The Project Gutenberg EBook of As Farpas (Junho a Julho 1882)
by Eca de Queiroz and Ramalho Ortigao

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Title: As Farpas (Junho a Julho 1882)

Author: Eca de Queiroz and Ramalho Ortigao

Release Date: October 6, 2004 [EBook #13630]

Language:  Portuguese

Character set encoding: ASCII

*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK AS FARPAS (JUNHO A JULHO 1882) ***




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[Illustration: ECA DE QUEIROZ--RAMALHO ORTIGAO--AS FARPAS]

ECA DE QUEIROZ--RAMALHO ORTIGAO

AS FARPAS

_Chronica Mensal_

DA POLITICA, DAS LETRAS E DOS COSTUMES

QUARTA SERIE N.º 1

JUNHO A JULHO 1882




Ironia, verdadeira liberdade! Es tu que me livras da ambicao de poder,
da escravidao dos partidos da veneracao da rotina, do pedantismo das
grandes personagens, das mystificacoes da politica, do fanatismo dos
reformadores, da supersticao d'este grande universo, e da adoracao de
mim mesmo.

P.J. PROUDHON




SUMMARIO

A patria portuguesa e os quatro milhoes d'egoismos de que ella
consta--Presente estado das ideias--A religiao--A politica--A moral--A
arte--Sentido historico do centenario de Camoes, sua influencia e seus
resultados--Dois annos depois--A celebracao do centenario do Marquez de
Pombal considerada como symptoma psychologico--Do estadista em geral e
do Marquez em particular--Addusem-se razoes e testemunhos insuspeitos
para o fim de provar que o estadista e um agente secundario entre os
acceleradores do progresso, e que o Marquez de Pombal e um individuo
secundario na classe dos estadistas--Buckle, Guizot, Bastiat, Begehot,
Herbert Spencer, Wechniakoff, Auguste Comte, Michel Chevalier, e
outros--Demonstra-se que o Marquez de Pombal exprime a negacao de tudo
aquillo que a liberdade affirma e que a democracia proclama--Coercao da
agricultura, coercao da industria, coercao do commercio, coercao dos
direitos civis, coercao do pensamento--Arruamento geral de todas as
actividades nacionais pelo systema quadrangular da reedificacao da
Baixa.--Secularisacao do jesuitismo na pessoa do mesmo Marquez--A
estatua de Sebastiao e o monumento do Terreiro do Paco--Parallelo do
cavallo e do cavalleiro--Pede-se o esquecimento para um e uma charrua
para o outro.

       *       *       *       *       *

Asociedade portugueza n'este derradeiro quarteirao do seculo pode em
rigor definir-se do seguinte modo:--Ajuntamento fortuito de quatro
milhoes d'egoismos explorando-se mutuamente e aborrecendo-se em commum.

Chamar patria a porcao de territorio em que uma tal aggregacao se
encontra seria abusar reprehensivelmente do direito que cada um tem de
ser metaphorico. O espaco circumscripto pelo cordao aduaneiro, dentro do
qual sujeitos acompanhados das suas chapelleiras e dos seus embrulhos ou
tomaram ja assento ou furam aos cotoveloes uns pelo meio dos outros para
arranjar logar nas bancadas, pode-se chamar um _omnibus_--e e
exactamente o que e--mas nao se pode chamar uma patria. A patria nao e o
sitio em que nos colloca o acaso do nascimento, a mao direita ou a mao
esquerda de um guarda da alfandega, mas sim o conjunto humano a que nos
liga solidariamente a conviccao de um pensamento e de um destino commum.

Ja um sabio o disse: _Ubi veritas ibi patria._ A patria nao e o solo, e
a ideia.

       *       *       *       *       *

Para que haja uma patria portugueza e preciso que exista uma ideia
portugueza, vinculo da cohesao intellectual e da cohesao moral que
constitue a nacionalidade de um povo.

Sabem dizer-nos se viram para ahi esta ideia?...

Nos temol-a procurado de aventura em aventura, de jornada em jornada,
n'uma peregrinacao de vinte annos atravez d'esta sociedade, como
Ulysses, vagabundo atravez da Odyssea, em busca, do fumosinho tenue e
amigo que adeje no horisonte por cima da primeira cabana d'Ithaca.

As manifestacoes culminantes da mentalidade collectiva de um povo sao: a
Religiao, a Politica, a Moral, a Arte. Vejamos rapidamente se em alguma
d'estas espheras da nossa elaboracao mental se revela a unidade de
pensamento por meio da qual se affirma a existencia de uma nacao.

       *       *       *       *       *

Em religiao os cidadaos portuguezes dividem-se, em uma infinidade de
categorias diversas.

Temos em primeiro logar os livres pensadores, que nunca pensaram, coisa
alguma sobre este ponto, apesar da liberdade com que se dotaram para
esse fim.

Temos depois os indifferentes, que se subdividem pelos diversos graus de
medo que teem ao Incognoscivel sempre que ha epidemias ou tremores de
terra.

Seguem-se os deistas, que acceitam Deus como entidade abstracta pela
qual se explica a ordem do cosmos, no qual Deus figura como maquinista,
e egualmente se explicam as justicas da historia, nas quaes o mesmo Deus
se manifesta sob a forma de dedo,--o bem conbecido _dedo de Deus_.

Veem depois os christaos, e por ultimo os catholicos. Estes separam-se
uns dos outros por tantas diferencas de opinioes quantos sao os
individuos agremiados na Igreja. Ha os que creem na infalibidade do papa
e os que nao creem em tal infalibilidade; os que vao a missa e os que
nao vao a missa; os que se confessam de tudo, os que se nao confessam
senao de certas coisas, e os que de todo em todo se nao confessam.

Uns encabecam a divindade no Senhor dos Passos da Graca e, com as suas
opas roxas e suas cabelleiras anediadas pela bandolina do culto no
bairro oriental, olham com despeito para os devotos afrancesados de
Nossa Senhora de La Salette, divindade de chic suspeito as devocoes da
Baixa.

Os escolhidos do alto clero, que se gargarejam em suas tribulacoes com
agua de Nossa Senhora de Lourdes, garantida verdardeiro Joao Maria
Farina, da Gruta, sorriem de desdem pelos que ainda cuidam expurgar-se
do peccado e clarificar-se para a proteccao divina com a velha agua
benta de mendigo de porta de Igreja, preparacao de Santo Ignacio, hoje
desprestigiada e choca.

Aquelles proprios que sao por um mesmo e unico santo leem entre si
dissidencias acrimoniosas de detalhe.

Nos mesmos vimos ha trez annos, na volta da romagem de Nossa Senhora do
Cabo, dois cirios, que vinham ja de muito longe a rosnar,
engalfinharem-se a final um no outro ao chegar a Cacilhas. Foi uma coisa
feroz. Os clerigos cessaram interinamente de tomar pitadas para se
desancarem uns aos outros com as tochas e com os cabos das lanternas,
desalmadamente. A Senhora, do alto do seu andor pousado no chao, as maos
crusadas no seio, assistia ao debate com uma neutralidade fervorosa e
commovedora. As sobrepellizes e as capas d'asperges, que regressavam do
arraial enodoadas de vinho, de chapadas de melao e de areia vermelha,
desfiavam-se pela friccao das bordoadas; nas cabecas quebradas atavam-se
a pressa lencos eclesiasticos; e no theatro d'esta devocao ficou
bastante sangue e muito rape derramado pelos sacerdotes.

Devemos mencionar ainda os philosophos espiritualistas, que em religiao
cultivam a _duvida_ com o mesmo ardor de vesania com que alguns
hollandezes maniacos cultivaram em tempo a tulipa.

A duvida d'estes philosophos versa sobre os diferentes feitios que pode
tomar pelo infinito fora a coisa a que elles, a forca de nao saberem o
que seja, deram o nome de _eterna essencia._

Enquanto a gente vae em cada manha tratar da sua vida, esses individuos
vao duvidar na solidao, ou seja nas trevas de um quarto escuro em seus
domicilios, ou seja a beira do oceano, chupados e amarellos como cidras,
com os olhos esbugalhados para a banda do Bugio. E ate onde a ociosidade
pode levar meia duzia de vadios sem mais que faser! Tivessem elles em
que cuidar e nao haveria perigo que a _eterna essencia,_ o _increado_, o
_absoluto_ e todas as mais queixas de cabeca que os affligem
continuassem a remoel-os. Officio para as costas, uma enxo e um formao
para as maos, com a obrigacao de ganhar oito tostoes por dia para
sustentar mulher e filhos, e verao os philosophos como a cruel duvida se
lhes desencasqueta que e um gosto, e lhes sae pela cabeca fora para a
roupa suja com a primeira camisa que suarem a puxar pelo corpo para
ganhar a vida, assim como ate aqui teem puxado peio juizo para dar cabo
d'ella.

Em conclusao: ou seja como ponto de controversia, como motivo de briga
ou como assumpto de teima, a religiao em Portugal e um elemento de
desuniao, que nao so perturba as relacoes sociaes mas destroe tambem
muitas vezes a allianca da familia.

       *       *       *       *       *

Passemos a politica.

N'este campo nao ha, ideia propriamente nacional,--e evidente.

Perdendo a pouco e pouco a consciencia da sua tradicao historica,
Portugal, politicamente, nao tem hoje papel na civilisacao. Esta
desempregado. Figura no congresso das nacoes europeias como um paiz sem
modo de vida. Perante o progresso nao tem profissao. A missao que elle
desempenhou na Renascenca pela obra magnifica dos seus sabios, dos seus
navegadores, dos seus commerciantes e dos seus artistas, as excellenles
condicoes da sua situacao geographica e a paz interior de que tem gosado
emquanto a Hispanha se dilacera a si mesma nas eternas lutas
intermitentes de desaggregacao e de unificacao das suas provincias,
davam a Portugal o direito e o dever de assumir n'este seculo a
preponderancia hegemonica dos estados peninsulares, a direccao
espiritual da civilisacao iberica. Em vez d'isso Portugal descansa
desde o seculo XVI sobre os monumentos immortaes da sua passada energia
e acha-se no movimento moderno da raca latina como uma nacionalidade com
licenca illimitada para tomar ares. Os seus filhos mais intelligenles e
mais fortes, uns perseguidos, outros despresados, abandonaram-o aos
reis, aos estadistas, aos padres, aos persevejos, as moscas, e foram uns
para os Paizes Baixos fundar e enriquecer a Hollanda e botar a luz
Spinosa; outros foram para a America Austral fundar, agricultar e
enriquecer o Brazil. O resto e o que ahi esta ha dusentos annos sentado
ao sol n'uma ponta de banco do mappa-mundi, a cabecear, a cocar os
joelhos e a ouvir ranger o calabre a nora da coisa publica, puxada pelo
governo, velho boi, d'olhos tapados, afeito ao cerco peguinhado do poco
sem bica, tornando a deitar para baixo a agua que traz para cima, e nao
sabendo o proprio governo, nem sabendo ninguem por que ninguem se
importa com isso, se e ja o pau da nora que empurra de traz o animal ou
se e ainda o animal que tira para deante o pau da nora.

Os differentes partidos que ha muitos annos se succedcm no exercicio do
poder teem por chefes dois ou tres individuos, cujas personalidades,
absolutamente destituidas de ideias correlativas ou concomitantes,
representam as duas ou trez phases por que successivamente vae passando
e repassando em circulo sobre o mesmo carreiro a rotacao governativa.

Os personagens alludidos teem as intencoes mais puras e mais honestas
d'este mundo. Ter outras, deshonestas e impuras, dar-lhes-hia massada, e
para ahi e que elles nao vao.

Diz-se tambem que sao todos mais ou menos fortes n'essa arte, velha e
atrasada, que se chama a eloquencia e que tem por objecto desfaser pela
exageracao artificial das palavras a justa proporcao das coisas.

Sao ainda--affirma-se geralmente--habeis parlamentares, o que quer dizer
que possuem o talento de dominar as assembleias por meio de
transigencias reciprocas e de concessoes mutuas, rasoirando os
parlamentos pelo nivel de uma mediocridade discreta, tao occa como
esteril.

Por baixo d'essas virtudes, que reconhecemos e veneramos, os homens que
ha vinte annos se revezam no governo carecem das ideias geraes de que
procede na sciencia o ponto de vista governativo. As assembleias das
duas camaras, revezando-se ora para a direita ora para a esquerda, dao
ou retiram a maioria dos votos a cada um d'aquelles senhores,
consagrando-se exclusivamente a defendel-os ou a impugnal-os, sem
portanto sahirem nunca da orbita dos principios que elles representam,
principios a que nao correspondem systemas diversos c que se distinguem
apenas uns dos outros pelos signaes physionomicos dos estadistas que os
teem no ventre, podendo-se dividir assim: principios governativos
calvos, principios governativos d'olhos tortos e principios governativos
de cabellos tingidos.

Nestes esforcos successivos das grandes massas intelligentes da nacao
vemos dessorarem-se geracoes e geracoes consecutivas de deputados,
fortes temperamentos alguns, solidos provincianos de boa fe, que de trez
em trez annos o parlamento recebe vivos e honrados do interior das
provincias para trez annos depois lh'os devolver aniquilados para toda a
especie d'iniciativa, corrompidos pelo habito de serem mandados,
castrados na dignidade pela disciplina imposta pelos seus chefes, podres
no caracter pela fermentacao da intriga, indelevelmente marcados para
toda a vida, pelo ferrete official, com uma pelintrice austera e
miseravel, na figura, com uma codea veneranda de solemnidade
prudhommesca, estupida e impenetravel, no cerebro.

E pela mais justa e pela mais completa comprehensao do seu destino
social que tanto os individuos como os povos se disciplinam, se
fortalecem e se aperfeicoam. Em Portugal a incapacidade governativa
produsiu, primeiro que tudo, este resultado funesto: fez perder ao paiz
a nocao historica do seu destino, cortou o fio da tradicao nacional,
lancando o espirito publico n'uma existencia d'accaso como a das tribus
bohemias. Depois o predominio da incompetencia scientifica na direccao
dos negocios dissolveu a pouco e pouco a liga que deveria estreitar a
convergencia de todas as actividades para um fim commum, e pela
separacao dos interesses operou a separacao das energias.

E assim que em pleno seculo XIX, quando esta exhuberantemente
demonstrado que todos os factos do universo, assim na ordem physica como
na ordem social, se encadeiam uns nos outros por leis imprescriptiveis
de contiguidade e de correlacao, nos vemos em Portugal exercer-se a
accao do poder no estudo dos phenomenos tratando-os isoladamente, n'um
ponto de vista fetichista, de preto botocudo, como se cada um d'esses
phenomenos, regido por uma lei especial e divina, fosse a causa e o
effeito de si proprio.

Com mil exemplos se podia comprovar a affirmacao que fazemos. Mas
basta-nos um qualquer, tirado ao accaso do monte, para por essa
affirmacao em evidencia de facto.

Veja-se como em cada legislatura se propoe e se discute uma das poucas
questoes graves de que o parlamento ainda se ocupa. Referimo-nos a coisa
a que, no calao official em que tem degenerado a lingua patria, se
chama--_a questao da fazenda_.

Reunidas as camaras e aberto perante ellas o orcamento do Estado,
comeca-se invariavelmente por constatar, n'um tremolo elegiaco de
symphonia funebre, que continua a existir o deficit. Cada um dos tres
governos a quem a coroa alternadamente adjudica a mamadeira do systema
encarrega-se de explicar aos tachigraphos essa occorrencia--alias
desagradavel, cumpre dizel-o--mas de que elle, governo em exercicio, nao
tem a culpa. A responsabilidade cabe ao governo transacto, bem conhecido
pelos seus esbanjamentos e pela sua incuria.

Para cada um d'esses tres governos sucessivamente encarregados de
trazerem o deficit ao regaco da representacao nacional, o governo que
immediatamente o precedeu n'esse mesmo encargo e o ultimo dos imbecis.

Tal e o conceito formidavel em que cada um dos referidos tres governos
tem os outros dois!

A coroa pela sua parte--e e este o mais augusto do todos os seus
privilegios--e successivamente da opiniao de todos os tres ministerios;
e depois de haver retirado, com sincero nojo, a sua confianca aos
imbecis do grupo n.º 1, n.º 2 e n.º 3, a coroa torna a restituir a
citada confianca, com uma effusao de jubilo tao sincero como o nojo
anterior, a cada um dos grupos de imbecis ja referidos mas collocados
chronologicamente em sentido inverso d'aquelle em que estavam, ou sejam,
por sua ordem, os imbecis n.º 3, n.º 2 e n.º 1.

Trocadas as descomposturas preliminares sobre a questao da fazenda,
decide-se que e indispensavel, _ainda mais uma vez_, recorrer ao
credito, e faz-se um novo emprestimo. No anno seguinte averigua-se por
calculos cheios de engenho arithmetico que para pagar os encargos do
emprestimo do anno anterior nao ha outro remedio senao recorrer _ainda
mais uma vez_ ao paiz, e cria-se um novo imposto.

Fazem-se emprestimos para supprir o imposto, criam-se impostos para
pagar os juros dos emprestimos, tornam-se a fazer emprestimos para
atalhar os desvios do imposto para o pagamento dos juros, e n'este
interessante circulo vicioso, mas ingenuo, o deficit--por uma extranha
birra, admissivel n'um ser teimoso, mas inexplicavel n'um mero saldo
negativo, em uma nao existencia,--augmenta sempre atravez das
contribuicoes intermittentes com que se destinam a extinguil-o ja o
emprestimo contrahido, ja o imposto cobrado.

Assim como os alforges dos antigos pobres das feiras e das extinctas
ordens mendicantes, o deficit tem dois sacos, um para deante outro para
traz, ambos destinados a receber o vacuo. N'um dos sacos mette-se a
divida fluctuante, no outro mette-se a divida consolidada. De quando em
quando ha um relampago de jubilo, porque parece por um momento que o
alforge do deficit esta vasio, isto e, que esta sem vacuo dentro: e a
divida, que se achava em estado de fluctuacao no saco da frente, que
passou no estado de consolidacao para o saco de traz.

A alegria fugaz mas intensa que provem da illusao d'esta gigajoga vale o
dinheiro que custa, mas custa sempre alguma coisa, porque de todas as
vezes que elles mexem na divida, seja para o que for, mesmo para a mudar
de saco, ella cresce.

Pela parte que lhe respeita o paiz espera. O que? O momento em que pela
boa razao de nao haver mais coisa que se collecte, porque estara,
collectado tudo, deixe de haver quem empreste por nao haver mais quem
pague.

No emtanto o problema de augmentar a riqueza--unico meio de prover aos
encargos--e considerado como absolutamente extranho a _questao da
fazenda_. E todavia nem toda a gente ignora que a riqueza nao augmenta
senao pelo desenvolvimento progressivo do trabalho e que este se acha
ligado aos progressos da industria.

Ora emquanto a industria ... Mas este novo ponto pode ficar para outra
vez. O feliz encyclopedismo das inaptidoes do estado proporciona-nos a
facilidade de poder comprovar a sua incapacidade com um so facto
qualquer, demonstrando que no paiz coliocado sob o patrocinio de um tal
governo, nao pode dar-se senao uma especie de cohesao politica:--a liga
dos governados para o despreso convicto dos que governam.

       *       *       *       *       *

Na moral estamos como na religiao. Cada um tem a sua, feita a forma do
seu pe como as botas por medida, com a concavidade de uma cupola moldada
a protuberancia de cada calo.

Ha em primeiro logar as duas grandes circumscripcocs--da moral publica e
da moral privada, inteiramente diversas uma da outra. D'ahi a distinccao
casuistica entre a honestidade politica e a honestidade pessoal. Em
virtude d'essa distinccao o mesmo individuo pode, ser cumulativamente o
mais honrado dos cavalheiros e o mais abalisado dos velhacos. Na
politica ha carta branca para tudo: para mentir, para intrigar, para
caluniar, para trahir, para furtar. No terreno politico o sujeito pode
ser refalsado, impostor, venal, infiel, servil, covarde. Todos os
vicios e todas as abjeccoes se acobertam com esta virtude absolutamente
latitudinaria--a _fidelidade ao partido_. Esta assentado e decidido para
todos os effeitos que as nodoas da vida publica nao distingem sobre o
caracter pessoal. O cavalheiro que pela manha leu nos jornaes, ou ouviu
nas camaras, sem as combater e sem as refutar, as ultimas injurias que
podem ferir o homem no que elle deve ter de mais caro no seu caracter ou
no seu coracao, na sua familia, na sua honra, na sua probidade, no seu
pudor, no seu brio, vae a noite jantar regosijado e tranquillo na mais
santa paz da consciencia no aconchego immaculado da familia, na estima
inalteravel da amisade; e com a gravidade austera, convicta e bondosa,
de um patriarcha, estende a mao suja das suspeitas mais torpes aos seus
amigos, que lh'a apertam, e da a beijar a sua filha, risonho e calmo, a
face esbofeteada pelas accusacoes mais vergonhosas.

Um dos principaes caracteriscos da integridade moral de uma pessoa esta
no accordo das ideias com as palavras e das palavras com as obras. Na
intriga constitucional cujo vicio congenito e a pusilanimidade e a
hypocrisia, esse accordo e uma chimera. No parlamento portuguez ninguem
diz inteiramente, o que pensa, qualquer que seja a questao de que se
trate. Os negocios om discussao sao debatidos por dois aspectos
radicalmente diversos, na sala e nos corredores da camara. Ca fora
diz-se a verdade. La dentro faz-se o discurso, o que e uma coisa
inteiramente differente e as vezes opposta. A eloquencia parlamentar e a
instituicao official da ficcao sob a forma litteraria de nenia, de
cantata, de sermao, de estopada ou de descompostura.

A influencia do regimen politico sobre a moralisacao geral dos
caracteres e profunda e fatal. A escola evolucionista tem demonstrado
por meio de razoes experimentaes que a faculdade a que geralmente se da
o nome de _consciencia_ se forma pelo desenvolvimento de duas tendencias
combinadas posto que apparentemente oppostas: a tendencia egoista e a
tendencia sympathica. Depois da applicacao da fecunda theoria biologica
de Darwin ao estudo e a renovacao das sciencias sociaes ficou
perfeitamente estabelecido que a moral, cujo objecto e o equilibrio
entre o instincto pessoal da conservacao e o instincto social da
sympathia, tem por base, mais ou menos remota, mais ou menos disfarcada,
o interesse.

Nota Spencer que aquelles que sempre tiveram saude sao pouco
compadecidos com as doencas dos outros. A piedade e a lembranca ou a
imagem antecipada de um soffrimento, imagem que, produzida em nos pelo
aspecto d'um soffrimento alheio, nos causa uma dor analoga.

O interesse assim definido e effectivamente a base de todas as moraes. A
propria moral do Evangelho o que e senao a mais lucrativa das
transaccoes entre o homem e o infinito?

Em uma sociedade constituida as tendencias sympathicas estao portanto
naturalmente em proporcao e em harmonia com as tendencias egoistas
determinadas pela constituicao do meio.

Um governo ignorante, vivendo na trapaca, no favoritismo eleitoral, no
compadrio, nas dependencias aviltantes do dinheiro, fazendo carreira aos
mediocres humilhados, empecendo o exito no mundo official as
inflexibilidades energicas e fecundas, dissolve a moral publica porque,
corrompendo os interesses legitimos da communidade, abastarda
correlativamente as sympathias dos individuos.

Um momento depois, como os trez pedagogos comparecessem a real presenca,
enrolados a pressa nas togas do professorado, de barretes de dormir, com
as competentes pennas de pato aparadas da vespera e mettidas atraz das
orelhas, o rei disse-lhes:

--Esse jumento que ahi esta, (e estendendo o seu dedo magnimo, com um
largo gesto antigo indicava o principe, vestido de general, de esporas e
chapeu armado, que bocejava encostado ao sabre de seus antepassados)
esse real jumento ignora completamente os deveres mais rudimentares de
um principe para com a sua princesa. E e para isto que eu tenho tido
aqui a engorda durante quinze annos tres burros de tres mestres!... Ora
muito bem: vou deixar-vos a sos por espaco de cinco minutos com tao
repulsivo idiota. Se ao cabo de cinco minutos, contados pelo relogio,
elle nao estiver ao facto d'aquillo que todo o homem de barbas na cara
deve saber para nao vir para aqui a estas horas _nanar_ n'uma cadeira,
decapito-vos a todos trez esta noite como cacao appropriada para
fecundar os germens originaes da nossa inspiracao artistica, trabalho de
que apenas se encontram vestigios na obra de Garrett.

Depois do terramoto, que subverteu muitos monumentos d'arte preciosos
para a educacao esthetica do povo, a dictadura grosseiramente utilitaria
do marquez de Pombal, primeiramente, e o burguezismo liro do regimen
constitucional, depois, deram a produccao artistica da moderna epoca
liberal o caracter pelintra, ao mesmo tempo pretencioso e chato, de
padre catita, de jesuita amanuensado, de sargento victorioso, caracter
que distingue a arte portugueza de 1830 para ca, e que deu o stylo de
banbolina de paninho, de balaustre azul e branco, de festao de murta e
d'areia encarnada, a que podemos chamar na historia da decoracao--o
_stylo furriel dos batalhoes da carta_.

Onde esta ahi o artista em cuja obra se ache reflectida a influencia do
antigo genio portuguez? Onde esta o escriptor que se possa considerar o
interprete legitimo do gosto, das ideias, das conviccoes dos sentimentos
do publico?

Os escriptores contemporaneos podem-se dividir em quatro grupos. O
grupo academico official, o grupo dos convulsionarios, o grupo dos
insubmissos e o grupo dos domesticados.

Os escriptores do primeiro grupo sao os velhos caturras coroados pelo
laurel das commissoes retribuidas, semsaboroes emeritos acommodados pelo
governo em confortaveis cadeiras de caixa, destinadas a receber para o
Estado os fluxos da litteratura classica. Nunca ninguem no vasto publico
pode jamais apreciar a obra d'esses sabios, porque tudo quanto elles
desassimilam em forma de prosa passa em padiolas, circumdadas de
respeito, dos prelos das typographias para o gorgulho dos archivos e so
depois de se ter gorgulho compenetrado por espaco de muitos annos do
teor d'essas produccoes e que ellas chegam as casas particulares sob a
forma de involucro de generos alimenticios, como as salchichas, ou de
simples aromas culinarios, como o cravo da India e o colorau picante.

Os convulsionarios, que sao os mais numerosos, denominam-se
republicanos, e julgam-se auctorisados, sob esse estandarte de revolta,
para se collocarem em berrata furibunda e em dessidencia enthusiasmada
com tudo: com a monarchia, com a religiao, com a grammatica, com os
mesarios da freguezia das Chagas, com os verbos, com as hostias, com as
luvas, com os breviarios, com a syntaxe, com o imposto, com o Senhor dos
Passos, com o diccionario, com o codigo e com o senso commum. Nada
escapa a dissencia fundamental d'estes escriptores terriveis. Estao em
combate acerrimo com tudo. E com o resto estao em contradiccao. Sao o
_cliche_ negativo do mesmo estado mental de que o governo e a estampa
vista em sentido inverso. Sao o estado posto de cabeca para baixo a
andar nas maos em vez de andar nos pes. Sao o conselheiro Arrobas virado
pelo avesso, e invertido, com uma concavidade concernente a cada bossa,
e com uma protuberancia relativa a cada buraco da sua natureza.

Os insubmissos, desagremiados da massa, sao dez ou doze solitarios
apenas, que reagem as correntes do movimento geral por meio d'algumas
razoes experimentaes postas em verso ou em prosa, e reduzidas a algumas
paginas de poema, de romance ou d'historia.

A honesta sinceridade d'estes escriptores, geralmente confundida com um
cynismo de _pose_, com um charlatanismo de originalidade, e antipathica
ao publico, que todavia os le com uma certa avidez, impellido pela
curiosidade que atrae a multidao gulosa do anormal para os livros
d'elles, assim como para as barracas de feira em que se mostram vitellas
com duas cabecas, das quaes uma de papelao; e meninas gordas com seis
barrigas, todas posticas.

Os domesticados representam o elemento inoffensivo e ameno das lettras a
que chamaremos simplesmente _burguezas_ para as distinguirmos por uma
_nuance_ das lettras consagradas, a que chamamos ja _officiaes_.

Os escriptores d'esta classe acceitam docilmente tudo quanto se acha em
vigor no regimen vigente para nao terem o incommodo de inventar nem o
desgosto de se comprometterem com as familias particulares ou com os
poderes publicos por meio de novas exhibicoes, alias inuteis para a
marcha regular do intellecto lusitano atravez dos meandros macadamisados
da Baixa.

Elles vao para as glorias da posteridade, assim como os gatos para as
aventuras de telhado,--pelo cheiro uns dos outros. Quando lhes nao
fareja outro que tivesse passado primeiro, hesitam em sua marcha,
tremem-lhes as pernas, e acocoram.

Teem conviccoes profundas acerca de tudo aquillo de que estavam
profundamente convencidos os seus maiores, e a sua vocacao, irresistivel
e indomavel, e para fazer tudo o que ja esta feito.

Em religiao sao catholicos apostolicos romanos; em politica sao
monarchicos liberaes; em philosophia sao ecleticos da escola do grande
Cousin; em litteratura sao pelos modelos classicos modificados pelo
estro dos grandes mestres pacatos da geracao moderna, Mendes Leal,
Thomaz Ribeiro, Possydonio da Silva e Brito Aranha; em _toilette_ sao
pelo afamado Keil; em theatro pela grande Emilia das Neves; e em
culinaria pela lampreia d'ovos de fio com cidrao.

Teem as vezes graca, mas sempre fina, de luva branca, propria de
cavalheiro culto, com uso de sala, dentro do campo da civilidade e nos
limites da carta. Ha no vocabulario innumeras palavras, alias
perfeitamente boas e honradas, que elles morreriam mil vezes antes que
ousassem escrevel-as. Por exemplo: Com relacao ao logar em que a
hypocrisia costuma receber os pontapes que o bom senso lhe applica,
nenhum d'esses escriptores domesticados diria com simplicidade
casta--_o trazeiro_. Porque? Porque, pela muita pratica de salao que
elles teem, sabem perfeitamente que as "madamas", ao ouvirem um tal
vocabulo, immediatamente se retiram fugazes das assembleias tirando por
conclusao do emprego d'esse substantivo masculino que o cavalheiro e
cynico.

Em compensacao ha outros termos--os termos proprios de sociedade, que
elles nunca empregam sem os ampliarem por meio de adminiculos
decorativos. Quando escrevem _natal_, acrescentam sempre--_do
Redemptor_, e para _cabecas_ dizem as _louras cabecas_, sempre que ellas
sejam de creanca; sendo de vitella, ainda que egualmente louras,
retiram-lhes o adjectivo para o nao sevandijarem com os contactos
incivis do gado vacum.

O publico derrete de justo enthusiasmo por estes escriptores mansos,
que, a similhanca dos elephantes ensinados, estendem a tromba para o
regaco das familias, em procura do biscoito caseiro com que a gratidao
humana folga sempre de remunerar os carinhos dos pachidermes doceis.

Os nomes d'elles nunca se imprimem senao enrabichados a um epitheto
obsequioso: o _sympathico_, o _festejado_, o _modesto_, o _cordato_, o
_bom_. Apesar do que, pouca gente os le, por que esses bons rapazes de
profissao, modestos por modo de vida, para o fim de evitarem o conflicto
de opinioes contrarias, embiocam-se frequentemente de mais n'um genero
de litteratura abstracta ou de litteratura retrospectiva, que e a mais
anodina, a mais sorna, a mais bestificante coisa por meio da qual um
escriptor pode actuar sobre o somno dos seus contemporaneos.

Se sao profundas e insanaveis as nossas dissidencias religiosas, e as
nossas dissidencias politicas, sao ainda mais insanaveis e mais
profundas as nossas dissidencias estheticas.

Estamos tao separados uns dos outros pelas nossas conviccoes e pelas
nossas crencas como estamos separados pelos nossos gostos. Os mesmos
artistas, os nossos poetas, os nossos musicos, os nossos pintores
detestam-se reciprocamente por odios figadaes, de folhetim e de escola.
Estes odios, mal reprimidos nas conveniencias mutuas da camaradagem,
rebentam de momento a momento, periodicamente, em brigas renhedissimas,
que sao um dos mais decisivos symptomas da decadencia e da dissolucao do
meio intellectual. Temos d'anno em anno como outras tantas vegetacoes
do charco a _questao dos poetas_, a _questao aos jornalistas_, a
_questao dos pintores_, a _questao dos musicos._

Quando alguma d'essas questoes se faz esperar no tempo dado a sua
periodicidade, o burguez em espectativa exclama;--A canalha d'esta vez
ainda se nao pegou; e que esta mais cara a vinhaca!

       *       *       *       *       *

De cima abaixo, como veem,--na religiao, na politica, na moral, na
arte--esphacelamento geral. For qualquer lado que se lhe pegue, a
sociedade portugueza deixa um pedaco na mao que lhe loca. Tudo se
desgruda, tudo se esbandalha no aggregado portuguez a que falta a
cohesao da ideia portugueza.

N'esta superficie sociai, inconsistente, mole, despolida, em que nem um
so traco nitido adhere, so as nodoas se embebem, alastram e aprofundam
como gotas d'oleo n'um papel passento.

No espirito publico, inerte e extagnado como agua apodrecida no fundo de
um poco, cada immoralidade que cae dentro abre circulos concentricos de
vibracoes mephiticas que se alargam do ponto ferido ate a circumferencia
do repositorio.

De cada vez que o Terreiro do Paco annuncia que toma de aluguel mais uma
consciencia, o paiz todo, ate a raia, poe escriptos.

       *       *       *       *       *

Foi em face da situacao cujas linhas mais proeminentes acabamos de
esbocar que alguns homens de extranha boa fe se lembraram de promover ha
dois annos a celebracao nacional do centenario de Luiz de Camoes.--_E'a
prova do espelho posto a bocca do moribundo para o fim de vereficar se
elle ainda respira ou nao_--disseram entao esses homens ingenuos. E, sem
receio do terrivel sentido ironico que se poderia ligar as suas palavras
antigas, elles tomaram arrojadamente esta divisa:--_Vereis amor da
patria nao movido de premio vil_.

Para se julgar imparcialmente da accao das _Farpas_ nos suceessos que
narramos, e conveniente recordar uma pequena particularidade: O
individuo que propoz, redigiu, explicou e defendeu perante a assembleia
dos escriptores de Lisboa o programma do cortejo civico do jubileu
camoneano, tal como elle se realisou depois de officialmente amputado,
no dia 10 de junho de 1880, foi precisamente o mesmo bohemio que escreve
eslas linhas.

Este simples detalhe absolutamente insignificante e inutil a historia do
centenario, e importante para a historia das _Farpas_. Por isso ellas,
ainda que immodestamente, o registam.

Foi essa a primeira vez--sera provavelmente a ultima--que a redaccao
d'estes pequenos livros exorbitou da esphera especulativa da critica
para a esphera da accao, levando directamente a rua uma ideia.

Se algum dia a moralidade das _Farpas_ houver de ser julgada na opiniao,
este facto sera fundamental no processo, por que e pelo accordo ou pelo
desaccordo entre as ideias litterarias e os actos publicos de um
escriptor que este deve ser definido para a absolvicao ou para o
desprezo dos seus similhantes.

As _Farpas_ produziam gracejos periodicos desde o mez de maio de 1871.
Nove annos de ironia persistente prostram de tristeza o temperamento
mais solido. Rir de tudo ou de quasi tudo aquillo que todos os outros
respeitam e veneram e fazer da alegria um exilio e da gargalhada um
carcere.

Nao ser de nenhuma seita e de nenhum partido, de nenhum club, de nenhum
gremio, de nenhum botequim e de nenhum estanco, nao ter escola, nem
irmandade, nem roda, nem correligionarios, nem companheiros, nem
mestres, nem discipulos, nem adherentes, nem sequazes, nem amigos, e
possuir a liberdade, e ter por amante a rude musa _aux fortes mamelles
et aux durs appas_, cujo beijo clandestino e ardente poe no coracao a
marca dos fortes mas requeima nos beicos o riso dos engracados.

Alem da grande e amada tristeza, que ja S. Paulo lastimava,--a tristeza
de ser so,--na alma das _Farpas_ havia ainda, a melancolia da descrenca
sobre a efficacia dos seus meios artisticos, empregados para por
verdades em evidencia.

Onde ha uma corporacao que se intitula _Uniao e capricho_, onde ha outra
que se chama a _Incrivel Almadense_, onde ha _Os prussianos do Seixal_ e
a _A'vante incrivel canecense_, onde existe a _Academia dos Fenians_ e a
sociedade de soccorros denominada _Parturiente funebre familiar_, onde
um collegio de educacao poe na taboleta _Novo methodo intuitivo_, onde
um jornal de noticias toma o titulo de _Santo Antonio de Lisboa_, onde
uma camara municipal propoe a substituicao do nome de _Aldeia Galega_
pelo de _Linda Aurora do Tejo_, onde uma loja de bebidas, alliando a
beberoca barata o mais illustre nome da poesia contemporanea, se
intitula _A Casa Garrett_, onde todas estas coisas se dao, assim como se
da a um homem o titulo de _Visconde do Marmeleiro,_ sem espanto, sem
estranhesa, sem sobresalto, o povo perdeu a nocao do ridiculo, e nao ha
ja ironia que lhe faca mossa. As agudezas da arte nao o penetram. E
preciso uma broca.

As _Farpas_ necessitavam de descancar movendo-se, vindo a praca publica,
indagando se havia para ellas um logar entre a multidao, mostrando-se
uma vez participantes no movimento do seu tempo.

Quando a commissao dos escriptores reunida para celebrar o centenario,
publicou o programma que nos encarregou de fazer, a cidade inteira riu
durante trez dias com trez noites.

--E a cerracao da velha ou e o enterro do bacalhau?--perguntava-se aos
chas de familia, nas casas particulares, nos botequins, nos pacos dos
nossos reis e nas estalagens.

A nacao inteira, congrassada no preito de uma ideia commum, representada
n'uma enorme procissao civica, com os andores dos santos substituidos
pelos symbolos e pelos tropheus do trabalho e da intelligencia do homem;
reunidas pelo abraco da solidariedade patriotica todas as classes
sociaes, que nunca ate esse dia se haviam encontrado juntas em torno do
mesmo interesse commum e da mesma sympathia reciproca; os estandartes de
todas as profissoes e os pendoes de todos os partidos, os mais
radicalmente oppostos e adversos, baixando-se juntos pelo mesmo impulso
perante a honra e a gloria da patria; o rei a frente entre os
socialistas mais intransigentes e entre os republicanos mais vermelhos,
os cortezoes e os officiaes d'officio, os sabios e os cavadores
d'enchada, os juizes com as suas becas, os generaes com os seus
uniformes, os doutores com os seus capellos, os campinos com os seus
cavallos a redea, os pescadores, de pernas nuas e pes descalsos com uma
vela em triumpho, os pastores, de tamancos com calcoes de pelle de
cabra, abordoados aos cajados, os soldados com as bandeiras e as
espingardas coroadas d'oliveira, os cidadaos, todos emfim, fraternisando
n'um sentimento e n'uma ideia, era effectivamente o espectaculo mais
proprio para fazer cocegas debaixo dos bracas a nacao e para desengonsar
pela gargalhada as mandibulas do publico.

Apesar d'isso porem o programma, depois de devidamente modificado pelo
governo, como o pedia o decoro da coroa e a dignidade do exercito,
cumpriu-se, e a procissao civica nao foi inteiramente o _enterro do
bacalhau_, como se predizia: foi apenas o _enterro da monarchia_.

Nenhum outro facto a nao ser a apotheose de Luiz de Camoes, seria
possivel invocar como tregoa das divergencias que nos desunem, para
cohesao social do espirito portuguez.

Em nenhuma outra, litteratura existe um poeta cuja personalidade se ache
como a de Camoes tao profundamente e tao indissoluvelmente ligada ao
genio, a historia e ao destino do seu paiz. Os Luziadas sao a patria
portugueza affirmada na forma indestructivel e sagrada da arte, sao a
nacionalidade de um povo manifesta e comprovada por todos os seus
direitos a vida historica, direitos immortalisados pela unccao de uma
poesia eterna.

A celebracao solemne do centenario de um tal artista podia ser para a
sociedade portugueza o que a leitura dos Luziadas foi para os grandes
cidadaos nas crises de decadencia nacional,--um estimulo supremo de
energia e de revivescencia patriotica.

Repellindo com uma bossalidade grosseira, por meio de uma estupidez
verdadeiramente cornea, esta occasiao unica de revincular a tradicao
historica da allianca do rei com o povo, o governo monarchico lavrou o
documento mais formal da sua incompetencia organica para continuar a
dirigir os destinos do paiz. Este simples facto demonstra do modo mais
evidente que as fontes do systema representativo que presentemente nos
rege estao profundamente viciadas e insanavelmente corrompidas.

Um ministerio que procede de tal forma, em opposicao radical com o
espirito da nacao, e que depois disso continua a manter-se no poder com
o beneplacito da camara, constitue a prova irrefutavel de que a
soberania nacional e uma pura farca dentro de tal regimen, que a
delegacao dos poderes e uma mentira e que o chamado governo
constitucional e uma fraude torpe, uma desfarcada usurpacao hypocrita e
cobarde.

Ha poucos dias ainda um deputado proferiu em pleno parlamento a seguinte
pbrase:

_A camara aguarda as determinacoes do governo_. Este eloquente e
arrojado tribuno do povo fallou bem. _Multa in paucis_. Toda a
philosophia da representacao nacional portugueza no presente momento
historico se encerra n'essa synthese sublime e immorredoura:--"A camara
aguarda as determinacoes do governo."

A subserviencia do soberano ao dominio de espiritos tao garantidamente
nulos e tao perfeitamente chatos como os que o aconselharam no
centenario de Camoes prova-nos que o cerebro da dynastia se acha tocado
pelas fatalidades atavicas inherentes a um organismo em torno de cuja
massa encephalica gira sangue do snr D. Joao VI.

       *       *       *       *       *

Das manifestacoes publicas a que deu origem o centenario de Camoes
parecia poder-se deduzir:

_Primeiro_--Que o systema monarchico representativo vigente, corrompido
pela viciacao do suffragio, deixando de representar a soberania da
nacao, perdera por esse facto a rasao de ser,--o que de resto elle
proprio mostrava comprehender, principiando a brilhar pela ausencia alem
do muito que ja brilhava pela inanidade.

_Segundo_--Que o espirito do publico em Portugal estava adeante das
instituicoes e que tinha portanto de as substituir ou de as despresar.

_Terceiro_--Que o principio de associacao, pelo desenvolvimento enorme
que attingira no decurso dos ultimos annos, teria de ser tomado por base
de toda a reforma por que houvesse de passar no paiz a ordem politica
assim como a ordem social e a ordem economica.

       *       *       *       *       *

Admittidas essas hypotheses, o progresso consistiria:

_Primeiro_--Em minar systematicamente as instituicoes, approximando
d'ellas subtilmente todos os reagentes que pudessem contribuir para as
dissolver mais depressa: ideias, argumentos, logica, sabao e verdade.

_Segundo_---Em educar o espirito publico por meio de bons livros e de
bons jornaes, systematisando as ideias, coordenando as aspiracoes,
elevando o gosto, e transformando assim a pouco e pouco a concorrencia
de actividades desunidas em convergencia de forcas combinadas.

_Terceiro_--Em confederar as corporacoes de todos os trabalhadores
associados---duzentos mil homens, mandando em cada anno os seus
deputados a um congresso livre em que se defendessem os deveres das
classes trabalhadoras, os seus direitos, os seus interesses, a sua
situacao perante a continuidade historica e perante a solidariedade
social, o estado das suas relacoes economicas e moraes com a politica
interior e com a politica exterior do paiz, fundamentando assim os
alicerces de um novo regimen de liberdade efficiente, contraposto ao
velho regimen de auctoridade inutil,--especie de iniciacao pacifica e
fecunda para o advento de uma verdadeira democracia, para um systema de
_self-governement_ ou de federalismo economico a Proudhon.

       *       *       *       *       *

Que e que se tem feito no espaco de dois annos decorridos desde o
centenario ate hoje para o fim de encaminhar as ideias no sentido
d'essas solucoes?

       *       *       *       *       *

Fundou-se a associacao dos escriptores com trezentos e cincoenta
associados, dos quaes trezentos e quarenta, pelo menos, nao sao
escriptores, porque se nao pode com precisao technica dar esse nome aos
individuos que por meio das letras nao cultivam uma sciencia, uma
philosophia ou uma arte. As letras so de per si sao puramente um meio.
Todo o pretendido escriptor que nao tem dentro um sabio, um philosopho
ou um artista, nao e bem um escriptor, e um escrevente, e isto ainda na
hypothese de que tenha orthographia e boa lettra. Faltando-lhe esses
dois predicados nem escrevente e, e um esvasiador de tinteiros em prelos
e de prelos em papel de impressao, o que verdadeiramente se deve chamar
um _troca-tintas,_ apenas.

N'esta associacao dos escriptores comecou um socio, professor de
instruccao primaria, por annunciar um _curso de leitura para
analphabetos._ Como epigramma a si mesmos devemos confessar que e este o
mais espirituoso que os litteratos reunidos teem botado aos quatro
ventos do seculo.

Os snrs Consiglieri Pedroso, Adolpho Coelho e Joaquim de Vasconcellos
teem feito na sociedade dos escriptores preleccoes importantes sobre
historia universal, sobre linguistica e sobre critica d'arte. Cremos
porem que estes bellos e desinteressados servicos a sciencia tanto
poderiam ser prestados por aquelles cavalheiros na sala da associcao dos
escriptores como na sociedade _Luz e Caridade_ ou na de _Maria Pia,
Protectora dos Portuguezes,_--nova coisa que os do Porto abriram agora a
gargalhada do mundo e a necessidade que os protegidos sentiam n'aquella
cidade de jogar a bisca juntos sob a egide d'uma mesma princeza.

Como corpo collectivo a associacao dos escriptores tem evitado toda a
especie de contacto com o movimento social ou com os interesses
intellectuaes da classe por meio de um melindre de sensitiva e de uma
pudicicia de vestal velha.

Na qualidade de corporacao registrada no governo civil e com estatutos
approvados pelo governo, os escriptores teem apenas produzido
luminarias, dois jantares, um passeio fluvial e algumas assembleias
geraes.

Em vista de tal esterilidade, os dramaturgos, bem avisados, separaram-se
ultimamente da corporacao e fizeram panella a parte.

Estreitados por este novo vinculo e aguilhoados em suas imaginacoes pela
paixao ardente das artes scenicas, os escriptores dramaticos nao
principiaram ainda a primeira peca feita em collaboracao ou
separadamente, mas vao ja no quarto ou quinto jantar mensal comido de
sucia. Bom appetite para o resto de carreira tao briosamente encetada e
o que do fundo d'alma desejamos a estes espirituosos filhos de
Melpomone.

       *       *       *       *       *

Emquanto a livros destinados a lancar alguma luz sobre o atoleiro tem
havido pouco tempo para os fazer. O snr Antonio de Serpa foi o que
projectou mais clarao. Este notavel estadista fez o favor de nos revelar
na sua ultima obra que um ministro em Portugal nao tem tempo para tratar
das questoes. Todo o dia de um ministro e pequeno para parlamentar e
para ouvir requerentes. Ainda bem que por este lado ao menos esta o
negocio liquidado. O livro do snr Antonio de Serpa, que foi ministro por
muitos annos nao deixa o menor vislumbre de incerteza sobre esse ponto.

Ahi temos o portico da publica governacao com os seus ministros
dentro.--Truz truz truz!

--Quem e?

--Esta em casa o governo?

--Que lhe hade querer? Se e peditorio, pode entrar; se traz broblema, s.
ex.ª sahiu n'este mesmissimo instante para palacio.

Ficamos sabendo, em summa, e de uma boa vez para sempre, que o governo
se nao ocupa das questoes. E' inutil suggerir-lh'as, propor-lh'as,
explicar-lh'as, amenisar-lh'as, desfarcar-lh'as, impor-lh'as,
estender-lh'as na ponta de um cajado, ou mandar-lh'as a casa n'uma
travessa com ramos de salsa a roda e com limao em cima. O governo o que
nao tem e tempo. Bem! nao se lhe falla mais n'isso. O tudo e haver quem
explique as coisas!

Varios jornaes com tendencias mais ou menos revolucionarias appareceram,
desappareceram ou permaneceram depois que o centenario de Camoes se
celebrou, mas em todos esses periodicos tem feito reconhecida falta
alguem que serenamente nos de dos phenomenos do tempo presente
explicacoes tao cabaes como aquellas em que timbra o snr Antonio de
Serpa.

       *       *       *       *       *

Resta-nos do movimento emmergente da celebracao do jubileu camoneano o
congresso das associacoes confederadas.

Para julgarmos do estado das ideias que vao ser debatidas n'esse
parlamento, cuja realisacao cumpre confessar que se deve principalmente
a iniciativa e a tenacidade de um unico homem, o snr Theophilo Braga,
para apreciarmos d'antemao a orientacao mental e a systematisacao de
principios que as diferentes classes sociaes terao de revelar na
reuniao da dieta cooperativa a que nos referimos, a festa do centenario
do marquez de Pombal, ultimamente celebrada, figura-se-nos ser um
symptoma culminante e preciossimo.

Antes porem de examinarmos como foi comprehendida pelo publico a
importancia historica do marquez de Pombal sobre a civilisacao
portugueza, temos de indicar a tracos largos a physionomia do heroe
canonisado pelo enthusiasmo popular.

       *       *       *       *       *

O marquez de Pombal e um estadista, um governante,--o que quer dizer--a
mais pequena das coisas que um homem grande pode ser.

Buckle...--pois que e bom citar auctordades extranbas sempre
que se deseja adduzir opinioes desinteressadas e argumentos
insuspeitos--Buckle, um dos primeiros escriptores modernos que fundou em
bases positivas as leis da civilisacao e do progresso, affirma, perante
os factos evidentes superiores a toda a controversia, que todos os
interesses da sociedade foram sempre na Inglaterra gravemente
compromettidos por todas as tentativas que os legisladores fizeram para
os auxiliar. Nenhuma grande reforma, quer legislativa quer executiva,
foi jamais em paiz algum a obra d'aquelles que governam. Os governos
constituidos nao podem fazer em bem do progresso senao uma coisa:
dar-lhe possibilidade. Os unicos servicos que um governo pode prestar a
civilisacao reduzem-se a manter a ordem, a impedir os fortes de opprimir
os fracos e a tomar algumas precaucoes para o fim de assegurar a saude
geral. Todo o governo que traspoe estes limites ultrapassa o mandato e e
criminoso perante a historia.--Nao somos nos que o dizemos e Bukle na
sua _Introduccao a historia da civilisacao em Inglaterra_.

Guizot, apesar de todo o seu doutrinarismo, confessa que e
effectivamente um erro grosseiro o acreditar no poder soberano da
maquina politica.

Bastiat diz: O Estado nao e mais que uma grande ficcao atravez da qual
toda a gente se exforca por viver a custa de toda a gente.

Bagehot, o illustre critico que mais exactamente soube adaptar as leis
scientificas da evolucao biologica aos estudos sociaes, pensa que a
liberdade "e o poder que fortifica e desenvolve, e a luz e o calor do
mundo politico. Se algum cesarismo conseguiu jamais patentear alguma
originalidade de espirito, proveio isso de que soube appropriar-se dos
resultados obtidos pela liberdade ou em tempos passados ou em paizes
visinhos. Mas ainda em taes casos essa originalidade e fragil e pouco
duradoura, e desaparece sempre dentro de um breve espaco de tempo,
depois de experimentada por uma ou duas geracoes, exactamente no momento
em que principiaria a ser necessaria."

Herbert Spencer explica pela accao physica das martelladas sobre a bossa
de uma chapa de ferro os effeitos produzidos sobre o complexo aggregado
social por essa forca accidental que se chama o governo. Para achatar a
empola na chapa de ferro o empyrismo bate-lhe em cima com um martello: o
resultado correspondente a este esforco e que a bolha recalcada para
baixo cada vez incha mais para cima, e a lamina nao somente se torna
mais barriguda do que estava no ponto defeituoso mas contrae ainda
defeitos novos e imprevistos comecando a arrebitar pelas extremidades.
E' como a d'este martello a accao dos governos sobre a reformacao das
sociedades.

Referindo-se a inutilidade dos homens que governam com relacao aos
destinos dos que sao governados, o mesmo Herbert Spencer escreve:

"Adao Smith ao canto do seu fogao impoz ao mundo muito mais
consideraveis mudancas do que qualquer primeiro ministro. Um general
Thompson, que forja as armas necessarias para a guerra contra a lei dos
cereaes, um Cobden e um Bright, que as aperfeicoam e que se servem
d'ellas, contribuem mais para a civilisacan do que qualquer
porta-sceptro. O facto pode desagradar aos estadistas, mas e
indiscutivel. Calculem-se todos os resultados adquiridos ja pelo livre
cambio, juntem-se-lhes os resultados muito maiores ainda que elle nos
promette, nao somente a nos, mas a todas as nacoes que adoptarem o nosso
principio, e ver-se-ha que a revolucao emprehendida por esses homens
excede em grandeza tudo o que jamais fez um potentado. O snr Carlyle
sabe-o bem: aquelles que preparam verdades novas e que as ensinam aos
seus similhantes sao em nossos dias os verdadeiros poderes, os
_legisladores nao reconhecidos_, os unicos reis. Os que se sentam nos
thronos e os que compoem os gabinetes--toda a gente o sabe--sao
simplesmente os servos d'aquelles homens."

Muitos outros exemplos se poderiam acrescentar aos que sao referidos por
Spencer.

Os mais complicados problemas sociaes, como o do augmento da riqueza, e
o do augmento dos bracos, sao resolvidos no fundo de uma officina por
simples trabalhadores.

O metallurgista Bessemer por meio da fabricacao do aco dota as nacoes
civilisadas com uma economia de dinheiro que o _Scientific American_
calcula sobre bases precisas, somente com relacao a produccao do aco
bruto, na quantia de noventa mil contos por anno. Tomando em conta o
excesso de duracao, adquirido nos artefactos pela substituicao do ferro
pelo aco, e devido a invencao de Bessemer, a economia realisada pela Gra
Bretanha unicamente, na duracao dos rails dos caminhos de ferro,
eleva-se a um rendimento de quinhentos e sessenta e cinco mil contos.
Qual e a medida governativa que jamais produziu um tal resultado?

Em 1781, no mesmo anno em que o marquez de Pombal exclamava: _Agora e
que Portugal vae a vela_, Watt descobria a applicacao do vapor. Decorreu
apenas um seculo depois da invencao do vapor applicado ao movimento de
uma arvore de rotacao, e as ultimas estatiscas do snr Bresca mostramnos
que, somente em Franca, a forca productiva inventada por Watt se acha
representada por um milhao e cem mil cavallos de vapor. Calculada em
doze homens e meio a paridade de forca de cada cavallo de vapor, temos
quatorze milhoes d'homens correspondentes ao milhao e cem mil cavallos.
Esses vintes e oito milhoes de bracos d'aco, trabalhando mais do que
outros tantos milhoes de bracos humanos, auguentam a forca muscular da
Franca, pela dadiva de um simples e modesto operario, em quantidade
muito maior do que a forca destruida nas guerras pelo imperador
Napoleao.

O problema scientifico, n'este momento em resolucao, da transmissao da
forca pelos conductos pneumaticos e pelos fios electricos; poe a
catarata do Niagara ao servico do trabalho universal, e segundo uma
memoria do snr Siemens apresentada recentemente ao _Iron and Steele
Institute_, so a forca do Niagara e superior a de todo o carvao que hoje
se queima no globo, se todo elle fosse exclusivamente empregado em
produzir trabalho.

Os homens que mais reconhecida e decisiva influencia teem tido nas
reformas economicas e sociaes do nosso tempo nao sao nunca os homens
d'estado, mas sim os homens d'estudo, simples jornalistas como Joao
Baptista Say e Carlos Dunoyer, um obscuro cirurgiao como Quesnay, um
modesto professor como Adao Smith.

Aquillo que se chama propriamente um _governante_ nao e mais que o resto
anachronico de uma velha liturgia hoje extincta. O vulto grosseiro
d'esse dictador que se chamou Sebastiao Jose de Carvalho, levantado em
triumpho como um symbolo de progresso e de liberdade, com a sua
cabelleira de rabicho, com os seus autos do Tribunal da Inconfidencia e
os seus cadernos da Intendencia da Policia debaixo dos bracos, faz-nos o
effeito de um velho monstro paleontologico, desenterrado das florestas
carboniferas e reposto, com palha dentro, no meio do espanto da flora e
da fauna do mundo moderno.

Que significa uma similhante festa dos filhos da liberdade ao
representante do despotismo? Que sentido absurdo se pode ligar no fim do
seculo XIX a esta nova e inesperada _Declaracao dos direitos do
governo_, depois que a Revolucao Franceza nos fez presente a todos nos
da _Declaracao dos direitos do homem_?

Desde 1789 ate hoje todos os esforcos dos povos cultos teem tendido
precisamente a enterrar o principio que nos resuscitamos com a apotheose
solemne de um estadista. Todo o immenso trabalho da reconstituicao
social durante este seculo tem consistido para todos os homens livres em
negar aquillo que a memoria do marquez de Pombal affirma, em eliminar a
accao do estado sobre os actos dos individuos, reivindicando sobre os
restos das velhas tyrannias auctoritarias todas as liberdades
proclamadas pela Revolucao, a liberdade de imprensa, a liberdade de
cultos, a liberdade de ensino, a liberdade de associacao, a liberdade de
reuniao, a liberdade de commercio, a liberdade de industria, a liberdade
de trabalho.

A personalidade de um estadista da escola do marquez de Pombal
representa a negacao expressa de todas essas liberdades, representa a
revivescencia do antigo despotismo monarchico, a coercao do homem sobre
o homem, quando o que todos nos pedimos desde Danton para ca, em nome da
dignidade da especie, rehabilitada pela sciencia na posse de si mesma, e
o livre exercicio da accao do homem sobre a natureza.

Os unicos povos do globo que ainda hoje acceitam, nao diremos com os
regosijos de um triumpho, mas simplesmente sem discussao, sem protesto
ou sem revolta, o principio da auctoridade representada pelo arbitrio de
um individuo, sao os selvagens; sao os aschantis, cujo rei, herdeiro
unico e forcado de todos os seus subditos, tem 3:333 mulheres e um
numero proporcionado de filhos, com o direito de saque sobre toda a
communidade; sao os kafungas do Valle do Niger, onde ninguem se
approxima do soberano senao com as maos no chao e a cabeca arrastada na
lama; sao os abyssinios, que nascem todos escravos do rei seu dono: sao
os malanesios, cujo chefe tem o tratamento de _Deus_; sao finalmente os
cafres, os botocudos, os topinambas, os patangonios e os esquimaus.

Na Europa ja nao ha d'isso.

Com a emancipacao intelectual dos governados acabou o prestigio dos
governantes.

A Hispanha, a Italia, a Franca, a Inglaterra, a Allemanha celebram com
religiosa piedade filial os centenarios dos seus poetas, dos seus
artistas, dos seus philosophos, dos seus paes espirituaes, dos seus
bemfeitores. Em regiao nenhuma do mundo arroteada pela civilisacao se
celebra o culto do estadista, agente ephemero de estados sociaes
transitorios, especie sempre brutal se triumpha das resistencias, sempre
impura se se concilia com ellas, engenho destinado a condensar poder e a
segregar leis, tao passageiras como o apparelho de que procedem, e todas
mas sempre que nao teem por objecto a revogacao d'outras que as
precederam.

A sciencia anthropologica confirma inteiramente o instincto popular no
seu desdem pelas faculdades dos chamados homens d'estado. O snr
Wechniakoff, emprehendendo recentemente n'uma obra de anthropologia
psychologica a historia natural dos _grandes homens_, divide estes em
tres grupos: os monotypicos, os polytipicos e os philosophos. No
primeiro grupo entram as altas intelligencias monocordes como as dos
poetas, dos pintores, dos musicos, dos engenheiros, dos astronomos, etc.
O segundo grupo compoe-se dos espiritos de natureza multipla cuja
actividade se exerce nos trabalhos mais variados, cujos resultados elles
sao todavia impotentes para coordenar em conjuncto. Pertencem a esta
familia Haller, poeta, naturalista, physiologista, auctor de 576 obras e
de 12:000 artigos bibliographicos; Humboldt, que aprendeu philologia
aos setenta annos e publicou a ultima parte do _Cosmos_ dos oitenta e um
aos oitenta e oito annos de idade; Bernardo Palissy, Plater, Alberti. O
terceiro grupo, subdividido em grupo philosophico permanente e grupo
philosophico transitorio, consta na primeira parte de individuos como
Auguste Comte, Leibnitz, Lagrange, e na segunda de Newton, Grove, Daniel
Bernouilli, etc.

Em nenhuma d'essas categorias se comprehendem os estadistas, porque a
anthropologia psychologica nao acceita como grandes homens senao os
creadores da arte, da sciencia ou da philosophia.

       *       *       *       *       *

Determinada a especie, passemos agora a examinar o individuo.

Durante o seculo XVIII--diz Michel Chevalier--vemos successivamente
passar na direccao dos negocios na maior parte dos Estados, ou seja como
rei ou como primeiro ministro, um reformador applicado a destruir a
supremacia da nobresa e do clero, com o fundamento de que a nobresa
tendia a attribuir-se uma parte das prerogativas do governo em
detrimento da realesa e por vantagem propria, emquanto o clero aspirava
a dirigir a sociedade ficando elle, unicamente sujeito a um soberano
extrangeiro que com uma triplice coroa na cabeca se considerava o rei
dos reis. N'este presupposto era como senha dada e geralmente obedecida
suscitar por meios mais ou menos artificiaes, a falta d'outros mais
convenientemente entendidos e mais efficazes, o desenvolvimento da
agricultura, do commercio e das manufacturas, afim de augmentar a
riqueza dos povos e os recursos do Estado, de que o principe dispunha
arbitrariamente. Parecia util espalhar a instruccao, porque ella
contribue para formar uma opiniao publica que pode contrabalancar a
auctoridade do clero sobre os espiritos. Quanto ao mechanismo do governo
punha-se completamente de parte a liberdade. A divisa era: O estado e o
principe. Todos o pensavam com quanto o nao proclamassem como Luiz XIV.
Esta feicao geral encontra-se em graus diversos, sob formas differentes
e com accessorios appropriados aos logares e as circumstancias em varios
estados durante uma ou outra parte do seculo XVIII. No norte essa
expressao e brilhante na corte do grande Frederico e da grande
Catharina; no centro da Europa na corte de Jose II. No sul apparece em
Pombal, e, em grau menor, nos dois hispanhoes rivaes um do outro
Campomanes e Florida Blanca.

D'esta exposicao tao clara do systema geral de reformas governativas na
Europa durante a primeira metade do seculo passado, exposicao devida a
uma auctoridade tao insuspeita como a do economista Michel Chevelier,
deduz-se immediatamente que o talento politico do marquez de Pombal
carece de originalidade.

Esta circunstancia destroe em grande parte o intuito patriotico que
geralmente se lhe alttribue de pretender, n'um ponto de vista nacional,
reformar e reconstituir a sociedade portugueza dissolvida por duzentos
annos de despotismo monarchico e catholico. O arrojado ministro do rei
D. Jose era apenas um reformador de segunda mao. Como revolucionario a
sua carreira e de pe posto no circulo feito em torno das realezas
estremecidas por todos os dictadores que se haviam seguido a Richelieu
no governo das monarchias modernas.

As reformas de Pombal nao sao o producto puro de um talento pessoal mas
sim os ultimos effeitos de uma corrente contagiosa de ideias, ao tempo
d'elle quasi todas ja envelhecidas e refutadas.

O que elle representa na civilisacao nao e a personificacao de um genio
mas sim o advento de um novo poder, que o enfraquecimento das racas
reinantes tornava necessario, que entao apparecia pela primeira vez e
que Auguste Comte denominou o _poder ministerial._

Este facto exprime um consideravel progresso politico, de que Pombal e a
funccao. O estabelecimento do poder ministerial e a reversao, ao valor,
da auctoridade ate ahi adstricta ao nascimento.

Antes de assumir a dictadura em que o investiu o rei D. Jose, Pombal
viajara, residira como embaixador na Inglaterra e na Austria, convivera
com homens de espirito iniciados nas ideias da philosophia franceza, mas
nem da revolucao intellectual da Franca nem da revolucao economica da
Inglaterra elle comprehendeu o mechanismo. Unicamente os processos da
politica austriaca, de uma meticulosidade italiana e de um rigor allemao
o penetraram inteiramente.

A imperatriz Maria Thereza, que envolvida nos mais altos negocios da
politica internacional europeia funda _commissoes de_ _castidade_ para
salvaguardar as esposas das infidelidades maritaes, sem que todavia isso
a empeca de escrever epistolas ternas a Madame de Pompadour, amante de
Luiz XV, da bem o modelo da politica pombalina, policiando tudo no reino
desde os primeiros segredos da diplomacia ate aos ultimos mysterios das
alcovas.

Na corte de Vienna encontrou o marquez de Pombal, em elaboracao, as
ideias que pouco depois deviam constituir o programma politico do
imperador Jose II, cuja impetuosidade de caracter Maria Thereza
procurara conter em quanto viva e cujos projectos de reforma eram tao
similhantes aquelles que o marquez realisou em parte como primeiro
ministro na corte de Lisboa.

Abolicao da escravidao, do direito de primogenitura, dos dizimos, da
caca privilegiada; reconhecimento dos judeus e dos protestantes como
cidadaos; todo o cidadao considerado capaz de alcancar qualquer emprego;
suppressao dos conventos inuteis transformados em hospitaes e em
estabelecimentos de instruccao; desenvolvimento das universidades e das
academias; proteccao das pautas a industria nacional: tal e a parte do
programma de Jose II que o ministro portuguez procurou por em execucao
no seu paiz.

Mas Jose II ia um pouco mais longe, e a declaracao completa da sua
politica ao subir ao throno, pouco mais ou menos pelo mesmo tempo em que
Pombal cahia, mostra-nos que este nao aprendera inteiramente a licao que
as suas convivencias e os suas ligacoes austriacas lhe haviam
ministrado.

O imperador Jose II declarou que _reinar sobre homens livres era a sua
unica paixao como rei_. Pombal, preoccupara-se pouco, com a liberdade
conferida aos cidadaos que governara. Esta differenca fundamental entre
o reformador austriaco e o reformador portuguez reflecte-se na obra de
cada um por meio dos effeitos mais expressivos.

Assim, emquanto o marqucz de Pombal confere o tratamento de magestade ao
_tribunal da Inquisicao_ e funda o famoso e terrivel _tribunal da
Inconfidencia_, Jose II substitue a todas as jurisdicoes, ecclesiasticas
e feudaes, tribunaes civis de varias instancias emmergentes d'um unico
tribunal supremo. Emquanto Pombal funda a Real Mesa Censoria, Jose II
transfere para os membros das academias e das universidades a censura
ate entao exercida pelo clero. Emquanto Pombal reserva para a coroa o
direito de nomear e de demitir sem mais forma de processo todos os
funccionarios da nacao, Jose II funda a lei dos concursos. Emquanto,
finalmente, Pombal manda suppliciar n'um aulo de fe, com cincoenta e
tres condemnados, o pobre cretino Malagrida na idade de setenta e tres
annos, Jose II estabelece o principio da tolerancia, conferindo a toda a
aggregacao religiosa de tres mil almas, de qualquer seita que sejam, o
direito de edificar um templo e de subsidiar um pastor.

Nas praticas administrativas Pombal e da escola de Colbert, refutada em
Inglaterra desde o meiado do seculo. O systema protector pombalino e o
systema colbertista, de que elle e copia, dao em Portugal e em Franca
resultados similhanies. Pombal que recebera da administracao de D. Joao
V um cofre em que nem havia com que pagar o enterro do rei, entrega a D.
Maria I o erario com uns poucos de milhoes, um exercito numeroso e uma
boa esquadra. Colbert escrevia ao soberano em 1662: "Os rendimentos
estavam redusidos a 21 milhoes e ainda esses comidos por dois annos;
hoje estao em 50 milhoes. Entao o rei pagava 20 milhoes de juros; hoje
nao paga um _sou_.

Entao o rei, dependente dos financeiros, nao podia fazer despesa alguma
extraordinaria; hoje, depois da compra de Dunkerque, a Europa ve-o
bastante rico para comprar o que quizer. Entao nao havia marinha; hoje
vinte e quatro naus acabam de ser construidas, etc."

A prosperidade de um povo nao pode porem ser aquilatada pelo dinheiro
que o principe possue no erario a sua disposicao, nem pelo numero das
baionetas dos soldados ou das boccas de fogo dos navios que elle tenha a
mao para fazer guerras. O Estado e um apparelho, nao e uma
individualidade. O Estado tem funccoes e nao tem mais coisa nenhuma, nem
bens, nem crencas, nem opinioes.

O Estado tem obrigacao restricta de ser pobre, exactamente como tem
obrigacao de ser atheu. Onde o Estado enriquece, a communidadc esta
roubada, porque se lhe extorquiu mais em imposto do que se lhe deu em
servicos, e as relacoes dos individuos com o Estado, tendo por base a
troca, nao podem ter por fim o lucro do mesmo Estado, representado pelo
principe, pela corte, pela nobreza ou por qualquer outra classe
privilegiada.

Quando o Estado se constitue protector torna-se objecto de uma
supersticao grosseira e perigosa. A fe posta na proteccao do governo e
uma derivacao da fe no milagre. Essa fe dissolve todas as aptidoes,
todas as iniciativas, todas as forcas de uma sociedade. Os que acreditam
na accao providencial dos estadistas sobre os desenvolvimentos da
riqueza, e da prosperidade dos povos perturbam tudo pela confusao dos
poderes de que abdicam, delegando-os no governo. Os proletarios pedem a
abolicao dos direitos de importacao dos cereaes e dos tecidos para terem
o pao e o vestido mais barato; os cultivadores e os industriaes requerem
direitos prohibitivos de concorrencia para venderem mais caro os
productos da terra e os das fabricas; os operarios requerem augmento de
salario; os patroes solicitam augmento de trabalho; e todo o accordo,
desde que o Estado intervem, se torna impossivel entre aquelles que
produzem e aquelles que consommem.

Nenhuma das industrias que o marquez de Pombal fundou pela proteccao lhe
pode sobreviver na liberdade. Todas as grandes companhias de industria
ou de commercio fundadas por elle desappareceram sem o menor vestigio na
prosperidade ou na riqueza, publica,--a companhia do Maranhao, a de
Pernambuco, a dos Vinhos do Douro, a da pesca da baleia, a da pesca do
atum. Todas as fabricas que elle montou cahiram successivamente umas
depois das outras. A razao e que a industria nao e um artigo de
importacao mas sim um ramo da sciencia applicada. O unico meio de
suscitar industrias e de crear commercio e introduzir sciencia e dar
liberdade.

O vasto plano do marquez de Pombal tendente a uma completa e total
reconstruccao social e, pela sua mesma natureza absoluta, a negacao do
seu talento politico. Tendo por fim condensar os esforcos da progressao
social, toda a politica efficaz tem necessariamente de ser tao lenta
como essa progressao. O snr Oliveira Martins chama ao governo do marquez
de Pombal um terramoto. Effectivamente o enorme conjuncto d'essas
disposicoes legislativas e policiaes destinadas a refazer de um jacto
uma civilisacao, representam uma forca tao poderosa e ao mesmo tempo tao
irracional como o abalo de terra que em alguns minutos destroe uma
cidade.

O snr Dubost, apreciando na _Revue de Philosophie Positive_ as altas
qualidades de Danton como homem de estado, diz que o caracter principal
da sua politica consiste na necessidade que elle comprehendeu de
renunciar deliberadamente a intentar a reconstruccao total da sociedade
franceza, mantendo-sc energicamente em uma obra relativa, que deve
consistir em permittir a elaboracao dos elementos que por si mesmos hao
de gradualmente produzir a reconstituicao. Pombal desconhecia
completamente essas leis fundamentaes da politica, que subordinam as
funccoes governativas a independencia do meio social, nao permittindo
medida alguma que a opiniao nao solicite, que a vontade publica nao
reclame.

Condorcet na sua biographia de Turgot, de quem elle foi o amigo e o
collaborador, diz: "Deve-se evitar na reforma das leis: 1.º tudo quanto
possa perturbar a tranquillidade publica; 2.º tudo quanto produza
grandes abalos no estado de um grande numero de cidadaos; 3.º tudo
quanto encontre de frente preconceitos ou usos geralmente recebidos.
Algumas vezes succede que uma lei nao pode produzir todo o bem que
promette ou nao se pode por em execucao porque a opiniao lhe e adversa;
n'esses casos _cumpre comecar por mudar a opiniao_."

Para o ministro do rei D. Jose nao havia senao uma opiniao--a d'lle, e o
publico nao era mais que uma grande massa passiva e bruta, que elle se
julgava destinado a modelar sob varios aspectos mettendo-a em formas,
como se faz aos pudins.

Derivando todas as liberdades da pessoa do rei, elle recalcou sempre
pelo terror todas as revindicacoes de independencia collectiva ou
pessoal. Nunca nos estados modernos da Europa o despotismo assumia um
caracter mais cruel, mais sanguinario mais implacavel que o do regimen
pombalino em Portugal. Proudhon diz que a tyrania esta sempre na rasao
directa da grandeza da massa dominada. A administracao do reinado de D.
Jose e uma excepcao a esta regra. Em tao pequena familia tao grande
oppressao como aquella de que a sociedade portugueza deu o espectaculo
durante o ultimo quarteirao do seculo XVIII foi o espanto e o horror do
mundo civilisado.

A tremenda catastrophe do terramoto lancara o panico, o horror, a
confusao, o desequilibrio em todos os espiritos, em todas as relacoes
sociaes, em todos os interesses economicos. A catastrophe nacional
derivada d'essa revolucao geologica prepara o advento da dominacao
pombalina, assim como o terror na revolucao franceza prepara o advento
da dominacao napoleonica. Em Franca como em Portugal a sociedade havia
perdido sob o golpe de uma desgraca esmagadora a faculdade de resistir.
No meio do desfallecimento geral que por algum tempo se succedeu a
violencia da crise, Pombal pretendeu reconstruir a sociedade perturbada
exactamente pelo mesmo processo por que reconstruiu a cidade em ruinas:
ao esquadro e a regua, como um pedreiro cabecudo e valente, tomando a
symetria pela ordem; sem respeito algum pela dignidade das ideias e dos
sentimentos; sem a menor nocao da elevacao e da belleza moral; sem arte,
sem graca, sem elegancia, sem gosto; n'uma feroz teimosia de omnipotente
sapador, alinhando, razoirando, espalmando, achatando, estupidificando
tudo. Sao os brutaes arruamentos quadrangulares da Baixa prolongados a
toda a area da ordem social.

De cima a baixo, de norte a sul, de este a oeste, tudo arruado! Para ali
os algibebes, para ali os professores, os bacalhoeiros, os poetas e os
capellistas; para acola os retrozeiros, os latoeiros, os artistas e os
philosophos. Para os sapateiros aqui estao as formas; para os
philosophos aqui estao as ideias, para os retrozeiros aqui estao as
linhas; para os artistas aqui esta a natureza, a sensibilidade, o
temperamento e a paixao.

Elle so gisa, mede, talha, corta, almotaca, esposteja, aquartilha,
taberneia, baldroca, amesinha e a apilula tudo,--o arroz, o vinho, a
manteiga, o bacalhau, o briche, o oleo de ricino, o ensino publico e
particular, as missas, a poesia, a architectura, a musica, a esculptura,
a philosophia, a historia, a moral e a canella.

A cada um o seu regulamento e o seu arruamento, com quatro forcas e com
duas mas, direitas, parallelas rectilineas, vindo todas dar a grande
praca central com a besta de bronze ao meio, sustentando em cima,
vestido a romana com um sceptro na mao, um pulha inepto, de bronze para
pensar, de cebo para resistir.

Nos patibulos, que servem de signos geodesicos a triangulacao do
systema, nunca durante dez annos deixou de pernear alguem para recreio
do principe e escarmento dos subditos.

Toda a reclamacao, ainda a mais moderada, contra medida promulgada pelo
omnipotente ministro era considerada crime de lesa-magestade e d'alta
traicao.

O supplicio dos Tavoras e do duque de Aveiro e o auto de fe do padre
Malagrida sao monstruosos de mais para que facamos d'elles argumentos de
historia. A ferocidade levada a um tal requinte deixa de pertencer a
critica; esta fora da historia assim como esta fora da humanidade: e uma
reversao ao canibalismo, cujo estudo compete a psychologica pathologica.

Explica-se geralmente pela necessidade politica de abater e de humilhar
a nobreza esse processo caviloso e infame, em que o ministro de D. Jose
e ao mesmo tempo juiz e parte, e em que os reus sao julgados sem defeza
e sem exame de provas sob a accusacao de uma tentativa de regicidio, em
que hoje se sabe achar-se completamente innocente a familia Tavora;
assim como estava innocente o marquez de Gouveia, exhautorado do seu
titulo, officialmente infamado e encarcerado nos carceres sem ar e sem
luz do forte da Junqueira desde os dezoito annos de idade ate os trinta
e sete; assim como estavam innocentes o marquez d'Alorna, encarcerado
no mesmo forte: a marqueza d'Alorna e as suas duas filhas, presas no
convento de Chellas; D. Manoel de Sousa Calhariz, avo do duque de
Palmella, encarcerado na Torre do Bugio, onde morreu; e a infeliz
duqueza d'Aveiro, a qual, depois de sequestrados todos os seus bens,
perseguida ate o seu ulliino suspiro pelo odio do marquez de Pombal,
morreu no convento do Rato, servindo a cosinha das freiras como creada
de pe descalco.

Singular modo de aviltar uma classe, sagrando-a assim pelo martyrio!

Decorreram mais de cem annos sobre a carnificina canibalesca de 13 de
janeiro de 1757. Povoam ainda as nossas imaginacoes e vivem eternamente
immortalisadas pelas nossas lagrimas as doces e legendarias figuras
d'esses fidalgos: a marqueza de Tavora, de uma physionomia tao elevada e
tao elegiaca, alta, magra, severa, envolta na sua longa capa alvadia,
assistindo no patibulo a descripcao do suplicio por que vae passar a sua
familia, comprimindo no silencio da dignidade toda a explosao da dor e
dobrando, sem um grito, sobre o cepo, a cabeca coroada de cabellos
brancos que o carrasco fere de um golpe de machado pela nuca, fazendo-a
pender por um instante segura ao busto pela pelle da garganta. O altivo
e marcial marquez de Tavora, macerado e encanecido, contemplando os
cadaveres da sua mulher degolada, do seu filho com os ossos esmigalhados
pelo masso de ferro que um momento depois lhe ha de bater no peito, em
que elle crusa os bracos, deixando rolar nas faces duas grossas lagrimas
mudas e tragicas, unico protesto contra o holocausto necessario para
desatranvacar dos empecos de familia o caminho que conduz a alcoca da
amante do seu rei. O joven Jose Maria de Tavora, finalmente, com vinte e
um annos de idade, bello, gentil e amado, vestido de veludo preto e
meias de seda cor de perola, os cabellos annellados e louros presos por
um laco de fita.

E na saudade dolorosa que nos desperta esse quadro do pretendido
aviltamento da aristocracia portugueza ninguem comprehende os tres
plebeus creados do duque d'Aveiro, egualmente suppliciados por terem
acompanhado seu amo na emboscada da Ajuda sem todavia haverem
participado na aggressao ao principe.

Esses tres innocentes, Joao Miguel, Braz Jose Romeiro e Manoel Alvares
Ferreira, comparecem no patibulo por ordem do juiz supremo Sebastiao
Jose de Carvalho, em camisa e calcoes, de pernas nuas e pes descalsos,
despresiveis e grotescos, despoetisados para a legenda sentimental da
morte pelo julgador egualmente plebeu que, para se extrahir d'esta
miseria truanesca da simples canalha, se condecora a si mesmo com o
direito de morrer com meias de seda, encorporando-se alguns dias depois
com o titulo de conde d'Oeiras na mesma nobreza que pretendia aviltar e
destruir.

E a isto que os apologistas de Sebastiao chamam o nobre intuito
democratico de elevar a plebe e de constituir a burguezia.

Mais expressivo e mais concludente que este extranho methodo de
egualisar as condicoes sociaes, e na historia da administracao pombalina
o systema geral de perseguicao sanguinaria a toda a manifestacao de
liberdade affirmada, de castigo tremendo a toda a transgressao da lei
escripta. Chega a nao ser preciso desobedecer, basta nao gostar
completamente do regimen em vigor para ser immediatamente punido por
isso. Em 1756 o marquez de Pombal decreta uma gratificacao de 400 mil
cruzados a todo o delator d'aquelles que disserem mal do seu governo.
No mesmo anno como lhe desagrade nao se sabe porque, o seu collega no
ministerio Diogo de Mendonca Corte Real, manda-o sahir de Lisboa dentro
de tres horas e prende-o na praca de Masagao ate que, cedida essa praca
aos marroquinos, e transportado para as Berlengas, onde morreu esquecido
e abandonado. Similhante sorte teve o successor de Diogo de Mendonca,
Thome Joaquim da Costa, que o marquez enfastiado mandou, sem culpa
formada como o outro, para o castello de Leiria, onde morreu. Em 1753,
como a Mesa do Bem Commum representasse humildemente em nome dos
commerciantes de Lisboa contra o privilegio exclusivo do commercio do
Maranhao e do Grao Para conferido a uma companhia, encarcera no
Limoeiro, sem outra forma de processo, todos os commerciantes
peticionarios e o advogado Joao Thomaz de Negreiro, redactor da peticao.
Este foi degradado por oito annos para Masagao. Todos os negociantes
foram deportados por mais ou menos annos. Em 1757, em consequencia da
assuada popular a que deram motivo os monstruosos vexames da Companhia
dos Vinhos do Alto Douro, manda ao Porto a famosa alcada que enforca
vinte e um homens e cinco mulheres e condemna a degredo, a confiscacao e
a multa 211 pessoas de ambos os sexos. Em 1776, para o fim de castigar
alguns refractarios ao servico militar refugiados na Trafaria, manda
incendiar de noite as cabanas d'essa pobre aldeia de pescadores e espera
n'um cinto de bayonetas caladas os desgracados que fogem as chammas
espavoridos e cegos.

Ninguem podia contar com a vida, nenhuma cabeca se considerava segura
nos respectivos hombros. As cartas eram abertas e lidas n'uma reparticao
especial montada para esse fim. O tribunal da Inconfidencia e a
Intendencia Geral da Policia devassavam todos os segredos. Era-se
perseguido, preso, condemnado rapidamente, summariamente, sem appellacao
nem aggravo, por uma carta a um parente, por alguns versos, por uma
palavra, por um sorriso, por uma simples suspeita. As prisoes estavam
cheias. No forte da Junqueira, a que verdadeiramente se pode chamar a
Bastilha portugueza, morre o conde d'Obidos e o conde da Ribeira. O
coronel Thomaz Luiz, accusado de haver recebido em sua casa, na
provincia de Minas Geraes no Brazil, um jesuita secularisado, morre na
forca em Lisboa, provando-se mais tarde que nem o supposto crime de que
o accusavam era verdadeiro. O diplomata Antonio Freire d'Andrade
Encerrabodes, accusado de haver escripto em uma carta particular a um
amigo uma phrase desagradavel para o marquez, e desterrado para a Costa
d'Africa. O conde de S. Lourenco e o visconde de Villa Nova da Cerveira,
unicamente por terem sido os familiares do Santo Officio encarregados
por esse regio tribunal, reconhecido e auctorisado, de prenderem o
intendente da policia, sao sepultados o primeiro no forte da Junqueira,
o segundo no castello de S. Joao da Foz, onde morreu. Na Junqueira
estiveram ainda os tres filhos do conde d'Alvor, o letrado Francisco
Xavier, mais tarde degredado para Angola; o desembargador Antonio da
Costa Freire, que morreu no forte; e muitos outros.

A disciplina militar do conde de Lippe lembra as arias do general Boum,
em que a cada phrase corresponde um tiro. Os famosos artigos de guerra,
em que os fusilamentos apparecem com tanta frequencia, como as virgulas,
seriam dignos da musica de Offenbach, se nao tivessem sido na realidade
um opprobrio da dignidade humana. Pelas culpas mais leves o soldado era
mettido ao tornilho, carregado d'armas, amarrado nu a uma espingarda e
zurzido as varadas ou moido as pranchadas d'espadao.

Na vida civil o mando fazia lei indiscutivel e absoluta, como na vida
militar. Por occasiao das famosas festas da inauguracao da estatua
equestre _ordenou-se_ aos ourives e aos particulares que cedessem as
suas alfaias para servir a ceia dada a custa do povo pelo senado de
Lisboa, cujos amigos comeram tresentas arrobas de doce em tres dias.

Da historia geral das reformas emprehendidas pelo marquez de Pombal
cumpre separar dois factos culminantes de especial importancia no
progresso: a expulsao dos jesuitas e a reforma da instruccao publica.

A extinccao da Companhia de Jesus foi no marquez de Pombal, assim como
nos demais reformadores regalistas da sua escola e do seu tempo, o
resultado de um equivoco.

Toda a gente sabe que a obediencia absoluta e cega e o fundamento da
ordem instituida por Santo Ignacio de Loyola, assim como e o fundamento
de todo o despotismo monarchico. O fim da Companhia de Jesus foi sempre
desde a sua fundacao ate hoje oppor as ideias de livre exame, de
discussao e de governo livre, a monarchia absoluta e o direito divino. O
immenso e insubstituivel poder espiritual sobre o qual se fundamentava
principalmente o poder temporal dos reis era o poder dos jesuitas. Sem
elles as monarchias absolutas careciam de base no espirito c na
consciencia dos povos. O marquez de Pombal tendo por unico intuito
politico fortalecer e affirmar indestructivelmente e para todo o sempre
o dominio absoluto do despotismo monarchico, errou portanto do modo mais
pueril, como todos os estadistas monarchicos seus contemporaneos,
minando por meio da perseguicao aos jesuitas os alicerces da sua propria
fundacao. Nunca um espirito verdadeiramente superior e penetrante, como
por exemplo o do snr de Bismarck, cahiria n'um tal desacerto.

Imaginem, um architecto que depois de haver construido um palacio de
marmore sobre estacas de madeira cravadas no fundo do oceano, rematasse
a sua obra serrando as pilastras que a sustinham. Foi precisamente o que
fez Pombal, construindo o mais solido regimen despotico sobre os
principios da obediencia e do direito divino, e tirando-lhe em seguida
debaixo o jesuita, que era o sustentaculo intellectual e moral d'esses
mesmos principios.

Auguste Comte, cujo alto e poderoso genio philosophico lanca sempre uma
tao intensa e viva luz sobre todos os problemas historicos em que poe a
mao, escreve sobre a queda da Companhia de Jesus, facto que elle
considera como o primeiro dos tres grandes agentes que dirigiram a crise
revolucionaria do fim do seculo XVIII, as seguintes palavras: _A
abolicao da Ordem dos Jesuitas mostrou a decrepitude de um systema
destruindo pelas suas proprias maos o unico poder susceptivel de lhe
retardar a queda_.

A extinccao da Companhia de Jesus e certamente um dos mais fundamentaes
progressos adquiridos para a liberdade e para a civilisacao moderna.
Attribuir porem e agradecer essa acquisicao liberal ao espirito do
retrogrado e ferrenho ministro do snr D. Jose I e cahir n'um contrasenso
tao absurdo como seria agradecer a destruicao de uma machina infernal ao
artifice que a construia e em cujas maos ella rebentou por um erro de
fabrico.

A perfeicao no modo consciente e raciocinado de eliminar do progresso a
influencia jesuitica consistiria em destruir o jesuitismo mantendo pela
tolerancia a independencia do jesuita. A prova manifesta de que o
marquez de Pombal nao tinha consciencia alguma do servico que contra sua
vontade prestou a liberdade esta no facto evidente de que, em vez de
atacar os principios da instituicao que condemnava, ele nao fez mais do
que perseguir os homens que o serviam, expulsando-os do reino e
sequestrando-lhes os bens, punindo-os e espoliando-os.

Os jesuitas foram-se, mas o jesuitismo ficou. Ficou encarnado e vigente
na pessoa do propio marquez de Pombal, o qual deante da liberdade nao e
mais do que um Loyola leigo, um Santo Ignacio de casaca de seda e
espadim, um pouco mais limpo talvez, mas incomparavelmente menos grande
do que o antigo, com menos piolhos mas com muito mais teias de aranha na
cabeca.

Expulsor dos Jesuitas, o marquez de Pombal fez do jesuitismo
secularisado todo o seu programma de poder.

Santo Ignacio tinha dito: "Se me parecer que o meu superior me prescreve
ordens em opposicao com a minha consciencia, acreditarei n'elle e nao
acreditarei em mim." Na Constituicao da ordem diz-se: "Pareceu-nos em
Deus nosso Senhor que nenhuma disposicao pode induzir obrigacao de
peccado mortal ou venial, a menos que o superior em nome de Jesus
Christo ou em virtude de obediencia o nao ordene." Na _Medulla
theologiae moralis_ o padre Busenhaum prescreve no tomo 4, capitulo V:
_Quum finis est licitus, etiam media sunt licita_.

Todo o systema governativo de Pombal assenta na pratica d'esses
principios definidos pela companhia. Para elle todo o meio e licito
quando lhe parece licito o fim, e, substituindo a invocacao eclesiastica
de _Nosso Senhor Jezus Christo_ pela formula civil de _El-Rey meu amo_,
elle arvora a obediencia cega, irraciocinada, absolutamente bruta, em
lei fundamental da nacao, assim como era lei fundamental da ordem.

A tao decantada reforma da instruccao publica nao e mais de que uma das
formas de jesuitismo applicado ao ensino.

A instruccao primaria, cultivada sobre a cartilha de Padre Mestre
Ignacio, continuou como estava subordinada a Igreja. Os mestres eram
obrigados ao receber os ordenados no fim de cada mez a exhibir certidao
do parocho attestando que o professor tinha ido a missa com todos os
seus alumnos nos domingos e festas de guarda.

Na instruccao superior a sciencia e escrupulosamente decilitrada pelo
legislador a copinho por copinho como a geropiga do saber abodegada no
casco por conta do lavrador. Nem o alumno pode beber nem o mestre pode
propinar senao precisamente a doze e a qualidade de licor prescriptas no
regulamento d'este monopolio. Os Estatutos da Universidade, sao uma
especie d'Estatutos da Companhia dos Vinhos do Alto Douro adstricta a
cepa torta da intelligencia.

Qual era o vicio capital do ensino jesuitico? Era a subordinacao do
phenomeno ao dogma, era a sujeicao da observacao, do exame, da
experiencia e do raciocinio ao arbitrio da auctoridade imposta.

O vicio organico da instruccao pombalina e precisamente o mesmo. Em toda
essa legislacao do ensino publico, o professor e seguido passo a passo
atravez de todas as disciplinas que tem de leccionar. Elle nao pode
communicar uma so nocao que previamente lhe nao houvesse sido suggerida
pelo legislador. O mestre, segundo Pombal, e uma pura machina de moer
artigos de programmas com corda dada pelo Estado para o exercicio de
cada anno lectivo.

Que importa, para os resultados finaes de um tal modo de instruir, o
maior ou menor numero de faculdades incluidas nas academias, o maior ou
menor numero de disciplinas introduzidas nos programmas? Onde faltam os
livres methodos experimentaes falta toda a especie de ordem positiva na
coordenacao das ideias, e diz o snr Herbert Spencer que quando nao ha
ordem na instruccao de um homem, quanto mais coisas elle souber tanto
maior sera a confusao do seu cerebro.

A instruccao de um povo nao pode nunca ser aquilatada pelo numero dos
bachareis formados que as ordens religiosas ou os institutos officiaes
derramam em cada anno sobre a massa da populacao, para o fim de a
explorarem pela chicana juridica ou de a embalarem pelo palavrao
dogmatico ou metaphysico.

A verdadeira instruccao nacional tem por base a vulgarisacao geral das
ideias transmittidas pela maxima liberdade do pensamento, e tem por fim
o emprego das faculdades intellectuaes de todos os cidadaos no exercicio
dos seus direitos politicos e dos seus direitos civis.

Quando a instruccao publica assenta pelo contrario em um campo de
doutrina arbitraria imposta por um legislador em nome de um regimen
politico, de uma escola philosophica ou de uma seita religiosa, ha uma
coisa muito mais util do que ministrar essa instruccao, e e nao
ministrar instruccao nenhuma. A falsa instruccao e um veneno inoculado
no homem. A simples ignorancia, pela sua parte, e uma das grandes forcas
do espirito. Se nao fosse a santa ignorancia, pura e convicta, que
resistiu pelo bom senso as differentes epidemias eruditas de cada
seculo, a escolastica e a metaphysica teriam dado cabo da humanidade.

Concluindo pois, repetimos que o marquez de Pombal, expulsando os
jesuitas e reformando os estudos, nao extiguiu o jesuitismo,
secularisou-o apenas, deslocando-o da ordem religiosa para a ordem
civil, arrebatando-o aos padres para o encabecar nos agiotas, nos
desembargadores, nos generaes e nos doutores de capello.

O jesuita e perfeitamente odioso e repulsivo pela accao sinistra que
durante tresentos annos tem exercido sobre a immobilisacao da
intelligencia, sobre a depressao da dignidade do homem; mas o jesuita e
pelo menos coherente e logico comsigo mesmo; sabe nitidamente o que
quer, tem perfeitamente correlacionados os seus meios com os seus fins e
vae ao seu destino preconcebido com uma exactidao geometrica, com uma
firmeza implacavel; sem uma unica tergirversao de linha, sem um unico
erro de calculo. O jesuita cae dentro dos seus proprios principios como
na antiga tactica militar os generaes vencidos cahiam dentro do
quadrado,--com todas, as baionetas voltadas para o inimigo.

N'esta maneira de acabar ha um ar de grandeza que nos obriga a nos
outros, revolucionarios vencedores n'este momento historico, a tirar o
chapeu e a saudar a coherencia dos vencidos.

Os estadistas da monarchia absoluta, com as suas leis, os seus exercitos
e os seus principes, morrem feridos pelas suas proprias armas, morrem
pela discordancia entre os fins propostos e os meios empregados, morrem
por haverem abracado, em vez da taboa de salvacao em que fluctuariam, o
trambolho de chumbo que os afunde.

As catastrophes assim determinadas pela insufficiencia intellectual
n'uma classe dirigente, tornam a derrota comica e a ruina grotesca.

O historiador snr Henri Marlin pergunta:

"O que e que faltou a companhia de Jesus para que ella conseguisse
realisar os seus planos dictados pelo genio?" E o mesmo historiador
responde: "Faltou-lhe a rectidao, faltou-lhe a franqueza, faltou-lhe o
espirito verdadeiramente religioso, o qual unicamente podia restituir a
natureza os seus direitos sem attentar contra as leis eternas do bem e
da verdade."

O marquez de Pombal, expulsor dos jesuitas e successor d'elles, cahiu
por modo mais ridiculo mas por eguaes causas. O que faltou no plano
pombalino, concebido, como temos obrigacao de o acreditar, no intuito do
accelerar o progresso e a prosperidade da patria, foi a _rectidao,_ foi
a _franqueza_, foi esse espirito de abnegacao e de magnanimidade que na
egreja se chama _religiao_ e que na sociedade se chama a _justica_.

A sociedade portugueza refeita a bordoada pelo despotismo pombalino
offerece o aspecto servil e vergonhoso de um Paraguay burguez,
incondicionalmente aforado a uma burocracia tarimbeira governada por um
dos mais antipathicos mandoes que ainda viu o mundo.

Solida natureza mesquinha mas atarracada, reforcada pelos quatro couros
sobrepostos do merceeiro, do esbirro e do cabo d'esquadra, Sebastiao de
Carvalho--feliz nome onomatopico de que parece rever uma rigidez de
cacete e uma espessura de baluarte--fez de Portugal a forca de leis e de
sentencas d'acoite, de sequestro, de prisao, de degredo e de morte, um
paiz de seminaristas e de recrutas, subserviente, medroso, imbecil.

Viu-se o que essa sociedade miseravel tinha dentro logo que por morte do
dictador ella se julgou desafrontada e comecou a desabotoar-se ao sol.

O reinado de D. Maria I e todo a influencia pombalina virada com o
dentro para fora e mostrando o miolo de que o reinado anterior fora a
casca.

Nunca a moral, a arte, o gosto, os caracteres, os costumes attingiram um
mais sordido rebaixamento. Levantaram-se as calumnias mais torpes contra
o ministro demittido e desgracado, e uma alluviao de escriptos em prosa
e em verso, da mais chilra insipidez, inundou as salas da aristocracia e
da burguesia aristocratisada, onde as senhoras merendavam e resavam a
novena aninhadas no chao, esconjurando o ante-christo desterrado em
Pombal, entre as gracolas dos padres e dos bobos, n'uma athmosphera
toireira e beata, cheirando a insenso, a estrume de cavallo, a ureia de
batina e a ovos molles.

O marquez nao deixara um so homem de pulso, um unico amigo fiel e
generoso que o deffendesse na adversidade. A monarchia a que elle
submettera tudo, tornando-a absoluta, discricionaria e omnipotente,
escorracava-o e perseguia-o,--que e sempre assim que os reis pagam aos
plebeus cuja forca os assombra embora os mantenha e os sirva. O marquez
de Pombal acabou como Colbert, o qual ao annunciarem-lhe, ja moribundo,
a visita de um enviado de Luiz XIV, recusou recebel-o exclamando: "Nao
me deixara esse homem acabar de morrer em paz? Se eu tivesse feito por
Deus metade do que fiz por elle, estaria certo n'esta hora da salvacao
da minha alma, e assim nao sei o que sera de mim."

O governo pombalino, pelo terror que conseguiu inspirar e por meio do
qual dobrou ao arbitrio do seu programma todas as energias nacionaes,
produsiu em ultimo resultado esta catastropbe enorme--a obediencia
geral.

Toda a obediencia e uma diminuicao de valor e de dignidade. Onde a
liberdade existe nao ha nunca obediencia, ha apenas accordo. A
obediencia e dos fructos do despotismo o mais venenoso. O homem que
obedece avilta-se; o povo que obedece deprava-se e dissolve-se.

Os individuos que por occasiao do centenario do marquez de Pombal se
encarregaram de encarecer os louvores d'este estadista, nao cessaram um
momento de nos explicar que os actos d'elle se nao podem julgar com
justica pelas nossas ideias d'hoje, mas pelas ideias do seu tempo; e
insistem n'isso de um modo proprio para fazer recear que, a forca de
procurarmos ideias antigas, tenhamos talvez, para ser justos, de julgar
este personagem sem ideias nenhumas.

Se quizerem fazer o favor de nos conceder que Turgot foi um
contemporaneo do marquez de Pombal--o que alias a chronologia parece
demonstrar com uma imparcialidade indiscutivel--nos permittir-nos-hemos
contrapor algumas ideias do ministro de Luiz XVI as do ministro de D.
Jose, e o leitor julgara d'essa breve approximacao de factos se o
estado geral das ideias no fim do seculo XVIII e sufficiente para
explicar o atraso das doutrinas economicas e dos principios moraes com
que nos governou o marquez de Pombal.

Turgot nao cre na accao das monarchias absolutas sobre a felicidade dos
povos, e ao mesmo tempo em que Pombal eternisa pelo bronze da estatua
equestre o despotismo de D. Jose, o ministro francez diz a Luiz XVI: _La
cause du mal, sire, vient de ce que votre nation n'a pas de
constitution._ Na mesma epoca em que o ministro de D. Jose mandava
anullar por apocrypho o livro de Velasco de Gouveia, no qual se
ennunciava o principio da soberania nacional, e exautorava o presidente
do Desembargo do Paco, Ignacio Alvares da Silva, por que elle exposera a
doutrina de que a lei civil em materias de casamento so podia ser
alterada pelas cortes da nacao, Turgot instiga o herdeiro de Luiz o
Grande, o Rei Sol, a reconhecer os direitos do povo firmando com elle o
pacto constitucional.

Turgot punha acima da subserviencia dos thronos e da supersticao dos
altares a confianca no genio bemfazejo do homem. Foi n'essa conviccao
que elle escreveu sob um retrato de Franklin a epigraphe famosa, que
sob o regimen pombalino o teria feito condemnar pelo Santo Officio ou
pela Mesa Sensoria: _Eripiut coelo flumen sceptrumque tyrannis._

A prosperidade nacional que Pombal procurou fundar no monopolio, na
coercao e na tyrannia, procurou Turgot estabelecel-a na liberdade,
_creando as municipalidades, separando a egreja do estado,_ decretando a
_liberdade da terra_, (1773), a _liberdade, da industria e do
commercio(1776)_, a _liberdade da razao_ (1777).

Emquanto Pombal intentava cegamente firmar a monarchia absoluta nos
excessos de rigor que deviam contribuir para a aniquilar mais depressa,
Turgot previa pela tolerancia tudo quanto podia tornar progressiva a
accao da realeza, poupando a humanidade os rios de sangue que ella havia
de ter que derramar para chegar ao progresso apesar dos obstaculos que
governos como o de Pombal lhe opposeram.

Condorcet, que ja citamos, diz na sua biographia de Turgot; "As leis que
prepararam as mudancas necessarias podem ser differentes para os
differentes povos, porque sao feitas contra abusos e contra abusoes que
nao teem nem a mesma origem nem os mesmos effeitos; mas as leis que, em
seguida a essas, estabelecem a ordem mais util a sociedade devem ser as
mesmas, pois que devem ser fundadas sobre a natureza do homem."

A differenca capital entre o ministro de Luiz XVI e o de D. Jose e essa:
que a politica d'um, fundando-se _no poder absoluto dos reis_, atrasava
para muito tempo a liberdade do povo; a outra, fundando-se na _natureza
do homem_, auxilia, quanto o pode auxilar um estadista, o progresso
moral da humanidade.

Voltaire, aos oitenta annos de idade, no momento em que Paris o
acclamava e o cobria de coroas no meio do maior triumpho de que ainda
foi objecto um homem d'espirito, apeou-se em publico da sua carruagem
forrada de setim asul e cravejada de estrellas d'ouro, e dirigindo-se a
Turgot perdido na multidao, cahiu de joelhos banhado em lagrimas aos pes
d'elle, e disse-lhe: _Deixe-me ter a gloria de beijar a mao que assignou
a salvacao do povo_.

A mao do marquez de Pombal, cheirando a sangue como a de Lady Mackbet,
envenenaria os beicos que lhe tocassem. Por isso elle triumphante nao
teve nunca, como Turgot vencido pela intriga de Maria Antoinette, a
consagracao augusta do livre espirito da humanidade representado por
Voltaire. Teve apenas as honras de um centenario contradictorio
celebrado em nome da liberdade pelos representantes de todos aquelles
que elle opprimiu em nome do despotismo: pela industria que paralysou
deslocando-a da tradicao historica e baseando-a em elementos exoticos e
posticos; pelo commercio que entravou por meio dos monopolios; pela arte
que abastardou tyrannisando-a pelo mais chato mau gosto; pela democracia
que esmagou sob condemnacoes d'acoite, de carce, de deportacao, de
degredo e de morte; pela mocidade emfim, de cujas altas e
desinteressadas aspiracoes elle foi a negacao accintosa e brutal, porque
o seu espirito d'odio, de cavilacao e de mentira, era um espirito
organicamente velho, mareado de nascenca pelo vicio da senilidade
ingenita.

       *       *       *       *       *

Estamos cancados de ouvir dizer de todos os lados, por todos os oradores
e por todos os articulistas da festa pombalina, que e absolutamente
preciso, para nos pormos a altura de admirar com o devido respeito o
vulto do marquez de Pombal, collocarmo-nos no _devido ponto de vista_.
Em desconto dos erros que tenhamos commettido, cumpre-nos declarar,
terminando, que ignoramos completamente qual e o tal ponto de vista em
que e necessario que a gente se colloque.

Para escrever estas linhas nos collocamo-nos simplesmente n'uma cadeira,
em frente do vulto e de um caderno de papel. Visto n'essa situacao
tranquilla, a olho desarmado e sereno, o unico effeito que nos fez o
vulto, apparamentado com o seu calcao e meia, a sua grande casaca de
seda, as suas fivelas, a sua luneta e o seu rabicho, foi o de se parecer
com o dos cheches. E e o que francamente te communicamos, na honrada
sinceridade de bom homem para bom homem, o leitor amigo.

Emquanto a estatua do reformador, em que se falla como complemento do
centenario a cuja celebracao acabamos de assistir, ella seria, se a
fizessem, o monumento funebre elevado a morte da democracia ou a do
senso commum na sociedade portugueza. Mas nao a farao nunca. E' ja de
mais a do Terreiro do Paco para consignar a estima d'este povo pelo
charlatanismo dos seus tyrannos.

O rei D. Jose e absolutamente indigno de estar posto por meio de uma
peanha nao so acima do nivel mas a simples altura de qualquer cidadao
honrado. Mero heroe das alcovas dos outros, esse principe rufiao esta
abaixo do proprio Luiz XV, de apodrecida memoria. Luiz XV teve um
merecimento pelo menos no seu reinado, teve por amante a encantadora
amiga de Diderot, Madame de Pompadour, a cuja ligacao o rei de Franca
deveu a honra de poder cear algumas vezes em _petit comite_ com alguns
dos homens de espirito que escreveram a _Encyclopedia._ D. Jose nunca
exerceu o seu donjuanismo senao entre beatas insipidas, mais pobres
ainda de talento que de pudor.

Quando chegar a hora da justica nao e a estatua do marquez de Pombal que
se ha de erigir, e a de D. Jose que se ha de apear. No monumento do
Terreiro do Paco o unico que merece continuar a contemplar Cacilhas e o
cavallo. Cumpre rehabilitar, na estima que se lhe deve, o nobre e util
animal, desaffrontando-o do cavalleiro, que nunca prestou para nada
n'este mundo, e honrando-o em nome do trabalho honesto com o appenso de
uma charrua.

Lisboa 10 de junho de 1882.






End of the Project Gutenberg EBook of As Farpas (Junho a Julho 1882)
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in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.

1.F.5.  Some states do not allow disclaimers of certain implied
warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
the applicable state law.  The invalidity or unenforceability of any
provision of this agreement shall not void the remaining provisions.

1.F.6.  INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
with this agreement, and any volunteers associated with the production,
promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
that arise directly or indirectly from any of the following which you do
or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.


Section  2.  Information about the Mission of Project Gutenberg-tm

Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers.  It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.

Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come.  In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.


Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation

The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service.  The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541.  Its 501(c)(3) letter is posted at
https://pglaf.org/fundraising.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
business@pglaf.org.  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at https://pglaf.org

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     gbnewby@pglaf.org


Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation

Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
spread public support and donations to carry out its mission of
increasing the number of public domain and licensed works that can be
freely distributed in machine readable form accessible by the widest
array of equipment including outdated equipment.  Many small donations
($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
status with the IRS.

The Foundation is committed to complying with the laws regulating
charities and charitable donations in all 50 states of the United
States.  Compliance requirements are not uniform and it takes a
considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
with these requirements.  We do not solicit donations in locations
where we have not received written confirmation of compliance.  To
SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
particular state visit https://pglaf.org

While we cannot and do not solicit contributions from states where we
have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
against accepting unsolicited donations from donors in such states who
approach us with offers to donate.

International donations are gratefully accepted, but we cannot make
any statements concerning tax treatment of donations received from
outside the United States.  U.S. laws alone swamp our small staff.

Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
methods and addresses.  Donations are accepted in a number of other
ways including including checks, online payments and credit card
donations.  To donate, please visit: https://pglaf.org/donate


Section 5.  General Information About Project Gutenberg-tm electronic
works.

Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
concept of a library of electronic works that could be freely shared
with anyone.  For thirty years, he produced and distributed Project
Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.


Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
unless a copyright notice is included.  Thus, we do not necessarily
keep eBooks in compliance with any particular paper edition.


Most people start at our Web site which has the main PG search facility:

     https://www.gutenberg.org

This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
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