The Project Gutenberg eBook of Alocução ao Senhor Presidente da República

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Title: Alocução ao Senhor Presidente da República

Author: João Duarte Oliveira

Release date: December 11, 2010 [eBook #34621]
Most recently updated: January 7, 2021

Language: Portuguese

Credits: Produced by Mike Silva

*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK ALOCUÇÃO AO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA ***



ALOCUÇÃO

AO

Senhor Presidente
da República

PROFERIDA

PELO

PRESIDENTE DA COMISSÃO EXECUTIVA DA CAMARA MUNICIPAL

Dr. João Duarte de Oliveira

 

 

 

 

COIMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
1919

 

 

 

 

ALOCUÇÃO

AO

Senhor Presidente
da República

PROFERIDA

PELO

PRESIDENTE DA COMISSÃO EXECUTIVA DA CAMARA MUNICIPAL

Dr. João Duarte de Oliveira

 

 

 

 

COIMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
1919

 

 

 

 

EXCELENTÍSSIMO PRESIDENTE DA REPUBLICA PORTUGUESA:

 

Na minha qualidade de Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Coimbra, ao ter de brindar V. Ex.ª, sinto que se apoucam as minguadas forças do meu espirito para a condigna elevação de minhas saudações até à dignidade de tão alta posição, e até às culminâncias não menos altas do Vosso mérito.

Se, em meu nome individual, eu viera para levantar aqui a minha voz sincera, mas destoante, por sua insignificância, do vibrante esplendor festivo em que fulgura esta hora viva, certamente a comoção tomaria o passo á ousadia; e o meu silêncio seria o melhor bocado de oiro, com que eu podia contribuir para que a fulgência de tanto brilho se não minguasse com este reflexo pálido da minha palavra, de arte tão empobrecida.

Mas a imponência do imperativo, que me comanda, não admite escusa--Tenho de falar.{4}

 

 

 

 

EXCELENTÍSSIMO PRESIDENTE:

 

A cidade de Coimbra recebeu-vos com os sentimentos da mais sincera elevação e nobreza que os seus brios patrióticos impõem a uma condigna saudação ao Supremo Magistrado da Nossa República.

Aprumou-se numa exaltação jubilosa, para que pudésseis medir a envergadura do seu entusiasmo; mas curva-se, perante Vós, na reverência profunda do seu respeito à dignidade da alta Magistratura que representais.

Vão, pois, os nossos cumprimentos à Vossa Pessoa ilustre, frementes do sentimento profundo que o mais acrisolado patriotismo pode acender em corações portugueses.

A subida honra da visita de Vossa Excelência a esta Cidade, marca, nos fastos da sua história brilhante, uma data de relevo e esplendor seguramente nunca excedido, se é que alguma vez já foi igualado.

De esperar seria, pois, que, aqui, na minha voz, ressoasse um eco, ao menos, dêsse entusiasmo que canta e ri em todos os corações, e dessa alegria que trasborda dos peitos de todos nós, como filhos desta Pátria querida, agora aconchegados em torno do mais ardente dos seus corações e da mais fúlgida das suas almas.

Mas onde há dotes de eloquência rara, ou àsas de inspiração profunda, que possam apanhar em síntese{5} as vibrações que enchem estes ares de harmonias, ou iriar com brilhos aurifulgentes as facetas rútilas do alto sentimento patriótico que, em Vossa Excelência, se incarna divinamente?

Eu quisera ser o taumaturgo ou o iluminado capaz de caldear, nas forjas duma alquimia sobrenatural, as almas e os corações, num bloco de diamante, onde fulgurasse a condensação luminosa das radiações dos mais puros ideais; porque, então, no silêncio duma comoção profunda, eu passaria da minha mão à vossa mão, esse bloco mudo que, só nas scintilações do seu brilho, vos diria melhor que todas as frases, qual a moeda de gratidão com que a Cidade de Coimbra pagava a subida honra de Vossa visita.

E eu não Vos diria nada.

Mas nessa síntese sublimada da quintessência dos puros ideais, Vós saberieis ler tudo; porque em todas as faces brilhariam reflexos da Vossa luminosa Alma sublinhados pelo nosso amor, e de cada aresta chispariam scintilações como os relampagos da Vossa eloquência, falando-vos assim a Alma de Coimbra, num simbolismo de luz, a única linguagem digna dEla e de Vós.

 

EXCELÊNCIA! Se, em nome do Município de Coimbra, eu brindo, jubilosamente, ao Excelentíssimo Presidente da Nossa República, como cidadão português, eu não posso deixar de brindar tambêm em{6} Vossa Excelência a pessoa alta e nobre do Excelentíssimo Dr. António José d'Almeida, como figura aureolada pelo nimbo esplendoroso das mais lídimas virtudes cívicas.

A sua estatura moral não é função, apenas, dum determinismo político, porque as proporções elevadíssimas do molde social, em que se enquadra, ampliam-se pela exuberância do prestígio pessoal que Vos ilustra; com a dignidade da elevada Magistrura que representais, defronta-se altíssimo, tambêm, o pedestal de todos os corações que Vos elevam à suprema incarnação dos nossos sentimentos patrióticos.

Jámais, na atmostera bucólica desta terra linda, tão impregnada de lirismos poéticos, esvoaçou a pomba alada dum espírito, que mais se desprendesse do tremedal da terra para o céu dos altos ideais; e foi nessa altitude ampla da ideia que um forte amor patriótico vos inspirou o pensamento scintilante e fogoso, revelando vosso génio dominador e empolgante, pelo brilhantismo do Verbo ao serviço de radiosa esperança.

Essa alma, exuberante de aspirações generosas, faiscando em reflexos diamantinos de puros sentimentos iluminados, ensaiou aqui suas asas de condor, a pairar sobre o pântano duma monarquia pútrida, naquele vôo firme de águia que só poisa nos píncaros da crista montanhosa; e, sempre imerso no azul das alturas, respirando sempre e só o oxigénio{7} dos ares limpos, jámais conspurcando-se ao contacto da Terra suja, irradiou daqui o vosso verbo luminoso como luz de névoa doirada que fosse despedida do alto, a espargir clarões de redenção sobre os negrumes desta Pátria, que se esfacelava no Calvário da História, agonisante de impotência, exangue de vitalidade, num pessimismo sem alentos, exausta de futuro e moribunda de esperanças.

Foi aqui que Vosso Coração, abrasado num patriotismo ardente, se acrisolou nas chamas do ideal libertador; e, ao fogo das próprias inspirações, ganhou a incandescência que vos fez astro, a refulgir no Céu da Pátria, entre todos os que muito brilham nas órbitas da nossa História.

Rasgando a nuvem torva que ensombrava os horizontes do futuro à vida da nação, fulminaram os raios da vossa eloquência a luz daqueles relâmpagos, com que a palavra inspirada do tribuno mais empolgante abria os olhos ao povo, sobre os negrumes da hora triste que passava.

E essa língua em labaredas, verbo em chamas purificadoras, feito cautério de luz e fogo, aplicou-se à terapêutica deste país, fistulando o abcesso da corrupção política, que lhe corroía as fibras da acção e estrangulava os anceios de Liberdade.

Mas, revolvendo os miasmas do pântano, por muito que nas rajadas do seu verbo redemoinhassem as toxinas da podridão que agitava aos ares, jámais a assepsia rigorosa da límpida atmosfera do seu{8} espírito, se contaminou da virulência menos leal duma ideia duvidosa ou facto suspeito, que infiltrasse leve sombra na pureza austera da sua alma imaculada sempre.

Nessa luta ingente, de ímpetos e ardores indomáveis, que vos encheram de convulsões épicas a grande vida de revolta até 1910, nunca, como Vós o dissesteis--«o braço se erguia para dar um golpe sem a outra mão desabotoar a camisa desnudando o peito ao ferro do inimigo».

Os exemplos comoventes daquela lealdade heróica com que algumas figuras de lenda, desde a aurora incipiente da nossa infância nacional, bafejaram alguns episódios épicos da nossa História, resurgiam no coração do Exmo. Dr. António José de Almeida, a bafejar do hálito de idêntica lealdade generosa os arrebois dessa madrugada, em que a aurora dos sonhos ideais ia romper definitivamente, com o sol esplendente da Liberdade fulgindo no carro triumfante da República.

Leal, nobre e generoso, sempre, como um forte: e forte como um Atlante, na robustez da mais austera envergadura moral, nunca o sonho audaz dum misticismo redentor Vos encadescia o cérebro, sem repuxar do peito a chama abrasada do sentimento luminoso a doirar a ideia fulgentíssima.

Por isso, até mesmo quando ateáveis as fornalhas da Revolução com a metralha demolidora da vossa eloquência rubra, rutilavam sempre, nas labaredas{9} do ideal, as estrofes do canto de guerra comoventes como um hino de amor.

Alma de místico absorvida em sonhos de vidente, fizesteis da luz subjectiva da ideia o astro que ilumina toda a realidade objectiva da vossa acção.

E, depois de ter dado à República todo o ardor inquebrantável da vossa fé, e posto sempre na politica toda a nobreza austera do vosso ideal, a Justiça, em prémio de toda uma vida de nobre civismo e amor pátrio, transfigurou os lampejos fugidios de vossa quimera de sonho nos clarões eternos dum diadema de glória.

 

EXCELÊNCIA--Perdoareis, se o entusiasmo da minha sincera admiração excede os âmbitos da benevolência com que me escutais; mas eu tinha necessidade de evocar um pouco a alta nobreza moral da vossa vida passada, como apoio indestrutível à consoladora esperança do que será, para esta querida Pátria, a Vossa política futura.

A política é uma ideia que só prospera sôbre o apoio concreto dos factos. Os ideais fecundos teem uma meta, que só se atinge com passo bem seguro no campo das realizações práticas.

Nesta hora intensa, duma fermentação mundial agitada e tumultuosa, não há torrão de Pátria exígua, sôbre que não se revolva, formidável, o problema{10} indeciso da sua vitalidade histórica. A nossa República, por ventura hesitante ainda nos primeiros passos da sua infância, não podia deixar de estremecer ao tocar-lhe a aura perturbadora dêsse cataclismo hiperbólico em que, parecia, os gonsos da máquina do mundo ruirem, desconjuntando-se.

Mas passou. Agora, aos ímpetos brutais da força destruitiva, segue-se o desenvolvimento calculado das energias creadoras.

Os paroxismos duma nevrose de morte dão logar às contracções tónicas dum intenso labor de vida.

Hoje, mais do que nunca, a afirmação da existência só se faz por um desenvolvimento de progresso.

Serão prósperos os povos que progredirem.

É preciso, pois, estimular a vida, fomentar a riqueza, dar ásas ao Comércio para que se espanda, impulsionar os volantes da Indústria para que progrida.

Todo o labor fecundo haure a seiva creadora da Sciência, tornando esta produtiva pela Indústria.

Eis os dois pólos do mesmo eixo, em que os Governos teem de fazer girar a actividade intensa dos povos.

Prestigiar a primeira com seguros elementos de progresso, animar e promover a segunda com sólidas garantias de êxito, eis a missão suprema dos Governos que saibam vêr, para além da hora triste que nos desalenta, a miragem dum futuro que nos reanime.{11}

 

EXCELENTÍSSIMO PRESIDENTE! Enche toda a vida de Vossa Excelência um denodado esforço para rasgar as vias de um futuro livre, ao nosso povo; fareis mercê agora, certamente, de toda a vossa autoridade e prestigio para crear um futuro próspero à Nação.

E, nessa orientação do Vosso alto espirito patriótico, Coimbra, como nenhuma outra Cidade do Pais, terá jús a merecer-vos sempre a solícita atenção do Vosso patrocínio valioso.

Esta Cidade, que é hoje o centro duma vida municipal intensa, de há anos se encontra francamente encaminhada, na via duma administração eminentemente progressiva. Graças ao esforço de inteligentes e vigorosos espíritos rasgados em amplas iniciativas de fomento, Coimbra tem refundido inteiramente o seu aspecto material e o seu valor económico, no curto espaço de alguns anos, como se sobre ela tivesse passado a acção renovadora dum século.

E o seu exemplo frutifica, servindo de espelho e de estímulo a progressivas realizações congéneres, que se esboçam por outros municípios.

Mas, Coimbra, no seu avanço já adquirido, não pode estacionar. O próprio benefício reconhecido nas realizações efectuadas é imperioso incentivo a aspirações futuras, para onde, na ampla via aberta, temos de caminhar.

Uma desvelada solicitude dos Governos da Nossa{12} República tem sido comprovada, na satisfação de algumas das urgentes necessidades dêste Município.

A essa solicitude dos altos Poderes do Estado, a Cidade de Coimbra afirma-se-lhe reconhecida com sua mais calorosa gratidão; e corresponde-lhe numa inquebrantável dedicação patriótica às Instituições Republicanas; sendo-me, neste momento, muito agradável recordar a elevada distinção com que, há pouco ainda, foi galardoada, pelo Exmo. Ministro da Guerra, a sua fidelidade ao Regimen.

Bem fundamentada será, pois, a nossa esperança de que todas as justas aspirações deste Município encontrarão nos Governos da República, e no valioso patrocínio de V. Ex.ª, aquele acolhimento e reforço necessários para que as iniciativas fecundas se concretisem em realidades de progresso.

E, como hoje, neste dia tão jubilosamente festivo, sempre a Alma de Coimbra, na expressão profundamente sincera da sua viva fé republicana, poderá gritar com o maior entusiasmo:

 

Viva a República Portuguesa!

Viva o Exmo. Presidente da República Portuguesa!

Viva o Povo de Coimbra!