiam e temem a ausencia e desamparo temporario
de suas mães e paes; o affastamento de
seus irmãos e criados; o professor, que desconhecem;
os condiscipulos, que nunca viram; a casa
da aula, que lhes é estranha; a sciencia que ignoram.
Quanto mais pequeninos, mais desconfiados se
apartam do ninho seu paterno, mais desbotadas
levam as faces, mais tremem e se angustiam ao
aproximarem-se do templosinho modesto e sereno,
que se lhes afigura medonho ergastulo.
[61]
Na repugnancia, que os meninos tem á escola,
são quasi sempre culpados os paes e as mães,
porque, em vez de amoravelmente lhes fallarem
d'ella, de lhes mostrarem que está alli o alvorecer
de todas as artes e sciencias, de lhes dizerem que
é aquella a unica porta por onde se entra á vida
publica, na qual terão, quando homens, de tomar
parte, de lhes explicarem a missão do professor e de
lhes expenderem que n'elle accrescem aos deveres
de mestre os de amigo e patrono; nada d'isto fazem,
e só invocam o santo nome da escola, quando
irritados pelas travessuras das crianças, que não
querem ou não sabem remediar com brandura,
bons conselhos, bons exemplos e moderadas
correcções,
pretendem aterrorisal-os, apontando-lhes
para aquella... penitenciaria.
Como ha de amar a escola e appetecel-a, e correr
para ella voluntario e risonho o menino, a quem
se não fartaram de dizer: «Não te
aquietas? Irás
para a escola, onde te farão estar quedo, quer queiras,
quer não queiras.» «Não
aprendas agora, que
o professor depois, com a palmatoria te metterá
no bom caminho.» «Por mais que te ralhe,
não te
emendas, tudo rasgas, tudo quebras; deixa-te ir
para a escola;... farei queixa ao professor, elle te
porá as uvas em pisa»
[4].
A fim de remediar estes
deploraveis vicios da educação domestica, de
tranquillisar
o estudantinho, de familiarisal-o com o professor
[62]
e com os alumnos e de infiltrar-lhe n'alma
o amor da escola e do estudo, adopte-se o seguinte
modelo de recepção, ou outro melhor, mas pouco
mais ou menos do mesmo padrão.
Professor.
[5]—Venha
cá, meu menino; como se
chama?
Estudante.—Viriato.
P.—Viriato é o seu primeiro nome; desejo
tambem saber o seu sobrenome e appellido.
E.—Chamo-me Viriato Henrique de Oliveira.
P.—Bonito nome. Para corresponder a elle terá
o menino de ser valente, destemido, muito amante
da sua patria e muito bom. Sabe porque?
E.—Não, senhor.
P.—Eu lh'o explico. Viriato foi um pastor da
Serra da Estrella, tão amigo da patria e dos patricios,
que para impedir que os romanos os escravisassem,
largou o cajado, abandonou os rebanhos,
que apascentava, tomou armas, aggregou a
si outros valentes, e por muitos annos desbaratou
[63]
os exercitos estrangeiros, envergonhando generaes
aguerridos, e grangeando fama eterna. D. Henrique
foi outro militar de grandes dotes, e que tanto se
distinguiu na guerra contra os mouros, que enchiam
a Hespanha e a nossa terra, que, em premio de
seu valor veiu a casar com D. Theresa, filha de
um rei mui poderoso, da qual nasceu D. Affonso
Henriques, primeiro monarcha portuguez.
E para que todo o nome do menino seja de bom
agouro, até lhe pozeram o appellido de Oliveira,
que é uma arvore muito util e agradavel, symbolo
da paz, de cujos fructos, as azeitonas, se tira o
azeite, que é o melhor e mais precioso oleo, que
se conhece. Mas deixemos o azeite e a oliveira,
que ainda lhe quero fazer mais perguntas.
Como se chama o seu papá?
E.—Antonio Joaquim de Oliveira.
P.—Que emprego tem elle?
E.—É militar.
P.—E o menino quer tambem ser militar?
E.—Não, senhor; quero ser medico.
P.—Bom é que não sigam todos a mesma
carreira;
haja militares, para defenderem a patria dos
inimigos estranhos, e para manterem o socego e a
ordem, que são a primeira necessidade dos povos;
e haja medicos para curarem os doentes, e para
nos ensinarem o que devemos fazer para não enfermar.
Que edade tem o menino?
E.—Nove annos.
P.—O seu papá tem mais filhos?
[64]
E.—Tem mais tres.
P.—Os filhos do seu papá e da sua mamã
o
que são ao menino?
E.—São meus irmãos.
P.—Como se chamam os seus manos?
E.—Thomaz, Clemente e Valeriano.
P.—Dos quatro qual é o mais velho?
E.—É o Thomaz.
P.—Porque é elle mais velho?
E.—Porque nasceu primeiro que os outros.
P.—Se Thomaz é o mais velho, porque nasceu
primeiro que os outros, como designará o ultimo
nascido?
E.—Direi que é o mais pequeno.
P.—Melhor é dizer que é o mais novo.
Onde
mora o menino?
E.—Na rua da Alegria.
P.—Caspite! Quem mora na rua da Alegria não
deve ser triste.
Após esta pratica com os recem-entrados poderá
o professor ou professora convidar os que souberem
contar a contarem os estudantes, que estiverem
na escola, e a designar pelos nomes os que forem
seus conhecidos.
P.—Menino Viriato
[6]
quantos condiscipulos tem
aqui?
[65]
E.—Não sei.
P.—Não sabe, porque ainda os não
contou;
conte-os em voz alta.
E.—Um, dois, tres, etc.
P.—Agora, que sabemos quantos traquinas aqui
estão, diga-me os nomes dos seus conhecidos.
E.—Aquelle é Francisco; aquelle é
Antonio;
aquelle, que está ao pé da janella, tambem se
chama
Francisco, etc.
P.—Ha n'esta aula tres Franciscos, como é que
os havemos de distinguir de modo que, ao chamar
um d'elles, não acudam todos tres?
E.—Não sei.
P.—Nada mais facil; bastará accrescentar ao
primeiro nome de cada um o appellido da familia;
teremos: Francisco de Mello; Francisco de Aguiar
e Francisco Loureiro. Quando differentes pessoas
ou cousas tem o mesmo nome, é indispensavel juntar
ao nome que lhes é commum, outro, para que
as possâmos designar sem confusão. Os meninos
tem nas suas casas cópos de differentes tamanhos,
para differentes usos; a uns chamam cópos
d'agua,
a outros cópos
de vinho,
a outros cópos
de liquor.
O mesmo fazemos com a fructa. Ha muitas
qualidades de pêras; para distinguil-as denominamol-as
pêra
parda, pêra
virgulosa, pêra
bojarda,
pêra
flamenga, etc.
Finda que seja a segunda phase d'este colloquio,
tenue, mas conveniente para desassombrar o espirito
[66]
dos estudantinhos, passará o professor a fazer-lhes
outra ordem de perguntas.
P.—Como se chama, meus meninos, esta casa,
onde estamos?
E.—Chama-se escola.
R.—Para que vem os meninos á escola?
E.—Para aprender.
R.—Que vem os meninos aprender?
E.—A ler, escrever e contar.
P.—Assim é; mas na escola além de ler,
escrever
e contar, ensinam-se muitas outras cousas
agradaveis e uteis, as quaes todas concorrem para
tornar os meninos instruidos e virtuosos. Querel-as-heis
aprender tambem?
E.—Queremos, sim, senhor; queremos.
P.—Ha um adagio, que diz:—
O que se ha de
fazer, faça-se; sigamos o adagio e
comecemos
desde já o nosso estudo, examinando os objectos,
que estão n'esta aula. (Aqui mostrará o professor
aos estudantes o
quadro preto[7] a
que muitos impropriamente
chamam pedra). Qual dos meninos
tem um objecto como este em sua casa?
E.—Eu não; eu tambem não.
P.—Sabem como se chama?
[67]
E.—Chama-se
pedra.
P.—Assim o denominam alguns, mas impropriamente.
Isto não é de pedra, é de pau,
é de madeira. Ha n'esta casa alguma cousa de
pedra?
E.—As hombreiras da porta e das janellas.
P.—E nada mais?
E.—As ardosias, que trouxemos para fazer contas.
P.—O menino F. respondeu muito bem; essas
laminas pretas, a que chamâmos ardosias ou lousas,
e as pennas com que escrevemos n'ellas, são
pedaços de pedra. Querem ver a differença, que
vae da pedra á madeira? Batam com os dedos nas
ardosias; agora venham aqui, e batam n'isto, a
que deram o nome de pedra. Todos percebem a
differença do som.
E.—É verdade.
P.—Como chamaremos, pois, a este objecto?
Eu lh'o digo. Chamar-lhe-hemos o
quadro, ou a
taboa; e como esta madeira
está pintada, poderemos
acrescentar ao nome quadro outro nome, indicativo
da côr, que tem.
E.—Poderemos dizer:
Quadro preto.
P.—Mui bem. Agora dir-me-hão para que serve
o quadro preto.
E.—Serve para n'elle se escrever.
P.—(Mostrando um pedaço de giz). Sabeis o
que é isto?
E.—É um bocado de
giz.
[68]
P.—Para que o tenho eu aqui?
E.—Para escrever no quadro preto.
P.—De que côr é o giz?
E.—É
branco.
P.—(Mostrando a esponja). Como se chama
est'outro objecto?
E.—Chama-se—
esponja.
P.—Para que temos aqui esta esponja?
E.—Para apagar as lettras e as figuras, que se
fizeram no quadro preto.
P.—Não poderiamos apagar a escripta com o
lenço de assoar?
E.—Poderiamos, sim, senhor; mas ficaria sujo,
e sujar-nos-hia o fato.
P.—Respondeu muito bem. E porque razão
não
apagâmos as lettras com as mãos?
E.—Porque ficariam sujas, e sujar-nos-hiam
tambem o fato.
P.—Quando por qualquer motivo tivermos sujado
as mãos, que deveremos fazer?
E.—Limpal-as.
P.—De quantas maneiras se limpam as mãos?
E.—Esfregando-as n'um panno, ou lavando-as.
P.—Como ficam ellas mais desenxovalhadas,
esfregando as n'um panno, ou lavando-as?
E.—Lavando-as.
P.—Como se chamam as peças de roupa, de
que nos servimos para enxugar as mãos depois de
as termos lavado?
E.—Chamam-se—
toalhas de
mãos.
[69]
P.—Trazer as mãos limpas é garridice,
ou
necessidade
e dever?
E.—É necessidade e dever.
P.—Para que é necessario trazer as mãos
aceiadas?
E.—Para não mancharmos aquillo em que mechermos,
e para não enojar as pessoas, que nos
virem ou a quem prestarmos algum serviço.
P.—A sugidade das mãos prejudica a saude?
E.—Não sei.
P.—Prejudica, e muito; em primeiro logar porque
obsta á transpiração, isto
é, á saïda da agua e
suor, que continuamente estão atravessando a pelle;
em segundo logar porque, indo com as mão sujas
aos olhos, poderemos inflamal-os e originar doenças,
que ou nos enfraqueçam a vista ou nos acarretem
a cegueira. Quantas vezes ao dia deveremos
lavar as mãos?
E.—Quantas fôr necessario.
P.—Acertadamente responderam; mas não
será
escusado dizer-lhes que invariavelmente as devem
lavar pela manhã, ao erguerem-se da cama; antes
e depois do almoço, jantar e ceia, ou de qualquer
outra refeição; ao sair e entrar em casa;
afóra as
outras vezes, que o aceio o exigir. Passemos a outro
assumpto. (Apontando para o cavallete.) Qual dos
meninos me saberá dizer o nome d'aquelle objecto?
Silencio.
P.—Menino Carlos, não sabe como se chama
aquillo?
[70]
E.—Não, senhor.
P.—Pedrinho, tambem não sabe como se chama
aquella geringonça?
[8]
E.—Chama-se
cavallete.
P.—Acertou. Agora digam todos commigo:
Ca-va-lle-te
[9].
E.—Ca-va-lle-te.
P.—Agora hão de dizer esse nome, sem separarem
as syllabas.
E.—Cavallete.
P.—Para que serve aquelle cavallete?
E.—Serve para sustentar o quadro preto.
Resumo
A casa, onde estamos, chama-se «escola». Na
[71]
escola aprende-se a ler, escrever, contar, a doutrina
christã, desenho, canto, e mil outras cousas
uteis e agradaveis, que o professor nos vae ensinando
pouco e pouco, as quaes todas concorrem
para que sejamos bons e instruidos, qualidades
estas indispensaveis a qualquer homem. Ha na escola
diversos objectos, e entre elles o
quadro
preto,
a
esponja, o
giz e o
cavallete. No quadro preto
escreve-se
com giz. Serve a esponja para se apagar
o que se escreveu no quadro, e o cavallete para
sustentar o mesmo quadro.
Reflexões
Meus meninos, attendei bem ao que vou dizer-vos,
e não o esqueçaes. Pode a casa da escola ser
convidativa, a mobilia e utensilios bons, os compendios
famosos, o professor sabio, zeloso e habil,
e o methodo de ensino excellente, e não obstante
todas estas invejaveis condições, os estudantes
não utilisarem nada, com detrimento proprio e de
seus paes, por falta de assidua frequencia e de estudo.
São incalculaveis os prejuizos, que resultam das
repetidas faltas á escola. Os meninos, que faltam,
não só não se adiantam, mas perdem o
que aprenderam,
desgostam e entibiam o professor, introduzem
a desordem na aula, e incitam os collegas com
o exemplo, a que procedam do mesmo modo.
Evitae, pois, todos estes males, não faltando á
[72]
escola sem causa justificavel, e estudando aqui e
em vossas casas, isto é, attendendo ao que o professor
vos disser, meditando nas suas palavras, e
lendo ou decorando o que vos mandarem que leiaes
ou decoreis. Não se pode ser instruido, sem estudar.
Os meninos estudiosos grangeiam a estima
das pessoas de bem, e tornam-se dignos da
protecção
divina.
SEGUNDA
LIÇÃO
A ESCOLA
P.—Meus meninos, fallámos outro dia do quadro
preto, das ardozias, do giz, da esponja, da
toalha de mãos, e do cavallete; desejo que me nomeeis
agora mais alguns utensilios da escola...
Como se chama isto? (Indicando a mesa).
E.—Chama-se
mesa.
P.—De que é feita esta mesa?
E.—De madeira.
P.—Todas as mesas são de madeira?
E.—Não, senhor; algumas são de pedra.
P.—E não as ha feitas de outras materias?
E.—Não sei.
P.—Nunca viram mesas de metal?
E.—Lembro-me agora de tel-as visto de ferro.
P.—E não só de madeira, de pedra e de
ferro
se podem fazer; todas as materias solidas e duras
se prestam á construcção d'este movel.
Como se
chama esta parte da mesa? (Indicando a parte superior).
[73]
E.—
Taboa da mesa.
P.—Como se chama est'outra? (Indicando a
parte sobre que assenta a taboa).
E.—Chama-se
aro.
P.—Vinde aqui e dizei-me, que nome tem estas
especies de caixas (Mostrando as gavetas) que estão
sobre a taboa da mesa, e que eu puxo para
fóra e torno a esconder (abrindo e fechando as gavetas).
E.—Essas especies de caixas chamam-se
gavetas.
P.—Para que servem as gavetas?
E.—Para guardar diversos objectos?
P.—Estas peças de metal, que as gavetas aqui
tem embebidas na madeira, como se denominam?
E.—
Fechaduras.
P.—Para que servem estas fechaduras?
E.—Para fechar as gavetas?
P.—Porque razão fecho eu as gavetas d'esta
mesa, quando saio da aula?
E.—Não sei.
P.—Porque ha meninos, que commettem a
indiscripção
de as abrir e de mecher no que n'ellas
está, praticando uma acção feia ...
E.—É máu abrir uma gaveta?
P.—Se a gaveta é de nosso uso, ou se nos
é
permittido abril-a e tocar no que lá está,
não
commettemos falta nenhuma em a abrir; mas se
é de outrem, ou se nos prohibiram abril-a, é
acção
muito feia e má o descerral-a, sem licença,
excepto em caso de necessidade. E já que estamos
[74]
a fallar de gavetas, dizei-me, que deve fazer um
menino bem educado, quando na sua presença se
abre uma gaveta?
E.—Não sei.
P.—Deve abster-se de olhar para lá e de estar
a observar o que ella contem. Dizei-me, com que
se abrem as fechaduras?
E.—Com as
chaves.
P.—Olhae para aqui... Metto a chave n'esta fechadura
dou-lhe volta e vejo sair uma peça de
ferro, chata e larga.
E.—É verdade.
P.—Como se chama essa peça?
E.—
Lingueta.
P.—Sabeis porque lhe pozeram o nome de lingueta?
E.—Não sabemos.
P.—Soletrae a palavra lingueta, e talvez deis
no vinte.
E.—Lin-gue-ta.
P.—As duas primeiras syllabas d'essa palavra
não vos trazem á memoria outra palavra muito
conhecida?
E.—Trazem, sim, senhor; a palavra lingua.
P.—Reparae agora se ha alguma similhança entre
a lingua do homem e dos outros animaes e a
parte da fechadura, que estamos observando.
E.—Ha, sim, senhor.
P.—Em que?
E.—A lingua é chata e a lingueta tambem; a
[75]
lingua é comprida, como a lingueta; a lingua está
preza na bocca d'onde sae ás vezes, e a lingueta
está egualmente presa no interior de uma caixa da
qual a chave a faz sair.
P.—Difficilmente se poderia responder melhor
á minha pergunta. Tomem d'aqui exemplo os outros
meninos. A explicação que o menino F. me deu
prova-me que elle observa as cousas com attenção
e compára umas com as outras, o que muito concorre
para que se nos desenvolva a intelligencia;
ou que, se alguem lhe tinha ensinado isto, se não
esqueceu do que lhe haviam dito, o que tambem
é muito para louvar
[10].
E.—A mim ninguem me tinha ensinado a resposta.
P.—Tanto melhor, porque deu prova de que
medita no que vê; que vêr as cousas
superficialmente
é quasi o mesmo que não as vêr:
Continuemos
a estudar a mesa. Reparem n'estas quatro
columnas (mostrando os pés da meza) sobre as
quaes assenta a taboa, o aro e as gavetas.
E.—São os
pés
da meza.
P.—Porque se lhes chama pés?
E.—Porque sustentam o resto da mesa, á maneira
dos pés do homem e dos animaes, que sustentam
o resto do corpo.
[76]
P.—Todas as mesas tem quatro pés?
E.—Nem todas; umas tem um só pé, outras
quatro, outras seis, e podem ter mais.
P.—Quaes são as mais firmes, isto é,
menos
subjeitas a cairem, as de um, ou as de quatro pés?
E.—As de quatro pés.
P.—Para que servem os bancos?
E.—Para nos assentarmos.
P.—De que são feitos esses bancos?
E.—De madeira.
P.—Não poderiam ser feitos de outra materia?
E.—Poderiam ser de ferro, ou de pedra.
P.—Porque não poriam aqui bancos de pedra?
E.—Porque são mais caros, que os de pau.
P.—E só por isso é que os
não pozeram
aqui?
E.—É porque são muito pezados;
não
poderiamos
mudal-os de um logar para outro.
P.—Não haverá outro motivo para
preferir os
bancos de pau aos de pedra?
E.—Não sei.
P.—Menino F... queira responder á minha pergunta?
E.—Não sei.
P.—Aquelle estudantinho, que além está
a
gesticular,
é que nos vae satisfazer a curiosidade; vamos,
menino G... deite a barra adiante aos seus
collegas, revelando-nos o motivo porque os bancos
de pedra, á parte o serem pesados e caros, não
são adoptados nas nossas casas e nas aulas?
E.—Parece-me que é por serem muito frios.
[77]
P.—Por causa da frialdade da pedra são os bancos
d'aquella materia não só incommodos,
senão
muito prejudiciaes á saude. Passemos a outro assumpto.
Já vos ponderei que é muito mau faltar
á
aula, não estar attento ao que diz o professor, e
não
estudar. Desejo que me digaes agora o que acontece
aos estudantes, que não vem ao principio da
aula, e que entram aqui uma hora, ou hora e meia,
depois de terem começado os nossos trabalhos?
E.—Não podem seguir bem as
lições.
P.—Que deverá, pois, fazer, relativamente a
este ponto, um estudante applicado, e que deseje
adiantar-se?
E.—Deverá entrar na aula á hora marcada
para
o começo do estudo.
P.—Diga-me menino L... que cousas deve o estudante
trazer sempre para a escola?
E.—Uma ardozia, uma penna de pedra, um lapiz,
uma penna de aço, e os livros.
P.—E que lhe acontecerá, se lhe esquecer alguma
ou algumas d'estas cousas?
E.—Não poderá tirar da
lição o fructo, que deve
tirar.
P.—Qual será a razão porque alguns
meninos
chegam muitas vezes á aula sem os objectos, que
lhes são indispensaveis?
E.—A razão d'essa falta é ou por que se
esquecem
de os tomar ao sair de casa, ou por que, saindo
com pressa, os não acham, e lhes falta o tempo
para procural-os.
[78]
P.—Ha meio de evitar aquelle esquecimento, e
de fazer com que os objectos, que devem trazer
para a aula, se lhes deparem facilmente?
E.—Ha, sim, senhor. Bastará que os meninos
ponham a ardozia, o lapis, e os livros em um logar
certo.
P.—Que nome daremos a um menino, que põe
uma cousa aqui, outra alli, outra acolá, e que depois
se não lembra dos logares onde as poz?
E.—
Desarranjado.
P.—E ao que suja e rasga os livros, e deita
borrões na escripta, e por cima das mesas, e se
apresenta com a cara e os dedos enxovalhados?
E.—
Porco ou enxovalhado.
P.—Deve o professor consentir que os meninos
rasguem os livros, que salpiquem de tinta as
paredes e as mesas, que tragam sujas as mãos e
cara, e o fato cheios de nodoas?
E.—Não, senhor.
P.—Porque?
E.—Porque estragar os livros, ou as paredes,
ou qualquer cousa, sem necessidade, é
acção muito
feia, assim como não andar limpo.
P.—E será apenas acção muito
feia?
Não será
uma especie de roubo feito aos paes e aos mestres,
aos quaes muitas vezes é em extremo penoso custear
as despezas, a que os filhos e discipulos os
obrigam?
E.—É de certo.
P.—Que devem, pois, fazer os meninos a quem
[79]
se recommenda, que sejam arranjados e aceiados?
E.—Devem obedecer.
P.—E que merecem os que não fazem caso das
advertencias de seus paes e mestres?
E.—Merecem castigo.
P.—E de que são dignos os que estudam bem,
e obedecem aos seus superiores, procurando em
tudo conformar-se com os seus conselhos e preceitos?
E.—São dignos de estima e de premio.
P.—Respondeu com muito acerto. Por hoje basta
de conversação. Antes, porém de nos
separarmos
quero repetir-lhes um conselho muito prudente de
um grande mestre. Decorem-n'o e sigam-n'o, se
querem ser methodicos e arranjados. Eil-o:
Logar certo para cada cousa, e cada cousa no
seu logar.
TERCEIRA
LIÇÃO
OS CONDISCIPULOS
P.—Recommendei-lhes outro dia, meus meninos,
que não faltassem á aula, que viessem
á hora
marcada no regulamento, que se não esquecessem
de trazer os livros, e mais objectos necessarios
para as suas lições, que se acostumassem a ser
arranjados, methodicos, e desenxovalhados, e que
tivessem o maior cuidado em não estragar os objectos
de seu uso. Não são tão poucos os
deveres
dos meninos; e como para bem os cumprirem é
[80]
indispensavel conhecel-os, vamos hoje conversar
em outro assumpto, que muito lhes interessa. Começarei
perguntando-lhes como se denominam, em
geral, os meninos, que frequentam ao mesmo tempo
uma aula?
E.—Denominam-se
condiscipulos.
P.—O encontrarem-se quasi todos os dias, estarem
muito tempo juntos, lerem pelos mesmos livros,
aprenderem com o mesmo professor, terem
com pequenas differenças, a mesma idade, e trabalharem
para conseguir o mesmo resultado, concorrerá
para que os condiscipulos formem uma especie
de familia ou irmandade, cujo pae espiritual é
o professor?
E.—Certamente.
P.—Se os condiscipulos, como affirmaes, são
quasi irmãos, parece-me que devem tratar-se de
maneira differente do que se tratam os meninos,
que nem são parentes, nem condiscipulos.
E.—Sem duvida.
P.—Já que tão expeditamente confirmaes
a minha
opinião, fazei mercê de me dizer como se devem
tratar os condiscipulos.
E.—Devem tratar-se com delicadeza, bondade
e amisade.
P.—Optimamente, sr. estudantinho; mas como
eu não quero deixar por mentiroso o rifão, que
diz: «As palavras são como as cerejas»,
peço-lhe
me indique quaes actos de delicadeza hão de praticar
os condiscipulos; de certo não quereis que elles
[81]
deem excellencia uns aos outros, ou se saüdem
com salamaleks, á maneira dos turcos.
E.—Hão de cumprimentar-se quando se encontrarem
em qualquer parte, e á entrada e saïda
da aula; não hão de bater uns nos outros, nem
rasgar ou sujar os vestidos; não hão de usar nas
suas conversas de palavras feias; se a qualquer
tiver esquecido o livro, a lousa, a penna, ou qualquer
outro objecto deve-se-lhe emprestar aquillo
de que carecer.
P.—Muito bem. E será delicado o menino que
despresar o collega, por elle ser feio, ou aleijado,
ou tartamudo, ou vesgo, ou coixo?
E.—Não, senhor.
P.—Será delicado o menino, que pozer alcunhas
a seus condiscipulos, ou que lhes lançar em
rosto o serem filhos de pessoas pobres, ou não
trajarem á moda, com elegancia, e esmero?
E.—Não, senhor.
P.—Se ao mesmo tempo chegarem ao pote,
para beber, dois meninos grosseiros, que acontecerá?
E.—Por-se-hão a ralhar, querendo cada qual
ser o primeiro que beba.
P.—Se um dos meninos fôr delicado e o outro
grosseiro?
E.—O delicado ou se affastará, para que o outro
mate a sede em primeiro logar, ou encherá o
copo e lh'o offerecerá.
P.—E se ambos forem delicados?
[82]
E.—Não sei o que devam fazer.
P.—Menino F., responda á minha pergunta.
E.—Se ambos forem bem criados, deverá o
mais pequeno encher o copo e offerecel-o ao mais
velho.
P.—Mas pode acontecer que ambos tenham a
mesma idade, ou que um não saiba a do outro.
E.—Nesse caso o mais delicado antecipar-se-ha
a obsequiar o outro.
P.—Respondeu com muito juizo. Que deverá
fazer um menino delicado, se ao lanche, um condiscipulo
lhe pedir um damasco, uma pêra, ou
qualquer outra cousa, que lhe não faça falta?
E.—Deve dar-lh'a.
P.—E pedir-lhe outra cousa em paga?
E.—Não, senhor.
P.—Do que temos estado a dizer conclue-se,
que a delicadeza consiste não só em evitar tudo
quanto possa desgostar os outros, mas tambem
na pratica de quanto honestamente lhes possa ser
agradavel.—Desejo, porém, que me digaes se
delicadeza
e bondade são o mesmo.
E.—Não, senhor.
P.—Como assim?
E.—Pode uma pessoa ser delicada e não ser
boa; pode tratar os outros muito bem, mas não
proceder assim por virtude, e tão somente por genio,
elegancia, ou astucia.
P.—Para que possâmos ter um menino em
conta de bom o que é necessario?
[83]
E.—É necessario que elle não
faça
nenhuma
acção má.
P.—Quando é que as nossas
acções
são más?
E.—Quando offendem a Deus, ou ao proximo.
P.—Dizeis muito bem; mas para que este ponto
se aclare bastante, fazei favor de me indicar algumas
acções que reputeis más.
E.—São más acções
não crer em Deus, não o
amar, e não o temer; não cumprir as ordens dos
nossos superiores; mentir, levantar falsos testemunhos;
desprezar os pobres, e não os soccorrer;
indagar das vidas alheias; furtar; comer e beber
mais do que é preciso.
P.—E ser mandrião, não estudar bem as
lições
é acção bôa, ou
má?
E.—É má.
P.—Porque?
E.—Porque, não estudando, desobedecemos a
nossos paes e mestres.
P.—Como se chama a acção torpissima de
tirar
a alguem uma cousa ás escondidas.
E.—Chama-se furto.
P.—E como se denomina o desgraçado, que
furta?
E.—Denomina-se ladrão.
P.—Que merecem os ladrões, estima ou desprezo?
E.—Desprezo e castigo.
P.—E não será quasi ladrão
um menino,
que,
[84]
mandriando, obriga seus paes a fazerem despeza
excessiva para o educarem, e que prejudica a familia,
em beneficio da qual deveriam reverter as
quantias, que os paes consomem inutilmente com
o preguiçoso?
E.—É, sim, senhor.
P.—Por consequencia merece desprezo e castigo
o máu estudante.
E.—Certamente.
P.—Se na escola houver estudantes pobresinhos
e estudantes abastados, que devem estes fazer relativamente
áquelles?
E.—Tratal-os muito bem.
P.—O bom tratamento de que fallaes consistirá
somente em os admittirem á sua companhia na aula
e na rua, e em praticarem com elles delicadamente,
ainda que não andem bem trajados; ou
consistirá tambem em auxilial-os, obtida licença
dos paes e mestres, para que lhes não faltem cousas
indispensaveis, taes como o lapis, papel, compendios,
etc., para comprar as quaes lhes não chegar
o dinheiro.
E.—Parece-me que é dever dos estudantes
endinheirados
proteger em tudo os que o não são, e
até repartir com elles o
lunch, e a merenda, por
isso que os collegas se devem amar como irmãos.
P.—Muito bem. E o amor fraternal dos collegas
permittirá que andem a fazer queixas uns dos
outros?
E.—Não, senhor.
[85]
P.—Que deverá fazer um bom collega quando
outro commetter uma pequena falta.
E.—Deve advertil-o de que não fez bem, e
aconselhal-o a que se emende.
P.—E se um estudante quizer commetter um
crime, ou praticar uma acção má, ou se
tiver delinquido,
e se mostrar obstinado em não se emendar,
o que deverá fazer o collega?
E.—Se não poder evitar o mal, nem conseguir
que o menino, que o praticou, trate de se corrigir,
cumpre-lhe avisar o professor.
P.—Em voz alta, diante de todos, com acrimonia,
e maneiras hostis, ou em
particular,
e por
modo, que não aggrave o delinquente?
E.—Em particular e sem azedume.
P.—Se o professor perguntar a um estudante
quem commetteu certa falta ou maldade, e o estudante
interrogado souber quem foi, que deverá
fazer?
E.—Dizer a verdade.
P.—Quando tal aconteça, ficará mal ao
estudante
implorar a clemencia do professor para o
collega?
E.—Não, senhor; antes lhe ficará muito
bem.
P.—Disse ainda agora um dos meninos que deviam
os collegas ser amigos. A amisade é um sentimento
mui delicado e nobre, e por isso mesmo
mui raro. Umas vezes nasce do parentesco e convivencia
intima, tal é a que aos filhos consagram
os paes, e a estes os filhos, tal a dos avós e netos,
[86]
e a dos tios e sobrinhos; outras vezes provém
da sympathia, augmenta com a camaradagem,
principalmente entre pessoas de indoles similhantes,
e fortifica-se pela troca reciproca de serviços
desinteressados e honestos. Mas, assim como «nem
tudo o que luz é ouro», assim nem toda a
convivencia,
posto que deleitavel, extremosa, e até util,
se póde considerar amizade verdadeira.
E.—Em que consiste, pois, a verdadeira amizade?
P.—Em duas ou mais pessoas se estimarem
reciproca e honestamente, como cada uma a si propria
se estima.
E.—Em vista do que dizeis, devem ser mui poucos
os verdadeiros amigos; porque eu, não obstante
ser ainda muito creança, tenho notado que quasi
todas as pessoas gostam mais de si, que dos outros.
P.—Rarissimos são, é verdade, e por
isso mesmo
quem teve a felicidade de encontrar um, deve
cuidar muito de o não perder.
E.—E o que nos acontecerá, se nunca tivermos
um amigo verdadeiro?
P.—Seremos menos felizes do que seriamos,
se o tivessemos.
E.—Vós, sr. professor, sois muito feliz.
P.—Por que me consideraes muito feliz?
E.—Porque tendes muitos amigos.
P.—Quem vos disse que tenho muitos amigos?
[87]
E.—Ninguem; mas tenho visto que pelas ruas
uns vos cortejam, tirando-vos o chapéu, outros vos
dizem adeus com a mão, outros vos tratam por
tu, muitos vos abraçam e param a fallar comvosco.
P.—Como estaes enganado! Esses todos, com
pouquissimas excepções, sabeis o nome que
merecem?
Eu vol-o digo—
conhecidos.—Se
eu
caísse
de cama, quantos viriam acompanhar-me? se eu estivesse
preso, quantos iriam suavisar-me a solidão
do carcere? se eu tivesse fome, quantos repartiriam
commigo as suas sôpas? se eu tivesse a desgraça
de commetter um crime, quantos no dia seguinte
se desbarretariam ao passar por mim?...
Conhecidos, indifferentes, amigos do theatro, do
baile, do passeio, que desapparecem, quando o verdadeiro
amigo mais se approxima de nós, nos dias
sombrios e luctuosos da desgraça, e das
tribulações.
E.—Como é então que fallaes e mostraes
tão
bonito modo a homens, que de nada vos prestam?
Não seria melhor desprezal-os?
P.—Não se deve desprezar ninguem. Quem
não
póde beber por uma taça de ouro, ou de crystal,
ha de quebrar o copo de vidro ou o pucaro humilde
de barro? Para os conhecidos, caridade e
delicadeza; para os amigos, os affectos todos do
coração.
E.—Se vos não enfado, far-vos-hei ainda uma
pergunta.
P.—Quantas quizerdes.
[88]
E.—De que traça nos havemos de servir para
grangear amigos verdadeiros?
P.—Um sabio, a quem fizeram igual pergunta,
respondeu:
Se quizeres ser amado,
ama. A semente
da amisade é a sympathia, ou reciproca
inclinação,
gerada, ou da analogia das indoles e estados,
ou de certas qualidades, que mal se póde dizer
quaes sejam, mas que parecem attrair umas
para as outras as pessoas, que as tem.
E.—De maneira que, se eu entrar n'uma casa
e me agradar de uma pessoa, que não conheça,
ainda que não seja da minha idade, nem bonita, e
sentir para ella inclinação, poderei dizer que
sympathizei
com ella.
P.—De certo.
E.—Mas ás vezes tambem succede o contrario;
olha a gente para um homem ou para uma senhora,
e posto que nem sejam feios, nem desastrados, experimenta
certa repugnancia em tratal-os.
P.—A essa repugnancia se dá o nome de
antipathia.
E.—Quando pois, sympathisarmos com alguem,
poderemos contar com um verdadeiro amigo?
P.—Nem sempre. Á vossa pergunta respondeu
ha muito tempo um escriptor portuguez dos mais
eruditos, chamado Antonio de Sousa de Macedo,
cujas obras vos recommendo desde já para quando
fordes maiorzinhos. Ouvi o que elle a tal respeito
escreveu. «D'entre os mesmos em que se acham
sympathias, se deve fazer distincção, antes de
trabalhar
[89]
pelos fazer amigos, por que nem todos serão
convenientes.
Suetonio diz de Augusto, que os
escolhia com vagar,
e os conservava constantemente. Devem-se
preferir os de
melhor juizo,
bons costumes,
valor,
sinceridade, e
bôa fama. Nem com o
nescio, diz
o ecclesiastico, nem com o
mau, diz
santo Agostinho,
nem com o
pouco verdadeiro, diz
Aristoteles,
póde haver amizade.»
E.—São essas as qualidades que devem ter os
amigos, e muito folgo de que tão claramente nol-as
expozesse esse auctor portuguez, cujo nome citastes;
mas quando se nos depare alguem com todos
esses requisitos, que deveremos fazer para lhe captivarmos
a amizade?
P.—Seja tambem Macedo quem vos responda.
Diz elle: «Feita a eleição, a
communicação e conversação
faz os amigos, concordando nos ditos, e nas
acções (suppondo que tudo ha de ser honesto e
judicioso)
e para a facil, sincera, e agradavel concordia,
contribue especialmente a sympathia, a qual,
accrescentou um sabio, se deve ajudar com algum
beneficio, feito graciosamente, sem ser rogado, nem
depois publicado.»
E.—Algum beneficio?
P.—Não fiqueis ahi pensando que os beneficios,
que penhoram a amizade, sejam tão sómente mimos
e presentes de cousas, que se merquem nas
lojas, ou de fructas e manjares; boas são essas provas
de amizade, mas não são as unicas, nem as mais
[90]
apreciaveis. Por beneficios deveis entender tambem,
os conselhos prudentes, os exemplos dignos
de imitação, a companhia na doença, e
nas tribulações,
o ensino fraternal e até a reprehensão suave
das faltas e defeitos.
Resumo
Os condiscipulos são quasi irmãos, filhos
espirituaes
do professor. Devem ser delicados, bons,
e amigos. Devem cumprimentar-se á entrada e saïda
da aula e sempre que se encontrarem. Devem prestar
uns aos outros todos os serviços, que puderem.
Os estudantes pobres, defeituosos, mal vestidos
merecem, sendo bons, tanta estima e consideração,
como os abastados, sãos, e tafues. Nem sombra de
alcunhas, principalmente allusivas a quaesquer deformidades,
ou imperfeições do corpo ou do espirito.
Se nos pedirem cousa, que possamos emprestar
ou ceder, emprestemol-a, ou cedamol-a, sem
exigir paga, nem agradecimento. Delicadeza não é
bondade. Toda a acção contraria á lei
de Deus, ou
ás leis humanas, quando estas não offendem
aquella,
é má.
O mandrião merece castigo e desprezo. Desde a
aula deve o rico ajudar o pobre.—Se algum estudante
fizer maldades advirtam-n'o os que as presenciarem;
mas não as divulguem. Quando um estudante
praticar acções indignas, e admoestado
pelos condiscipulos, se não emendar, recorra-se ao
[91]
professor, dizendo-lhe em particular, e sem aggravar
o mal, quanto baste para que elle proceda
como fôr de justiça. É prova de
delicadeza e bondade
de coração implorar misericordia para os que
estiverem em risco de ser castigados. Nunca se
deve mentir; a mentira é a torpeza das torpezas.
São amigas duas pessoas que reciproca e honestamente
se estimam como cada uma d'ellas se estima
a si propria. Ha amizade verdadeira, e falsa.—Nem
todos os que parecem amigos, o são; não
se deve confundir o amigo com o conhecido. Amar
é o meio de grangear amigos. A amizade nasce da
sympathia; mas nem todos com quem sympathisâmos
podem ser nossos amigos. As qualidades que
deverá ter um amigo, são: bom juizo, bons
costumes,
valor, sinceridade, bôa fama. Não deve ser
nescio, nem mau, nem mentiroso. Para o grangear
bastará a communicação e
conversação, auxiliadas
por obsequios desinteressados.
Reflexões
É finda a nossa palestra de hoje. Temos dito
muitas cousas, mas não basta fallar; é
indispensavel
fugir do mal e praticar o bem. Muito falla o
papagaio, mas que faz tamanho palrador? Come o
que lhe deitam no comedouro, e nas horas vagas
vae roendo a gaiola. Ninguem dirá com verdade,
que seja muito para se imitar a tal ave palreira.
Palavras, leva-as o vento, dil-o o rifão, e não
mente.
[92]
Para vos não parecerdes com aquelle animalzinho
inutil, amae-vos muito uns aos outros; auxiliae-vos
fraternalmente, cumprí á risca todas as vossas
obrigações,
e lembrae-vos a cada momento de que os
homens do futuro, os paes de familia, os mestres,
os escriptores, os ministros, os deputados, os juizes,
os sacerdotes, os militares, os medicos, os
pharmaceuticos, os advogados, os artistas, os negociantes,
os industriaes, os lavradores haveis de
ser vós, e de que para profissões tão
variadas, tão
nobres, tão difficeis e de tantissima responsabilidade,
vos deveis desde já preparar, estudando e
praticando todas as virtudes, para que, chegada
que seja a hora de entrardes na vida activa e de
servirdes a civilisação, que exige obreiros
intelligentes
e honrados, possaes cabalmente desempenhar
os vossos deveres.
QUARTA
LIÇÃO
Escolheu o professor Mayo o vidro para assumpto
da primeira lição do ensino intuitivo, ou de
objectos,
por lhe parecerem as qualidades d'este corpo
mais perceptiveis aos nossos sentidos, que as de
qualquer outro. Aconselha o mesmo professor que
fiquem os meninos defronte do quadro preto, onde
se hão de ir escrevendo os resultados de suas
observações;
[93]
e que o pedaço de vidro vá passando
de mão para mão, para que cada um dos estudantes
individualmente o examine. O tomar cada menino
o fragmento de vidro em suas mãos e o il-o
observando com attenção é, como atraz
observámos,
ponto de grande importancia para o bom resultado
do ensino. Diz a este proposito o excellente
pedagogista Mayo o seguinte: «D'este modo cada
individuo, dos que compõem a aula, se vê obrigado
a exercitar as suas faculdades sobre o objecto,
que se lhe apresenta; servindo as perguntas,
que depois lhes faz o professor, para que elles revelem
suas idéas, e para a emenda d'estas, se forem
erroneas.
P. (Mostrando um bocado de vidro)—Que é isto,
que eu tenho na mão?
E.—É um bocado de vidro.
P.—Vamos soletrar a palavra
vidro.
(
Feita esta advertencia, escreve o professor no
quadro preto a palavra vidro, dividida em duas
syllabas; pronuncía alto e bom som, em primeiro
logar as lettras
v-i-d-r-o, acompanhando a
pronunciação
de cada uma d'ellas de uma pancada com
o ponteiro no quadro, ou de uma palmada; e pronuncía
depois as duas syllabas mui distinctamente.
Em seguida repetem os estudantes primeiro individualmente,
e depois em côro, aquella soletração,
até que a saibam correctamente fazer.)
P.—Todos vós examinastes este vidro; e que
notastes n'elle? Que podeis dizer que é?
[94]
(Põe-se esta pergunta em logar de: Quaes são as
suas propriedade? porque é muito provavel que a
principio não entendam os meninos o sentido da
palavra «propriedade»; mas applicando-a repetidas
vezes o professor ás respostas que os estudantes
derem, em pouco tempo se acostumarão a ella e
lhe perceberão o sentido).
E.—É brilhante.
P. (Depois de ter escripto no quadro a palavra
«propriedade», escreve por baixo:
«É brilhante»).—Pegae-lhe;
apalpae-o. (Deverá o professor dirigir
aos estudantes perguntas conducentes a pôr-lhes
successivamente em acção os differentes
sentidos).
E.—É frio. (Escreve-se esta resposta no quadro
por baixo da outra qualidade).
P.—Tornae a pegar no vidro, e comparae-o com
este fragmento de esponja, com que limpâmos o
quadro, e dizei-me o que notastes no vidro. (O intento
do professor ao fazer esta pergunta, deve ser
conseguir que os estudantes observem a «lisura»,
contrapondo esta propriedade á sua opposta, a
«aspereza»
de outra substancia; meio de demonstração
que muitas vezes se poderá empregar).
E.—É lizo; é duro.
p.—Ha na aula outro objecto de vidro?
E.—Ha sim senhor; os vidros das vidraças.
P.—Olhae pelas vidraças, e dizei-me o que
vêdes.
E.—Vemos o jardim.
P. (Fechando as portas da janella)—Olhae agora
e dizei-me o que vêdes.
[95]
E.—Agora não podemos vêr nada.
P.—Porque é que não vêdes
nada?
E.—Porque atravez das portas não se
póde
vêr
nada.
P.—Que differença notaes entre as portas e o
vidro?
E.—Notâmos que atravez das portas nada podemos
vêr, e que atravez do vidro vêmos o jardim.
P.—Podeis dizer-me alguma palavra, que indique
essa qualidade, que tem o vidro?
E.—Não, senhor.
P.—Eu vol-a digo. Tomae sentido, para que vos
não esqueça. É
transparente. D'aqui por diante
que idéa fareis d'um corpo, se vos disserem que
é transparente?
E.—Que se pode vêr atravez d'elle.
P.—Respondestes muito bem. Lembraes-vos de
alguma cousa que seja transparente?
E.—A agua.
P.—Que aconteceria se eu deixasse cair no
chão este pedaço de vidro?
E.—Quebrar-se-ia.
P.—E se da rua atirassem pedras á janella?
E.—Quebrar-se-iam os vidros.
P.—Sabeis como se chamam os corpos, que
tem esta qualidade, ou propriedade de se partirem,
quando caem n'um corpo duro, ou quando
se lhes bate?
E.—Não, senhor.
[96]
P.—Chamam-se
quebradiços, ou
frageis,—Dizei-me,
se deixassemos cair a porta da janella ou
se contra ella atirassemos uma pedra, que succederia?
E.—Ficaria inteira.
P.—E se eu lhe batesse muito de rijo com outro
corpo durissimo?
E.—Quebrar-se-ia.
P.—A madeira é quebradiça, ou fragil?
E.—Não, senhor.
P.—Deveremos chamar frageis a todas as substancias,
que podermos quebrar?
E.—-Não, senhor;
frageis
diremos só aquellas,
que se quebrarem com facilidade.
P.—Para que serve o vidro? que prestimo tem?
E.—Serve para as janellas.
P.—Que vantagem ha em pôr vidraça nas
janellas?
E.—Ter as casas abrigadas do vento, da chuva,
da poeira, e das moscas.
P.—Parece-me que, fechando-se as portas das
janellas, não entrariam pelas casas dentro, nem
moscas, nem poeira, nem chuva, nem vento.
E.—Mas cerradas as portas das janellas, ficariam
as casas ás escuras, e não poderiamos
vêr
para fóra.
P.—Muito bem. Dizei-me porque razão não
tira
o vidro a claridade ás casas, nem obsta a que se
vejam os objectos que estão fóra?
E.—Porque é
transparente.
[97]
P.—Não ha outros objectos de vidro?
E.—Ha cópos, garrafas, castiçaes,
espelhos,
tinteiros,
etc.
É provavel, diz o professor Mayo, que na primeira
lição não occorram aos meninos outras
qualidades;
mas estas sós, escriptas no quadro preto,
constituirão um bom exercicio de
soletração. Devem-se
depois apagar; e se os estudantes já souberem
escrever, poderão exercitar a memoria e repetir
a lição, escrevendo-as de novo nas ardosias.
QUINTA
LIÇÃO
CAOUTCHOUC—GOMMA ELASTICA—BORRACHA[12]
Escolheu o professor Mayo esta substancia para
objecto da segunda lição, para que os meninos
observem
as qualidades, ou propriedades, que os physicos
denominam
opacidade,
elasticidade, e
inflammabilidade.
[98]
P.
[13]—Que
é isto? (Mostrando um bocado de
caoutchouc).
E.—É um bocado de
borracha.
P.—Parece-se com o vidro?
E.—Em nada.
P.—Ponde esse pedacinho de
borracha
diante
dos olhos e olhae para mim... Vêdes-me?
E.—Não, senhor.
P.—Se nas janellas, em vez de vidros, estivessem
laminas de borracha, que aconteceria?
E.—Ficariam as casas ás escuras, e não
poderiamos
vêr para fóra.
P.—Sabeis como se chama a qualidade, que tem
a
borracha de não deixar
vêr atravez de si, como
o vidro?
E.—Não, senhor.
P.—Chama-se
o-pa-ci-da-de.
Repetí commigo
esta palavra.
E.—
O-pa-ci-da-de.
P.—Vou escrevel-a; olhae attentamente. (O professor
escreve no quadro preto:
Propriedades ou
qualidades da
borracha—
O-pa-ci-da-de).
Menino
F., como chamareis aos corpos, que tem opacidade?
E.—
Opacos.
P.—Ponde diante dos olhos a lousa, que ahi
tendes, e olhae para mim. Vêdes-me?
E.—Não, senhor.
[99]
P.—Porque me não vêdes, quando entre mim
e vós está um bocado de lousa?
E.—Porque a lousa é
opaca.
P.—Menino G., dizei-me se está alguem ali
n'aquelle quarto.
E.—Eu vou vêr. (Levantando-se).
P.—Não vos levanteis; olhae d'ahi, do vosso logar.
E.—D'aqui não posso vêr.
P.—Porque não podeis vêr d'ahi o que se
passa
n'aquelle quarto?
E.—Porque se mette de permeio a parede.
P.—E se a parede fosse de vidro, poderieis ver
para dentro d'aquella casa?
E.—Veria de certo, porque o vidro é transparente;
mas a
parede não é.
P.—Como diremos que é a parede, attendendo
a que nos tira a vista das cousas, que estão para
além d'ella?
E.—Diremos que é opaca.
P.—A borracha póde facilmente cortar-se com
a thesoura. Vou cortar umas tiras, para os meninos
fazerem uma brincadeira. Eil-as: Tomem estas
tirinhas de borracha, segurem-n'as pelas extremidades
e puxem-n'as, como quem quizesse esticar
uma linha... Basta, basta; agora larguem-n'as de
um lado... Que vistes?
E.—A borracha deu de si, estendeu, estendeu;
e, logo que a largámos, voltou ao primitivo comprimento.
[100]
P.—Tomem agora este bocado de vidro, e puxem-n'o
bem.
E.—Não dá de si; não
estende.
P.—Temos, pois, que a borracha, sendo puxada,
estende, e logo que a soltam volta á primeira;
e que o vidro, por mais que o puxem, não
dá de si. Porque será isso?
E.—Provavelmente é por que a borracha tem
alguma qualidade, que nós ignorâmos.
P.—Como é que a ignoram, se acabam de a
observar?! O que os meninos ignoram é o nome
que essa propriedade tem.
E.—Podeis-nos dizer como se chama?
P.—Chama-se
e-las-ti-ci-da-de.
Repeti commigo
este nome:
E.—
E-las-ti-ci-da-de.
P.—Reparae; vou escrevel-o no quadro preto,
por baixo do nome da outra qualidade da borracha,
por baixo da palavra... (Tapando com a mão
a palavra no quadro).
E.—
Opacidade.
P.—Muito bem; não se esqueceram.
(Escreve) Aqui está:
Elasticidade. Tomae outra vez
as tirinhas de borracha; e em vez de puxal-as, torcei-as
entre os dedos, que se chamam
pollegar (Mostra
o dedo pollegar) e est'outro (Mostra o indicador), que
se chama
indicador... Agora
largae-as. Que observaes?
E.—Destorcem-se por si.
P.—Menino A... por que é que se destorcem
por si essas tirinhas de borracha?
[101]
E.—Provavelmente, pela mesma qualidade, pela
qual ainda agora estenderam e encolheram, ficando
do comprimento, que tinham, antes de as estarmos
a puxar.
P.—Assim é. Dizei-me agora o que é
isto?
(Mostrando
uma péla)
E.—Isso é uma péla de brincar.
P.—Porque será que todos os meninos gostam
de jogar a péla?
E.—É porque as pélas saltam muito, e
nós temos
de correr atraz d'ellas, caio aqui, acolá me
levanto.
P.—Sabeis de que são feitas as pélas?
E.—São feitas de borracha
[14].
P.—Porque não fazem as pélas de barro,
ou
de folha de Flandres, ou de pau, ou de cortiça?
E.—Porque se fossem feitas d'essas materias
não saltariam.
P.—Que ha, pois, nas pélas de borracha, que as
faz andar aos pulos?
E.—Não sabemos.
P.—E se eu lhes disser, que sabem? Pensem,
[102]
meditem. Atiro esta péla ao chão, ella bate no
sobrado, achata-se, immediatamente toma a primitiva
fórma, a fórma de bola, ou de esphera, como
dizem os sabios, e eil-a a pular.
E.—Já sabemos porque as pélas de
borracha
saltam, e as outras não. É por causa da
elasticidade.
P.—Acertastes. N'aquelle retomar a fórma de
esphera ou bola immediatamente depois de se ter
achatado ao bater no chão, é que está
a elasticidade.
Outra pergunta ácerca d'esta qualidade. Dizei-me,
se vos occorre, o nome com que podemos
designar os corpos, que tem elasticidade.
E.—Podem chamar-se
elasticos.
P.—Assim é. Reparae agora no que vou mostrar-vos.
(O professor acende uma véla). Temos
aqui um rolosinho de ferro (Mostra-o), um rolosinho
de barro (Mostra-o), este pedaço de pederneira
(Mostra-o), e um fragmento de borracha.
Pego no rolo de ferro pelo cabo de madeira, para
me não queimar, chego-o à luz, como vedes, mas
elle fica no mesmo estado. Pego no rolo de barro,
que não tem cabo de madeira, por que não aquece
tão depressa como o ferro, chego-o á luz e nada
de novo; com a pederneira acontece o mesmo. Ide
agora ver o que succede ao approximar da luz um
fragmento de borracha. Tomae sentido, porque me
haveis de dizer o que virdes. Por cautela, em vez
de tomar a borracha com os dedos, pego-lhe com
a thesoura. Attenção. (O professor chega a
borracha
[103]
á luz, e apenas ella se inflammar, affasta-a da
véla, e a colloca por cima de um vaso, que tenha
agua, evitando que lhe caia derretida nas mãos).
Que vistes?
E.—Vimos a borracha incendiar-se e arder com
chamma mui intensa e clara.
P.—Só isso observastes?
E.—E derreter-se.
P.—Nada mais?
E.—Mais nada.
P.—Não prestastes bastante
attenção.
Vou repetir
a experiencia. (Repete-a). Dizei-me se vistes
mais alguma cousa?
E.—A borracha derretida cair em pingos sobre
a agua, que está n'esse vaso.
P.—Exactamente. Esta qualidade da borracha
é mui differente das outras duas:
elasticidade e
opacidade.
E.—Certamente.
P.—Sabeis como se chama?
E.—Não sabemos. Fazei mercê de nol-o
dizer.
P.—Chama-se
in-flam-ma-bi-li-da-de,
ou propriedade
de arder com chamma. Bom será que repitaes
commigo o nome d'esta qualidade, ou propriedade
da borracha, para que vos não esqueça.
E.—
In-flam-ma-bi-li-da-de.
P.—Vou escrever este nome, que nada tem de
pequeno, sob o das outras qualidades. Qual de vós
é capaz de me dizer como chamaremos aos corpos,
que chegados a uma luz, arderem com chamma?
[104]
E.—Sou eu.
P.—Dizei pois.
E.—Os corpos, que ardem com chamma, denominam-se
inflammaveis.
P.—O ferro, o barro, a pederneira, são
inflammaveis?
E.—Não, senhor; mas a borracha é, e
muito.
P.—Podeis dizer-me a côr da borracha?
E.—
Negra.
P.—Vou escrever o nome d'essa qualidade no
quadro preto (Escreve). Dizei-me, meus meninos,
se vos lembra alguma cousa, bastante vulgar, á
qual a borracha se assemelhe não só na
côr, mas
principalmente na grossura, na consistencia, na impressão
que nos faz, quando a apertâmos e revolvemos
entre os dedos.
E.—Assemelha-se ao couro.
P.—Muito bem. O que provavelmente não sabeis
é como se nomeiam as substancias analogas
ao couro.
E.—Não sabemos.
P.—Dizem se
co-ri-a-ce-as.
Repetí pausadamente
esta palavra.
E.—
Co-ri-a-ce-as.
P.—Menino B...; vejo que estaes passando as
cabeças dos dedos por cima d'esse bocado de borracha,
e esse acto tão simples accordou-me o desejo
de vos fazer uma pergunta. Quando passâmos
a mão, ou sómente as cabeças dos dedos
por cima
de diversos corpos, sentimos a mesma impressão?
[105]
E.—Não, senhor; umas vezes é agradavel
a
impressão, que sentimos; outras vezes, desagradavel.
P.—Podereis dar-me exemplo de uma e outra?
E.—Correndo a mão por cima de um panno de
lã grosseiro, ou por uma taboa, que não esteja
aplanada, sinto impressão desagradavel; correndo-a
por sobre uma folha de papel de peso, ou por um
vidro bem polido, tenho uma impressão agradavel.
P.—Sabeis que nome se dá aos corpos, quando
a sua superficie é como a do panno de lã
grosseiro,
e da taboa não aplanada?
E.—Diz-se que são
asperos.
P.—E quando a superficie dos corpos é como
a do papel fino, ou de peso, e a do vidro?
E.—Diz-se que são
lisos,
ou
macios.
P.—A borracha é aspera, ou macia?
E.—É
macia.
P.—Ficâmos pois, sabendo, que a borracha
é
opaca,
elastica,
inflammavel,
negra,
coriacea, e
macia. Mais uma pergunta, e
dâmos por terminada
a nossa palestra.
Tem a borracha algum prestimo?
E.—Serve para apagar os traços, que o lapis
deixou no papel, para fazer pélas e outros objectos.
[106]
SEXTA
LIÇÃO
COURO
Nesta lição pretende o professor Mayo dar aos
meninos idéa das seguintes propriedades, ainda por
elles não estudadas:
flexibilidade,
cheiro,
impermeabilidade
á agua; e recordar-lhes algumas,
já
estudadas a proposito da borracha.
P.—Tomae, meus meninos, este corpo (Dando-lhes
ás mãos um bocado de couro), examinae-o,
e dizei-me se sabeis o que é?
[15]
E.—É um pedaço de couro.
P.—Recordae-vos do que dissemos hontem a
respeito da borracha, e dizei-me se o couro tem
com ella alguma parecença.
E.—Tem, sim, senhor; e bastante.
P.—Muito prazer me darieis se fizesseis favor
[16]
de me dizer porque se parecem esses dois corpos,
que em realidade são mui differentes.
[107]
E.—Dissemos que se parecem, porque ambos
são
opacos,
coriaceos e
macios.
P.—E não vos enganastes; mas o couro tem
outras qualidades, que podereis descobrir, se o observardes
com attenção.
E.—(Hesitam, e ficam-se a olhar para o professor).
P.—Se os olhos me não illudem, todos
vós tendes
nariz; ora, pois, servi-vos d'elle, consultae-o.
E.—(Cheirando o couro). Tem
cheiro.
P.—Assim é. Menino C..., dizei-me se todos os
corpos tem cheiro?
E.—Não, senhor; o vidro, e a louça,
não tem
cheiro.
P.—Lembra-vos alguma substancia, que tenha
cheiro?
E.—Lembram-nos muitas: o chá, o café, a
manteiga,
o vinagre.
P.—Quando uma substancia exhala cheiro proprio,
como diremos que é?
E.—
Cheirosa.
P.—
Cheirosas dizemos as que tem
cheiro proprio
ou alheio. Por exemplo: se deitarmos no lenço
de assoar algum arôma, tal como agua de Colonia,
ou almiscar, ficará o lenço
cheiroso; não obstante
não ter cheiro seu, proprio. Se porém uma
substancia
é dotada de cheiro, bom ou mau, como o
chá ou o petroleo, melhor lhe chamaremos:
odorifera.
E.—Pelo que dizeis, o couro é
odorifero.
[108]
P.—De certo. Digam todos em côro esse nome.
E.—
O-do-ri-fe-ro.
P.—Continuemos a examinar o couro. Além,
está o menino F... a dobrar aquelle pedaço,
provavelmente
para vêr se o póde partir em dois. Vejamos
o que elle nos diz da sua experiencia.
E.—Dobra-se, mas não se parte.
P.—E acontece o mesmo a todos os corpos?
E.—Não, senhor; ha bem pouco tempo parti
eu uma regoa de madeira, por querer dobral-a.
P.—Qual será a palavra com que possâmos
representar
a qualidade, que tem o couro, de se dobrar
sem se partir?
E.—(Silencio.)
P.—Pensae no caso, e lembrae-vos de que ha
palavras parecidas umas com as outras, ou parentas.
Por exemplo: bondade e bom; maldade e mau;
aquentar e quente; rasgar e rasgado.
E.—Já sabemos, como deveremos chamar aos
corpos, que se dobram facilmente, sem se quebrarem
ou partirem.
P.—Que esperaes, para nos dar esse alegrão.
E.—Chamar-lhes-hemos
dobradiços.
P.—-Deram no vinte; mas eu sei outro nome,
que quer dizer o mesmo, mas que é mais afidalgado,
e por isso menos vulgar. Vou escrevel-o no
quadro, e soletral-o-hão os que sabem ler. (Escreve
no quadro preto, na columna onde estão indicadas
as outras qualidades).
[109]
E.—(Em alta voz)
Fle-xi-vel.
P.—Qual dos meninos é capaz de me dizer o
nome da qualidade, ou propriedade em virtude da
qual são
flexiveis alguns
corpos?
E.—Deve chamar-se
flexibilidade.
P.—Muito bem respondeu o menino G... Não
se esqueçam os outros do que lhe ouviram, e fiquem
sabendo que, quando qualquer corpo se dobra,
como o couro, e como elle se não quebra ou
rasga, é porque tem
flexibilidade. Se não
temesse
cançal-os, ainda lhes havia de fazer mais perguntas
a respeito d'este corpo, que pelos serviços, que
nos presta, bem merece, que nos entretenhâmos
com elle.
[17]
E.—Podeis continuar, senhor professor, que não
estâmos cançados.
P.—Já que assim o quereis,
façâmos uma
experiencia.
Tomem quatro meninos este lenço pelas
quatro pontas e estendam-n'o, mas não muito. Outro
menino deite-lhe em cima uma pouca d'agua.
(Os meninos executam o que o professor lhes manda).
Que observaes?
E.—O lenço molha-se.
P.—E que mais acontece?
E.—A agua atravessa o lenço e cae no sobrado.
P.—Ponde agora este bocado de papel mata-borrão
[110]
sobre o
lenço, deitae-lhe por cima mais
agua, e vêde o que succede.
E.—Molha-se tambem o papel e deixa passar a
agua.
P.—Espremei o lenço, e dizei-me o que observaes.
E. (Espremendo o lenço)—Escorre a agua, que
o lenço tinha em si, e este fica menos molhado.
P.—Fazei com este bocado de couro o que fizestes
com o lenço; isto é, estendei-o horisontalmente,
e deitae-lhe agua por cima.
E.—A agua não pode atravessar o couro;
não
cae no chão.
P.—Entornae a agua, e vêde se o couro ficou
ensopado.
E.—Não ficou, não, senhor.
P.—Sabeis porque assim acontece?
E.—Não sabemos.
P.—Não se ensopa na agua, porque essa é
uma das suas qualidades, ou propriedades. De um
corpo, que a agua não atravessa, diremos que é
impermeavel
á agua.
E.—Fazeis mercê de repetir esse nome, que
não percebemos bem.
P.—Vou escrevel-o no quadro preto, para que
o leiam, e repetil-o-hemos depois com muito vagar.
(Escreve).
E.—-
Im-per-me-a-vel.
P.—Relanceae os olhos pelos objectos, que estão
n'esta aula, e dizei-me se haverá entre elles
algum, que seja
impermeavel
á agua.
[111]
E.—O vidro.
P.—Porque dizeis que é impermeavel á
agua o
vidro?
E.—Porque a agua não o atravessa.
P.—Podereis convencer-me com algum exemplo
de que a agua não atravessa o vidro?
E.—Bastará olhar para esse cópo, que
está cheio
de agua, e que não a deixa sair atravez das suas
paredes.
P.—Gostei muito da vossa resposta, que revela
muito siso, e me prova que vos ides acostumando
a comparar. E porque sois espertos e amigos de
saber, vos perguntarei mais, se o barro de que é
feita aquella bilha, que alem tenho, para me arrefecer
a agua, tambem é impermeavel?
E.—Não sabemos.
P.—Se a examinarem attentamente, sabel-o-hão
logo. Ora ide buscal-a para aqui.
E.—Esta bilha não é, como o couro e
vidro,
impermeavel.
P.—Dizei antes, o barro d'esta bilha, ou o barro,
de que esta bilha é feita, não é
impermeavel. Reparae,
que uma cousa é o objecto, o movel, o
corpo, que vemos, e outra cousa a materia, de
que o objecto, o movel, ou o corpo é formado.
Que é isto? (O professor mostra uma bola de
cêra).
E.—É uma bola.
P.—Bola ou esphera; mas de que?
E.—De cêra.
[112]
P.—(Transformando a bola de cêra em um
cilindro)—E
isto, que é?
E.—Um rolo.
P.—Certamente; é um rolo ou cilindro; mas
de que?
P.—De cêra.
P.—(Dando â cêra a forma
cubica)—O rolo
foi-se; isto, que é?
E.—Um dado de jogar.
P.—Vistes, que com a mesma materia, a
cêra,
formei tres corpos: uma bola ou sphera; um
rolo ou cilindro; e um dado de jogar ou cubo, os
quaes eu poderia ter feito de tres materias differentes,
por exemplo: de cêra, de barro e de madeira.
Acostumae-vos pois, desde agora, a distinguir
nos corpos a materia de que são feitos, da
maneira porque ella está limitada, ou, o que vem
a ser o mesmo, da sua configuração. Mas, tornando
à
permeabilidade do barro
d'esta bilha, desejo que
me esclareçaes, dizendo-me o fundamento, que tendes,
para asseverar, que é permeavel.
E.—Dissemos que não era impermeavel, porque,
estando vazia, se conserva secca, e pouco depois
de se lhe deitar agua humedece por fóra, provavelmente,
porque a agua passa atravez de suas paredes.
P.—Assim é. Tende paciencia, meus meninos,
de escutar mais uma pergunta com a qual porei
termo á nossa palestra. Quizera me dissesseis se o
couro serve para alguma cousa.
E.—Serve para capas de livros; para forrar
[113]
bahus e malas; para fazer botas, sapatos, corrêas,
luvas, sellins, e arreios para cavallos.
P.—Bravo! Quem respondeu com tanto acerto,
tem direito a ir brincar.
SETIMA
LIÇÃO
UM LIVRO
Examinando miudamente um livro, ficarão os
estudantes conhecendo as differentes partes de que
elle se compõe, seus nomes e usos; e adquirirão
as primeiras e elementarissimas noções
ácerca do
papel, da typographia, e dos algarismos romanos
e arabes.
P.—Meninos, como se chama isto? (O professor
mostra aos estudantes um livro encadernado.)
E.—Chama-se
livro.
P.—Todos vós tendes um livro?
E.—Temos, sim, senhor.
P.—Pegae, pois, nos vossos livros, e preparae-vos
para uma palestra, que vos ha de ser muito
agradavel.
E.—Vamos ler?
P.—Não, senhores; vamos conversar a respeito
do livro, como conversámos ácerca do vidro, da
borracha e do couro.
[114]
E.—Quereis que escrevâmos a palavra livro?
P.—Vá escrevel-a no quadro preto o menino H.
E.—(Escreve),
Li-vro.
P.—Talvez não tenhaes notado, que assim como
ha grupos de pessoas aparentadas, que constituem
familias, e que mais ou menos se parecem umas
com as outras; assim ha grupos de palavras tão
similhantes, que se não póde desconhecer, que
são
muito chegadas entre si, e como que parentas.
E.—Ainda não tinhamos reparado em tal.
P.—Prestae attenção ao que eu vou
escrever no
quadro preto (O professor escreve umas por baixo
das outras as palavras do exemplo, separando com
o hyphen o radical de cada uma)
Pomb-o,
pomb-a,
pomb-inho,
pomb-inha,
pomb-al,
pomb-alinho.
Todas estas palavras formam uma familia
[18].
Cas-a,
cas-inha,
cas-ão,
cas-arão,
cas-eiro,
ca-sal,
cas-alinho,
cas-aleiro,
cas-aría,
cas-ebre (Todos
estes nomes sejam escriptos uns por baixo dos outros,
ao lado dos nomes do primeiro exemplo, e
mui claramente pronunciados á
proporção que se
forem escrevendo). Aqui tendes outra familia.
Carr-o,
carr-inho,
carr-ete,
carr-eta,
carr-etilha,
carr-ocim,
carr-uagem,
carr-oça,
carr-oçada,
carr-etão,
carr-etada,
carr-eteiro,
carr-eto,
carr-iagem,
[115]
carr-icoche,
carr-oceiro,
carr-oçar,
carr-il,
carr-omato. Outra familia e
não pequena.
Se bem attenderdes, percebereis, que as palavras
do primeiro grupo começam todas pelas lettras
pomb; as do segundo pelas lettras
cas; e as do
terceiro pelas lettras
carr.
As primeiras—
pomb—representam
a
idéa—pombo;
as segundas—
cas—representam a
idéa—casa;
as terceiras—
carr—a
idéa—
carro.
Agora que estaes iniciados n'este segredo, podereis
dizer-me se a palavra—
livro—tem
algumas
parentas?
E.—Tem uma parenta.
P.—Fazei favor de me dizer qual é.
E.—A palavra
livrinho.
P.—Só essa?
E.—Tem outra parenta, que é
livrete.
P.—Procurae bem, que achareis mais.
E.—
Livraria.
P.—Não sabeis o nome, que se dá, por
desprezo,
a um livro pequeno e mau?
E.—Chama-se-lhe
livreco.
P.—Como denominaes os homens, que negoceiam
em livros?
E.—
Livreiros.
P.—Fazei favor de me repetir os nomes de que
se compõe a familia, cujo pae é a palavra livro.
E.—
Livro,
livrinho,
livrete,
livraria,
livreco,
livreiro.
P.—Muito bem. Agora se vos não custar muito,
[116]
dizei-me qual é a parte, que em todas essas seis
palavras sôa, quando as pronunciâmos, e se
vê,
quando as escrevemos, constante e inalteravel.
E.—É o principio. É
livr.
P.—Menino B, escrevei essas lettras no quadro
preto.
E.—
Livr.
P.—Olhando para aquellas lettras, que vos
lembra?
E.—Lembra-me um livro.
P.—Fique-vos pois de memoria, que ha muitas
palavras, que se podem dividir em duas partes; e
que a primeira d'ellas, que figura em todos os
membros da familia, lembra a idéa da cousa, claramente
representada no termo, de que a familia
toda procede.
Que figura tem este livro? (O professor mostra
um livro.)
E.—É quadrado.
P.—Quadrado não é elle; é
quadrilatero.
Repeti, partida em syllabas, esta palavra.
E.—
Qua-dri-la-te-ro.
P.—Agora de uma só vez.
E.—Quadrilatero.
P.—Sabeis o que quer dizer a palavra quadrilatero?
E.—Não, senhor.
P—-Quer dizer: Figura de quatro lados, ou superficie
fechada por quatro linhas.
Reparae para a figura que vou desenhar no quadro
[117]
preto. (O professor traça um parallelogrammo,
retangulo, um quadrado e um losango) Todas estas
figuras são quadrilateros; mas apenas esta
(Aponta o quadrado) se póde chamar quadrado
[19].
Tenho aqui sobre a mesa uns poucos de pedaços
de papel, vinde cá, e escolhei um que seja
quadrado.
E.—Eil-o.
P.—Muito bem. Agora desenhe o menino A. no
quadro preto um quadrado.
E.—(Desenhando). Aqui está desenhado.
P.—Como chamareis a esses riscos, que formam
o quadrado?
E.—
Linhas.
P.—Sabeis que outro nome se dá ás
linhas,
quando são direitas como essas, que ahi desenhastes?
E.—Não, senhor.
P.—Dá-se-lhes o nome de
linhas
rectas. Todos
esses quadrilateros são formados de linhas rectas.
Olhae agora para os vossos livros, e dizei-me
como se chama a sua parte externa, a parte de
fóra.
E.—Chama-se
capa.
P.—Por que lhe dariam esse nome?
E.—Talvez pela analogia, que tem com a capa
ou capote, que usam homens e mulheres.
[118]
P.—Mas a capa dos livros não tem góla,
nem
cabeção, nem roda, como é uso terem os
nossos
capotes.
E.—Certo é que nada d'isso tem; mas reveste
o livro, e o resguarda, como o capote resguarda
o fato; que lhe fica por baixo.
P.—Respondestes optimamente. Dizei-me se as
capas dos livros tem todas a mesma consistencia.
E.—Não, senhor; umas são duras e
grossas;
outras, delgadinhas e molles.
P.—Assim é. De que materia fazem as capas
dos livros, quando duras e grossas?
E.—De
papelão.
P.—É verdade; mas noto, que sendo o
papelão
aspero e feio, as capas dos livros são macias
e bonitas. Sabereis explicar-me a razão d'isto?
E.—É porque revestem o papelão de papel
de
côres, de panno, ou de couro pintado.
P.—Bravo! muito bem. Como se denominam
os artistas, que fazem as capas dos livros e lh'as
põem?
E.—
Encadernadores.
P.—Como se diz que está um livro, a que o
encadernador poz uma capa consistente, como a
d'estes, que temos nas mãos?
E.—Diz-se que está
encadernado.
P—E quando um livro está apenas coberto
com uma capa de papel, como este, que vos mostro?
E.—Diz-se que está
brochado.
[119]
P.—Se um artista se empregar exclusivamente
em brochar livros, como lhe chamaremos?
E.—Não sei.
P.—Chamar-lhe-hemos
brochador.
E.—Os encadernadores não são tambem
livreiros?
P.—
Livreiro é a pessoa,
que negoceia em livros,
que os compra e vende. Ha, porém, individuos,
que exercem ambas as industrias, isto é, que
compram e vendem lívros, e que os encadernam.
Continuemos a examinar o nosso livro, e em
primeiro logar fazei obsequio de me indicar o nome
d'esta parte (O professor indica a lombada).
E.—Não sei como se chama.
P.—Chama-se
lombo, ou
lombada.
E.—Porque dariam a esta parte tão estrambotica
denominação?
P.—Provavelmente em consequencia de ter
certa analogia de fórma e posição com
as costas
ou lombo do homem.
E.—Tenho notado, que é a lombada a parte,
que os encadernadores mais esmeradamente aformoseam.
Porque será?
P.—Admira-me não vos occorrer a razão
d'isso!
Porque será, menino B.?
E.—Eu não sei.
P.—Dizei antes: Não sei. É preciso
não abusar
do
eu e do
tu. Muito mais elegante, conciso e
energico
é dizer: Não sei, não quero,
não posso, do
que: Eu não sei, eu não quero, eu não
posso.
[120]
Menino C, porque motivo adornam os encadernadores
as lombadas dos livros mais do que o
resto da capa?
E.—Não sei.
P.—Respondei, menino M.
E.—Enfeitam mais as lombadas, se me não
engano, por ser a parte, que mais se vê, quando
os livros estão na estante.
P.—Assim é. Examinae o lombo do vosso livro
e dizei-me o que notaes?
E.—Traços e adornos dourados.
P.—Mais nada?
E.—Lettras, tambem douradas.
P.—Que dizem essas lettras?
E.—«Motta»—«Quadros
de
historia».
P.—Aos dizeres, que os livros tem na parte
superior do lombo, que nome se dá?
E.—
Titulo.
P.—A palavra «Motta», que está
ahi a
dizer?
E.—O nome do auctor.
P.—E as outras?
E.—O assumpto.
P.—Vede a lombada d'est'outro livro. Tem tão
poucos dizeres, como a d'esse, por onde habitualmente
ledes?
E.—Não, senhor; tem mais.
P.—Que mais tem?
E.—Uma lettra de conta.
P.—De que palavra nos deveremos servir, para
designar o que chamaes lettra de conta?
[121]
E.—Não sei.
P.—O menino, que souber responder á minha
pergunta, responda.
E.—Não se deve dizer lettras de conta, mas
algarismos.
P.—Muito bem. Se temos palavra apropriada
para indicar os signaes representativos dos numeros,
evitemos um rodeio.
Que algarismo tem esse livro na lombada?
E.—O algarismo 2.
P.—Para que pozeram ahi o algarismo 2?
E.—Para indicar que este livro é o segundo
volume da obra.
P.—Exactamente.
E.—Todas as obras constam de dois volumes?
[20]
P.—Não se riam da pergunta do menino S.;
ninguem nasce ensinado, e quem não pergunta fica
ignorando muitas cousas. Agora conversemos nós,
menino S. Ha obras completas em um volume, e
d'essas tendes exemplo nos «Quadros de historia
portugueza»; tambem as ha em dois, tres, quatro
e até em dez, vinte e mais volumes. Quando uma
obra principia e acaba no mesmo volume não é
necessario pôr-lhe nem externa nem internamente
nenhum algarismo; se principia n'um volume e
continúa e acaba n'outro, marca-se externamente
o primeiro com o algarismo 1 e o segundo com
[122]
o algarismo 2; se a obra se estende por tres
ou quatro volumes, põe-se na lombada do primeiro
o algarismo 1, na do segundo o algarismo 2, na
do terceiro 3, na do quarto 4, etc.
Menino H., para que serve o titulo do livro escripto
na lombada?
E.—Para facilmente darmos com elle sem ser
necessario abril-o.
P.—Como se nomeiam estas partes da capa
dos livros? (Pondo o dedo nos cantos.)
E.—
Cantos da capa.
P.—Abri os vossos livros e dizei-me como se
chamam essas laminas de papel, que a capa envolve
e resguarda?
E.—Chamam-se
folhas.
P.—Esse nome applica-se a muitas cousas: folhas
de arvores, folhas de espadas, folhas de papel,
folhas de serra, folhas de madeira, folhas das
mangas do jaleco, etc.
Explicae-vos, pois, de modo, que todos fiquem
sabendo a quaes folhas alludis.
E.—A nenhuma das que citastes. As folhas, que
estamos vendo, são folhas do livro.
P.—Cada uma folha de livro tem duas faces;
sabeis que nome se lhes costuma dar?
E.—É costume chamar-lhes
paginas.
P.—A primeira e ultima folha dos livros, nas
quaes nada ha escripto, e que ás vezes são de
papel
pintado, como se chamam?
E.—Não sei.
[123]
P.—Qual de vós outros me póde
responder?
(Silencio).
P.—Chamam-se
guardas, porque
estão ali,
como que para defenderem as folhas impressas
da acção da poeira, dos insectos e das impurezas
dos ledores menos aceiados.
Ha tambem nos livros
ante-rôsto e
rôsto. Fazei
mercê de m'os indicar.
E.—O
ante-rosto deve de ser esta
folha escripta
só de um lado, e que diz apenas: «Quadros de
historia portugueza» o
rosto deve de ser a folha,
que se segue immediatamente ao ante-rosto, tambem
só de um lado escripta.
P.—Que significam essas duas palavras:
ante-rôsto?
E.—Parece-me que querem dizer: folha, que
antecede a do rôsto.
P.—Exactamente. Sabeis que outro nome se dá
á folha do rôsto?
E.—
Frontispicio.
P.—Desejava saber por que ao frontispicio chamam
tambem, rôsto. Se algum de vós me poder
esclarecer, far-me-ha muito obsequio, satisfazendo
o meu desejo.
E.—Eu não sei; não sei; eu tambem
não.
P.—Parece-me que não ha de ser necessario irmos
a Coimbra, para explicar similhante bagatella.
E.—Bagatella!?
P.—Ides ver se o é, ou não. Como se
chama
esta parte do nosso corpo? (Apontando o rôsto).
[124]
E.—
Cara.
P.—Não tem outro nome?
E.—
Semblante.
P.—Não tem outro nome?
E.—
Face.
P.—Não tem ainda outro nome?
E.—Ah! Chama-se
rosto.
P.—Que quiz dizer esse ah!?
E.—Já sabemos porque ao frontispicio dos livros
se chama tambem rôsto.
P.—Se sabeis, dizei-m'o.
E.—Chamam-lhe rôsto, por que em a gente
olhando para aquella folha, logo conhece o livro,
como conhece uma pessoa, em lhe vendo a cara.
P.—Para conhecer um livro, isto é, para saber
de que trata, parece-me que não é indispensavel
examinar-lhe o rôsto; bastará ler o titulo, ou
ante-rôsto.
E.—Não é exactamente o mesmo, para
tomar
conhecimento de um livro, ler o titulo ou o ante-rôsto,
ou o rôsto, porque este indica muitas mais
cousas, que aquelles.
P.—Dizei quaes são.
E.—O titulo da obra por extenso, o nome todo
do auctor, a typographia, a terra onde foi impresso
e até o anno.
P.—Bravo! bravo! sr. estudante, muito bem.
As vossas respostas animam-me. Dizei-me se o papel,
de que são feitos os livros, é uma substancia
natural, isto é, que se encontre feita, como se encontra
[125]
a pedra, a agua, a madeira, o barro, a
areia, ou se é um producto da arte, quero dizer,
feito pelo homem.
E.—É producto da arte.
P.—Já alguem vos disse de que é
fabricado o
papel.
E.—Não, senhor.
P.—Quereis saber?
E.—Se queremos....
P.—Fabrica-se de trapos de linho, canamo, e
algodão.
E.—De trapos?!
P.—Sim, de trapos.
E.—Eu pensava que os trapos não prestavam
para nada!
P.—Qual é a cousa, que não tem algum
prestimo?
Os trapos, que vós despresaveis, e tinheis
em conta de nada, são uma riqueza, e prestam
grandissimo serviço á industria, ás
artes, ás sciencias
e á moral. São um instrumento indirecto do
progresso da humanidade.
E.—Como se faz o papel?
P.—Não posso agora satisfazer a vossa louvavel
curiosidade. É muito complexo o seu fabríco
para que vol-o possa expor de modo, que d'elle
fiqueis fazendo perfeita ideia; em vós tendo mais
alguns conhecimentos eu vol-o indicarei por miudo.
E.—O papel é todo da mesma qualidade?
P.—Não é; e aqui tendes a prova (O
professor
mostra á escola papel de imprimir, papel de
[126]
escrever, de filtrar, de embrulho, de seda, pintado,
etc. e vae indicando os nomes de cada um). São
de differentes tamanhos estas folhas. A grandeza
de cada uma indica-se pela palavra
formato, a qual
tambem se emprega para representar a grandeza
dos livros e jornaes.
E.—Para que tem este livro na parte inferior
da pagina do rôsto a palavra
«
Lisboa»?
P.—Já se disse que é para mostrar a
terra em
que foi impresso.
E.—Os livros são impressos?
P.—Não se riam os meninos, que sabem uma
cousa, quando outro, que a ignora, se quer illustrar,
e pede que lh'a ensinem.
Ha livros escriptos de mão, como este (Mostra
um livro, ou caderno manuscripto) e muitos
existem nas bibliothecas; dizem-se
manuscriptos.
Actualmente, porém, a maioria, a quasi totalidade
dos livros são
impressos
isto é, são feitos com estas
lettras de metal, a que chamâmos
typos. Eil-os.
(O professor toma um componedor, poderá ser
dos que usam os compositores de bilhetes de visita
e compôe algumas palavras). Vou compor uma linha,
para que vejaes, como se compoem os livros.
E.—E isto (Apontando o componedor) como se
chama?
P.—
Com-po-ne-dor.
E.—Ha de ser necessario molhar essas lettrinhas
em tinta; quereis que vamos buscar o tinteiro?
[127]
P.—A tinta, de que se servem para imprimir,
não é a de que usâmos para escrever.
É feita com
outras materias muito differentes, e chama-se
tinta
de impressão. Aqui tenho um bocadinho
n'esta
caixa. Com esta
bala
mólho os typos; ides vêr como
as palavras ficam impressas no papel (O professor
executa o que vae dizendo). Estou fazendo de typographo.
E.—
Typographo? O que quer isso
dizer?
P.—Typographo é o artista, que se occupa em
juntar os typos uns aos outros, para formar as palavras,
e estas entre si, para fazer as linhas, e as
linhas para completar as paginas, e as paginas para
concluir uma
folha de
impressão.
E.—
Folha de impressão
não é o mesmo que a
folha de um livro?
P.—
Folha de impressão
é isto. (Mostra uma folha
de impressão).
E.—Os livros são impressos como vós
agora
imprimistes essa linha?
P.—Não, meu menino; nas
typographias ha apparelhos
para imprimir, aos quaes chamamos
prélos.
E.—Fallastes em
typographias; o que
é typographia?
P.—É a officina onde se compõem e
imprimem
livros, jornaes, e outros papeis. Tambem se chama
imprensa?
E.—Estou vendo sr. professor, que não é
só
na lombada que os livros tem algarismos, tambem
os tem no alto das paginas.
[128]
P.—Resta saber para que elles ahi foram postos.
E.—Foram aqui postos para com facilidade se
poder achar e indicar qualquer passagem do livro.
P.—Para concluirmos este intertenimento, far-lhes-hei
mais uma pergunta. Como todas as cousas
tem nome é provavel que tambem o tenham essas
porções em branco, que cercam, em cada pagina,
a parte central impressa; qual será elle?
E.—Estas porções das paginas chamam-se
margens.
P.—Optimamente.
Dos poucos exemplos, que ahi ficam expostos,
poderão inferir a utilidade e attractivos do ensino
intuitivo as pessoas, que d'elle não tenham ainda
conhecimento. Cerrando este livro, que escrevemos
com sincero desejo de servir a educação e
instrucção, devemos declarar, porque é
de justiça
que assim o façâmos, que na Escola normal do
sexo masculino, em Marvilla, de que foi director
e professor o intelligente e laborioso sr. Luiz
Filippe Leite, com cuja amizade nos honrâmos, se
ensinou muito e bem pelo methodo intuitivo, que
em mãos tão habeis como as do sr. Leite e seu
irmão o sr. Pedro Leite, de certo produziu optimos
resultados, de que sentimos não poder dar
aqui minuciosa noticia.
INDICE
|
Pag. |
Carta do auctor ao Ex.mo Sr.
Conselheiro
José Silvestre
Ribeiro |
5 |
O Ensino intuitivo |
9 |
Primeira
lição |
60 |
Segunda
lição |
72 |
Terceira
lição |
79 |
Quarta
lição |
92 |
Quinta
lição |
97 |
Sexta
lição |
106 |
Setima
lição |
113 |
Obras á venda na loja de
livros de Ferreira,
Lisboa & C.a, 132, rua do Ouro,
134, Lisboa
O PAE NOVO, commentario ou
interpretação das
dez Eclogas ou Bucolicas de
Publio Virgilio Maro,
1 vol. br. |
|
1$000 |
|
|
|
|
NATIVIDADE (J. A. C.
da)—Fundamento de analyse
grammatical e de estylo, e de composição de
themas, 1 vol. br. |
|
650 |
|
|
|
|
SYNOPSES e apontamentos
grammaticaes para facilitar
a analyse das orações aos alumnos de
instrucção
primaria e aos do 1.º anno de portuguez,
1 vol. cart. |
|
200 |
|
|
|
|
TAVARES
(H.)—Principios geraes de arithmetica,
e systema metrico, 1 vol.
br. |
|
60 |
|
|
|
|
DIAS (J. A.) |
—Synopse das
religiões e seitas etc.,
1 vol. br. |
|
500 |
» |
—Nova
Grammatica franceza, 2.ª
edição
br. |
|
300 |
» |
—Novissima
Grammatica ingleza, 1
vol. br. |
|
480 |
|
|
|
|
BALMES (D. Jayme)—Elementos de Logica,
1 vol.
br. |
|
300 |
|
|
|
|
METHODO ZABA para o estudo da Historia
Universal, com mappa
chronologico, chave e taboa de exercicio, 1 vol.
br. |
|
200 |
|
|
|
|
MARÇAL A. DE
CARVALHO—Problemas de Algebra, 1 vol.
br. |
|
500 |
|
|
|
|
CHAGAS (M. P.)—Portuguezes illustres,
2.ª
edição, 1 vol.
br. |
|
200 |
|
|
|
|
FRADESSO DA SILVEIRA (J. H.)—Estudos,
1 vol.
br. |
|
500 |
Neste volume agrupou o auctor, oito
interessantes
artigos em que se expõem as questões mais
momentosas da estadistica; como instrucção
primaria
e professional, associações de soccorros,
exposições, fazenda, etc. etc. |
|
|
|
|
|
|
M. M.—Exercicios de cacographia
portugueza,
br. |
|
100 |
|
|
|
|
MACEDO (J. Tavares de)—Elementos de
Orthographia portugueza,
br. |
|
80 |
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BAPTISTA (A. M.)—Algumas
considerações
sobre as
diversas fórmas comparativas e superlativas da lingua
portugueza,
br. |
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80 |
Á VENDA
NA MESMA LIVRARIA
132—RUA AUREA—134
Telles (J. J. de
Sousa)—Annuario
portuguez
scientifico, litterario e artistico—-1863,
broch. |
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1$000 |
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Simões
(Dr. Augusto Filippe)—Erros
e
preconceitos da educação physica, 1
vol. charp.broch. |
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400 |
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Noirlieu (Abbade
Martinho)—Biblia
da
mocidade, historia do antigo e novo testamento. Approvada
pelo conselho geral de instrucção publica, para
uso das
escolas, 1 vol. cart. |
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240 |
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Barata (Antonio
Francisco)—Estudos
da lingua
portugueza,
2.ª edição accrescentada e conforme ao
programma official de portuguez,
br. |
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350 |
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Fradesso da
Silveira—(J. H.) Compendio
do novo
systema legal de pesos e medidas,
4.ª
edição,
broch. |
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240 |
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Guedes (J.
R.)—Curso de
physica
elementar.
Nova edição,
3 vol., com gravuras,
broch. |
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2$400 |
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Guedes (J.
R.)—Curso de
historia
natural
elementar,
1 vol., com gravuras,
broch. |
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1$500 |
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Lopes (J.
J.)—Taboada
methodica
dos rudimentos de
arithmetica, broch. |
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200 |
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Rodrigues (J.
Julio)—Mineralogia,
1. vol.
broch. |
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200 |
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Vidal (A. A. de
Pina)—Curso
de
meteorologia, 1 vol.
broch. |
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600 |
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Viale (A.
J.)—Novo
epitome de
historia de
portugal, adoptado pelo conselho geral de
instrucção
publica, 1 vol.
broch. |
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200 |
Lisboa—Typ.
Universal—1873
Notas:
[1]
Ácerca d'este assumpto, bem como de muitos
outros
pontos da linguagem portugueza consulte-se a
Orthographia
portugueza e missão dos livros
elementares, correspondencia
official relativa ao «Iris Classico» pelo sr.
Conselheiro
José Feliciano de Castilho Barreto e Noronha.
Edição do Rio de Janeiro. N'este livro, que
é um verdadeiro
thesouro de bôa doutrina, esplende a intelligencia e
erudição de um dos escriptores nacionaes, que
mais honram
as nossas lettras. Pena é que poucos em Portugal
conheçam
obra de tanto merito.
[2]
Temos
visto muitas vezes nas escolas estarem as
crianças
a ler com os livros nos joelhos, o tronco recurvado e a
bocca quasi perpendicular ao horisonte. Aquella postura
prejudica a saude, difficulta a emissão da voz,
cança em
pouco tempo o ledor, e não o deixa vêr os acenos
do mestre,
tendentes a dirigil-o no andamento, pausas,
intonações,
etc.
[3]
Braun Exercices par intuition, ou Questionaire a l'usage
des ecoles gardiennas, etc. Bruxelles—1865.
C. Mayo—Lecciones sobre objetos destinados para
niños
de cinco a ocho años, traducidas del orijinal
inglés.
Madrid—1849.
Foi nosso primeiro intento trasladar para este livro
ipsis
verbis as primeiras lições dos
dois afamados professores;
por motivos, porém, que escusado é expor,
resolvemos tomar
d'ellas apenas os liniamentos, redigindo-as a nosso modo.
[4]
Expressão popular e grosseira, que vale tanto
como:
Elle te castigará severamente.
[5]
N'estes primeiros exercicios vão as respostas,
que provavelmente
os estudantinhos darão aos professores; nos
outros, as respostas poder-se-hão deduzir das
Exposições,
que anteporemos a cada exercicio. Como estes livrinhos
não são exclusivamente para os professores, os
quaes de
certo possuem sufficiente cabedal de conhecimentos, mas
para mães, paes, e outros educadores menos preparados
para o ensino, pareceu-nos de muita conveniencia subministrar-lhes
os indispensaveis subsidios nas
Exposições, as
quaes dispensarão, até certo ponto o estudo nos
livros dos
assumptos dos exercicios.
[6]
O dialogo aqui traçado para um,
deverá ser ampliado
e sustentado com todos os estudantes, que tiverem entrado
ao mesmo tempo, havendo o maior disvelo em tornal-o
quanto possivel deleitavel e variado.
[7]
Parece á primeira vista mui pequeno o prestimo
do
quadro preto n'uma aula, e na
realidade é muito util. Convem
que todas as aulas de meninos e meninas o tenham;
e que d'elle se sirvam amiudadas vezes professores e discipulos
para os exercicios de soletração, orthographia,
analyse,
arithmetica, desenho, etc.
[8]
Não se estranhe o emprego da palavra
geringonça. As
creancinhas são faceis de contentar; alegram-se e riem com
o simples emprego de palavras menos triviaes, e proseguem
mais contentes no estudo. Se ao explicar-lhes as regras
elementares da syntaxe o professor lhes der o seguinte
exemplo: O sol é brilhante, escrevem-n'o e analysam-n'o
sem enthusiasmo; se o professor lhes disser: O gato é
manhoso,
riem, alegram-se e atiram-se á analyse da
oração de
muito boa vontade. Ainda que estas e outras particularidades
do ensino infantil pareçam aos sabios puras
insignificancias,
não as desprese o mestre, que tiver a peito o progresso
dos pequeninos.
[9]
Dividimos a palavra «cavallete» sem
attender á regra
orthographica, que manda repartir as consoantes dobradas
pelas duas syllabas, para não falsearmos a
pronunciação;
se assim não fizessemos, teriamos: Ca-val-le-te, que se
não
diz, nem poderia razoavelmente dizer-se.
[10]
Desculpe-se-nos que insistamos em aconselhar aos mestres,
que não sejam avaros de louvores, quando os estudantes
os merecerem. É um grande incitamento o applauso para
o que o recebe e para os que o presenceiam.
[11]
Novamente declarâmos que estas
lições não são traduzidas,
mas quasi exclusivamente nossas.
[12]
Todos estes nomes se dão á
substancia, de que nas aulas
se servem para apagar os traços, que o lapis deixa no
papel. Aos meninos será conveniente indical-a pelo nome
de
borracha, porque é o
mais commummente usado. Mais
tarde se lhes dirá que nem este, nem o de
gomma elastica
se deveriam empregar. Como hoje se usa muito do caoutchouc
vulcanisado, tenham os professores a cautela de apresentarem
para a lição, o escuro, isto é, o que
não está combinado
com enxofre.
[13]
Esta lição vem apenas apontada no
livro do professor
Mayo.
[14]
Quasi todos os objectos, que eram feitos de caoutchouc
simples, são agora fabricados com a mesma substancia
vulcanisada,
isto é combinada com certa quantidade de enxofre,
e por tanto differente na côr, no cheiro, e em
outras
propriedades
do caoutchouc extreme. Se algum menino reparar
na differença e fizer pergunta a tal respeito, dir-lhe-ha o
professor o bastante para esclarecel-o, attendendo ao que
atraz recommendámos, que não se trate a fundo de
cousas
para entender as quaes as crianças não estejam
preparadas.
[15]
Esta lição vem apenas indicada no
livro do professor
Mayo.
[16]
Recommendam Madame Marie Pape Carpentier e outros
pedagogistas, que se tratem as criancinhas com toda
a delicadeza, que em vez de se lhes ordenar que façam
uma cousa, se lhes peça por favor que a executem, e que,
se lhes agradeça com urbanidade o terem satisfeito os nossos
pedidos. Este modo de proceder com os pequeninos tem
tres grandes vantagens: desenvolve nos meninos o sentimento
da propria dignidade, captiva a sua benevolencia, e
acostuma-os a serem delicados.
[17]
Não é para desprezar, no ensino das
crianças, este innocente
meio de lhes excitar a curiosidade, tenteando ao
mesmo tempo o prazer, ou enfado, de que estejam tomadas.
[18]
O fim d'este exemplo não é ensinar
philologia ás criancinhas,
mas il-as habituando a distinguir nas palavras as
«radicaes», cujo valor mais tarde
perceberão. O termo «familia»
tome-se como synonimo de aggregado de palavras
em que a idéa representada pela radical é a
mesma.
[19]
Não se define o quadrado, porque os estudantes
não
sabem ainda o que seja angulo, e menos o que seja angulo
recto.
[20]
A lettra E, inicial de estudante, não
está n'estas lições
indicando um só e sempre o mesmo estudante; mas o estudante,
a que o professor julga conveniente dirigir-se.
Lista de erros corrigidos
Aqui encontram-se
listados todos os erros encontrados e corrigidos:
* corrigido de acordo com
notas/erratas fornecidas no livro.